Cemitérios de carros exigem plano de reciclagem veicular

Brasil não sabe o que fazer com a sua frota em fim de vida, com riscos ao meio ambiente; apenas 1,5% é reciclado adequadamente

Quem caminha por bairros de São Paulo ou de outras grandes cidades brasileiras conhece a paisagem da negligência: carros que um dia simbolizaram mobilidade agora apodrecem nas ruas. Essas carcaças são mais que entulho —são monumentos de uma crise silenciosa. O Brasil não sabe o que fazer com sua frota em fim de vida. Além de ocuparem espaço público, esses “cemitérios a céu aberto” representam riscos à saúde, à segurança e ao meio ambiente.

Em 2023, foram produzidos 2,3 milhões de veículos novos e a frota nacional superou 115 milhões, segundo Anfavea e Sindipeças. O dado mais alarmante é o envelhecimento: a idade média dos automóveis chegou a 10,9 anos, a maior já registrada. Com a crise econômica e o alto custo dos novos, prolongam-se o uso dos veículos.

Quando deixam de rodar, apenas 1,5% deles são reciclados adequadamente, segundo o Sindinesfa (sindicato do comércio de sucata); os 98,5% restantes somem na informalidade, alimentando desmanches clandestinos e a poluição urbana. O setor formal de reciclagem, que movimenta cerca de R$ 2 bilhões anuais, poderia ser muito maior com uma política nacional séria.

No país que sedia a COP30, é imperioso lembrar que a reciclagem veicular reduz emissões, pois metais e plásticos reciclados consomem até 95% menos energia que a extração de matéria-prima. Uma política nacional seria sinal concreto de compromisso climático e criaria empregos verdes, promovendo uma transição justa e recuperando áreas degradadas. Ignorar o tema seria um contrassenso. O futuro sustentável do Brasil começa limpando as ruas e dando destino adequado ao que hoje apodrece nelas.

Da Folha de São Paulo / Renato de Sá Teles