Artigo: Uma plaqueta metálica para aparafusar no coração!

Lula Ramires, homenageado durante o Prêmio João Ferrador de Cidadania 2010, escreve artigo sobre a importância da luta por um país sem discriminações



Lula Ramirez afirma que aprendeu com o Sindicato
a ocupar as ruas pelos direitos da classe LGBT

A vida de um militante é feita de desafios cotidianos e talvez o maior deles seja a paciência que é preciso ter para aguardar que mudanças efetivas realmente aconteçam na realidade. As conquistas, em geral quando ocorrem, vem aos poucos, a conta-gotas e é só olhando para trás que podemos perceber o acúmulo que tivemos, afinal, fora do contexto, a inação e as derrotas que permeiam o dia-a-dia parecem nos sufocar.

A noite de 12 de maio de 2010 foi, para mim, um desses momentos raros em que se pode fazer uma retrospectiva de quase 30 anos de jornada. Para celebrar os 51 anos de fundação do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, a entidade decidiu homenagear três ONGs e três personalidades que se destacaram pela sua atuação em defesa da justiça social e da cidadania. E eu era um dos indicados.

Como num filme, revivi na memória as diversas oportunidades – quando tinha cerca de 20 anos lá por volta de 1980 – em que comecei a comemoração do meu aniversário participando da missa e dos atos políticos no Largo da Matriz de São Bernardo no dia 1º de maio. Sentia-me privilegiado de poder festejar a data mais importante de uma pessoa junto a milhares de trabalhadores que se reuniam não apenas por melhores salários e condições de vida, mas também e sobretudo por um País livre do autoritarismo e sedento por democracia e auto-determinação.

Três décadas depois, percebo que aquela convivência na luta – em comícios, passeatas e protestos tantas vezes reprimidos violentamente pela polícia – marcaria a minha vida para sempre. Em primeiro lugar, me conduziria ao recém-fundado Partido dos Trabalhadores ao qual me filiei em 1982, onde seria eleito presidente do diretório distrital de Pinheiros no ano seguinte e participaria intensamente, nas ruas, da campanha pelas Diretas Já.

A vida deu voltas e em meio à minha percepção de que era preciso lutar por um Brasil justo e igualitário para todas e todos, veio também a certeza de que a sexualidade não podia ficar esperando no quintal, para entrar pela porta dos fundos, enquanto os problemas “sérios” eram debatidas na sala. Foi com os movimentos feminista e negro que aprendi que há questões que simplesmente não podem ficar de lado, pois não serão enfrentadas nunca se assim permanecerem.

Assim, com os olhos voltados para a transformação global da sociedade é que me assumi como gay e me coloquei em luta por uma sociedade em que houvesse plena liberdade de expressão da orientação sexual e da identidade de gênero. Mas sem me esquecer um só segundo que ninguém se realiza como ser humano, seja mulher ou homem, seja hetero, bi ou homossexual, se não lhe forem asseguradas condições dignas de existência: trabalho e renda, moradia, saúde, escola, segurança para ir e vir, cultura, lazer entre outras demandas.

Por isso, fazia todo o sentido essa indicação ao prêmio do Sindicato dos Metalúrgicos, pois era uma forma de dizerem que, mesmo à distância (afinal nunca realizamos uma ação explícita conjunta contra a homofobia), que a minha luta e de meus companheiros LGBTs não era uma coisa menor, mas que merecia sim ser destacada e louvada. Daí que a grande novidade foi o fato da votação ter quase empatado. A categoria entendeu, de maneira correta e justa, que a luta pela democratização da mídia no Brasil é prioritária porque de pouco adianta nos entrincheirarmos nos sindicatos e nos movimentos sociais se o restante do País não fica sabendo o que estamos pensando, fazendo, propondo. Isso é absolutamente verdadeiro para nós, LGBTs, que ainda somos fortemente retratados de forma caricatural pelos veículos de comunicação de massa.

Em meu breve discurso de agradecimento, salientei o fato de que aprendi com os metalúrgicos a importância de ocupar as ruas e não casualmente a minha ONG, o CORSA, se notabilizou por ter iniciado a Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, hoje a maior do mundo. Disse que se, em 1980 e em plena ditadura militar, ninguém ousaria imaginar que um sindicalista viria a se tornar Presidente da República, muito menos alguém sonharia que um sindicato (uma categoria quase integralmente masculina e, por isso mesmo, ainda bastante machista) um dia homenagearia um homossexual assumido.

Terminei dizendo que recebia aquele prêmio com muita alegria e orgulho não apenas em meu nome, mas de todas as lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais da classe trabalhadora. Ao final, conclamei: “muita coisa mudou no Brasil nos últimos anos tendo a frente um ex-presidente deste Sindicato, mas há ainda muito por fazer, por isso não podemos nos acomodar, a luta continua! Muito obrigado!”

Antes de cantar “parabéns”, Sérgio Nobre, presidente da entidade, anunciou que à semelhança de outras categorias profissionais (entre elas, os Funcionários Públicos de Diadema, representados na mesa por sua presidente, a companheira Jandira Alves), na próxima negociação coletiva já pleiteariam a extensão dos benefícios a companheiros/as do mesmo sexo. Anunciou também a criação de um grupo de trabalho LGBT.

Ao voltar para casa, fiquei contemplando a linda placa prateada a mim ofertada pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e descobri que ela não apenas é digna de ser afixada no alto de uma parede, mas também e, sobretudo, que ela permanecerá sempre cintilante no fundo do meu coração.

(*) Lula Ramires é Coordenador do CORSA – Cidadania, Orgulho, Respeito, Solidariedade e Amor (www.corsa.org.br), entidade de defesa dos direitos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais.

Para ler a cobertura do evento, acesse a página do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC em http://www.smabc.org.br/portal/mostra_materia.asp?id=18839