Clipping 10 de setembro de 2021
Manchetes
Sob pressão, Bolsonaro tenta minimizar ataques ao STF (Folha de SP)
Sob cerco político e econômico, Bolsonaro recua e elogia Moraes (Estadão)
Isolado, Bolsonaro procura Temer e anuncia recuo; STF é cético (O Globo)
Sob pressão, Bolsonaro recua e mercado melhora humor (Valor)
Estadão
Ford anuncia fim de produção de carros na Índia e corte de 4 mil empregos
A Ford anunciou nesta quinta-feira, 9, que vai parar de fabricar veículos na Índia e demitir cerca de 4 mil funcionários, como parte de uma reestruturação de suas operações locais, que vêm dando prejuízo. Em comunicado, a montadora americana disse que vai interromper a produção de veículos para venda no mercado indiano imediatamente. Já a produção de veículos para exportação será descontinuada gradualmente, até meados de 2022.
A montadora vai fechar sua linha de montagem em Sanand, no estado de Gujarat, até o quarto trimestre deste ano, assim como a fábrica em Chennai, no sul da Índia, até o segundo trimestre do ano que vem. A Ford disse esperar que as mudanças gerem encargos de cerca de US$ 2 bilhões, incluindo US$ 600 milhões neste ano e US$ 1,2 bilhão em 2022.
A decisão de encerrar a produção na Índia vem meses depois de a companhia cancelar um plano para ceder a maior parte de suas operações no país para a fabricante local Mahindra & Mahindra Ltd. Segundo o presidente da empresa, Jim Farley, a Ford Índia acumulou mais de US$ 2 bilhões em perdas nos últimos dez anos e a demanda por novos veículos foi muito mais fraca que o esperado.
Após o fechamento das fábricas, a companhia irá importar e vender alguns de seus modelos. A Ford afirma ter considerado várias opções antes do fim da produção, incluindo parcerias, compartilhamento de plataforma e contratos de fabricação com outras montadoras, e ainda analisa a possibilidade de vender suas fábricas no país.
A Ford Índia tem menos de 2% do mercado de veículos no país asiático, que é dominado por carros de baixo custo da Suzuki e da Hyundai – juntas, as duas montadoras controlam mais de 60% do mercado. A saída da Ford do país vem na esteira de outras duas montadoras americanas, General Motors e Harley-Davidson, que deixaram a Índia em anos recentes.
Em janeiro, a Ford anunciou o fim da produção de carros no Brasil após um século de presença no País, com impacto financeiro de aproximadamente US$ 4,1 bilhões em despesas não recorrentes, como compensações, rescisões, acordos e outros pagamentos, além de impacto contábil atribuído à baixa de créditos fiscais, depreciação acelerada e amortização de ativos fixos.
Valor
Indústria pior que no pré-pandemia se alastra
12 das 15 regiões pesquisadas tinham, em julho, patamar de produção inferior ao de fevereiro de 2020
Após uma recuperação ao longo do segundo semestre de 2020, a indústria brasileira enfrenta obstáculos em 2021. Os dados divulgados ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que 12 das 15 regiões pesquisadas tinham, em julho, patamar de produção inferior ao de fevereiro de 2020, antes da pandemia.
Em janeiro deste ano, eram apenas sete regiões nesta situação, o que mostra a deterioração da situação da indústria ao longo de 2021. A produção industrial como um todo estava 2,1% abaixo do pré-pandemia em julho, após alcançar, em janeiro de 2021, patamar 3,5% superior ao de fevereiro de 2020. No resultado de julho, frente a junho, a produção caiu em sete dos 15 locais pesquisados, movimento puxado por São Paulo, principal parque industrial do país e que teve queda de 2,9%, mais que o dobro do ritmo de 1,3% da média nacional.
Foi o segundo mês seguido de retração na indústria paulista, período no qual acumula perda de 3,7%. Com o desempenho de julho, voltou a ficar abaixo do prépandemia (-0,4%).
A segunda maior influência veio da indústria do Amazonas, com recuo de 14,4%. Com isso, eliminou parte do crescimento de 18,6% acumulado neste entre março e junho e voltou a ficar com patamar de produção inferior ao do pré-pandemia (-4,7%).
“A indústria de São Paulo foi a principal influência da produção em julho, com queda de 2,9%, puxada pelo setor de veículos automotores. Em segundo lugar em termos de influência nós temos a indústria do Amazonas, que também é a maior em termos absolutos, de 14,4%. Esse recuo foi influenciado pelos setores de bebidas e de outros equipamentos de transportes, dois setores importantes na indústria amazonense”, diz o gerente da Pesquisa Industrial Mensal Regional (PIM Regional), Bernardo Almeida.
Por outro lado, o Paraná e a Bahia exerceram as maiores influências positivas, com taxas de crescimento de 3,3% e 6,7%, respectivamente, impedindo uma queda maior da indústria brasileira no período. Ambas as expansões foram puxadas principalmente pelo segmento de derivados de petróleo, segundo Almeida.
Quando comparada com julho de 2020, a produção industrial subiu em sete dos 15 locais pesquisados. Nessa comparação, a produção industrial nacional subiu 1,2%. Neste mês, Espírito Santo (9,4%), Minas Gerais (8,6%), Paraná (8,2%) e Santa Catarina (7,8%) assinalaram as expansões mais intensas. Rio de Janeiro (2,8%), Rio Grande do Sul (2,4%) e São Paulo (1,3%) completaram o conjunto de locais com índices positivos nesse mês.
Por outro lado, Bahia (-12,2%), Pará (-10,9%) e região Nordeste (-9,6%) apontaram os recuos mais intensos em julho de 2021. Pernambuco (-8,6%), Amazonas (-8,1%), Ceará (-3,2%), Mato Grosso (-3,1%) e Goiás (-3,0%) também recuaram no mês.
Valor
Inflação ao consumidor mostra pressões disseminadas
IPCA de agosto registrou altas fortes de itens como alimentos, gasolina, energia elétrica, bens industriais e os serviços mais sensíveis à atividade econômica
Os detalhes da inflação de agosto mostraram um quadro preocupante, com pressões ainda mais disseminadas e altas fortes de itens como alimentos, gasolina, energia elétrica, bens industriais e os serviços mais sensíveis à atividade econômica. A alta do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), de 0,87%, levou o acumulado em 12 meses para 9,68%, próximo de dois dígitos. É um número muito distante da meta deste ano, de 3,75%.
A persistência das pressões inflacionárias é um dos principais fatores que explicam a queda da popularidade do presidente Jair Bolsonaro. A alimentação no domicílio subiu 1,63% em agosto, o que fez o acumulado em 12 meses atingir 16,59%. A alta expressiva dos preços de alimentos afeta especialmente os mais pobres, ainda mais num cenário em que o mercado de trabalho segue delicado e o endividamento dos brasileiros está em nível recorde – pelos números da Confederação Nacional do Comércio (CNC), 72,9% das famílias tinham alguma dívida em agosto.
O Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), que mede a inflação das famílias com ganhos de 1 a 5 salários mínimos, subiu 0,88% em agosto. Com isso, a alta em 12 meses do INPC superou os dois dígitos, alcançando 10,42%. O IPCA mede o custo de vida de quem tem rendimento de 1 a 40 salários mínimos.
Outro número incômodo do IPCA foi o índice de difusão, que mede o percentual de itens em alta no mês, que ficou em 71,88%, de acordo com cálculos da MCM. Em julho, foi de 63,66%. Os preços administrados continuam a subir com força – avançaram 0,95% no mês. A gasolina, por exemplo, subiu 2,8%, respondendo por 0,17 ponto percentual da variação mensal do IPCA. É um movimento que também desgasta a popularidade de Bolsonaro.
A tarifa de energia elétrica desacelerou de julho para agosto, de 7,88% para 1,1%, mas ainda assim foi uma alta salgada. Influenciada pelo câmbio desvalorizado e por problemas de falta de insumos, a inflação de bens industriais teve aceleração significativa no IPCA. A alta passou de 0,69% em julho para 1,02% em agosto. Em 12 meses, a variação pulou de 9,24% para 10,11%.
Os preços de serviços perderam fôlego – subiram 0,39% em agosto, após avançarem 0,67% em julho. A queda de 10,69% das passagens aéreas contribuiu para a desaceleração. Em 12 meses, porém, a variação de serviços passou de 3,04% para 3,93%. Além disso, a inflação de serviços subjacentes, que exclui os grupos de turismo, serviços domésticos, cursos e comunicação, mostra comportamento preocupante.
Medida que mostra os serviços que mais respondem ao ciclo econômico, ela passou de 0,49% em julho para 0,64% em agosto. Em 12 meses, a inflação de serviços subjacentes passou de 4,43% para 4,97%, segundo a MCM. O quadro inflacionário, como se vê, está longe de ser tranquilo. Trazer a inflação para a meta de 2022, de 3,5%, não será fácil, devendo exigir juros mais altos e por mais tempo. A crise política torna a tarefa mais complicada, por colocar mais pressão no câmbio. O resultado tende a ser uma elevação mais forte da Selic, com impacto negativo sobre a atividade.
Ontem, Bolsonaro divulgou uma nota com um recuo aos ataques ao Judiciário, o que levou a uma queda da moeda americana. Uma dúvida é quanto tempo a trégua vai durar. Além disso, as incertezas fiscais não deverão se desfazer de uma hora para outra, o que tende a impedir uma valorização mais acentuada do câmbio.
Valor
Alta do IPCA em 12 meses alcança os dois dígitos em 8 regiões metropolitanas
Em abril, só uma capital tinha inflação superior a 10%
Com a inflação média no Brasil alcançando 9,68% no resultado acumulado em 12 meses até agosto, é cada vez maior o número de regiões com taxas em dois dígitos. Em agosto, foram oito das 16 regiões em que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ficou acima dos 10%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os preços de gasolina, energia elétrica e carnes estão as principais influências na inflação desses locais.
Agosto foi o quinto mês seguido em que há regiões com resultados em 12 meses neste patamar, mas o número de regiões vem aumentando, o que mostra a disseminação desse movimento de preços pelo país. Era apenas uma em abril (Rio Branco), passou para duas em maio (Rio Branco e Campo Grande), quatro em junho (Fortaleza, Rio Branco, São Luiz e Campo Grande) e sete em julho (Fortaleza, Curitiba, Porto Alegre, Rio Branco, São Luiz, Campo Grande e Goiânia). Até agosto, o maior resultado acumulado em 12 meses entre as 16 regiões foi em Curitiba (12,08%), puxado principalmente pelas altas de gasolina (42,39%), energia elétrica (25,65%) e carnes (32,12%).
Os três itens são os que mais vêm exercendo influência na inflação brasileira como um todo, movimento que se reflete na análise regional do índice. No resultado acumulado em 12 meses, eles respondem, juntos, por 3,60 pontos percentuais da taxa de 9,68% do IPCA, ou seja, 37,1% da alta.
A segunda maior variação em 12 meses foi observada em Rio Branco (11,97%), puxada neste caso por carnes (45,20%), gasolina (29,46%) e energia elétrica (18,77%). Em seguida, aparecem Campo Grande (11,26%), com gasolina (37,58%), carnes (26,88%) e energia elétrica (20,42%), seguida por São Luís (11,25%), com gasolina (43,01%), carnes (37,14%) e gás de botijão (33,87%), e Fortaleza (11,20%), com alta liderada por gasolina (34,79%), energia elétrica (24,63%) e carnes (26,56%).
Outras três regiões passaram dos 10% no resultado do IPCA em 12 meses: Grande Vitória (11,07%), puxada pela gasolina (44,94%), energia elétrica (27,40%) e automóvel novo (14,66%); Goiânia (10,54%), com pressão de gasolina (42,62%), carnes (30,27%) e etanol (64,76%); e, por fim, Porto Alegre, com variação de 10,42%, influenciada principalmente por gasolina (43,47%), energia elétrica (24,84%) e carnes (34,85%).
Valor
Atos de caminhoneiros perdem fôlego e bloqueios terminam
Bolsonaro recebe líderes da categoria e termina bloqueio em rodovias federais nos Estados
Os protestos de caminhoneiros perderam força e, até a noite de ontem, não havia mais bloqueios em rodovias federais. Lideranças da categoria se reuniram ontem com o presidente Jair Bolsonaro, em Brasília, e desde então foram registradas apenas manifestações em dez Estados e atos isolados em outros quatro Estados. Segundo dados do Ministério da Integração divulgados às 20h30, a região Sul concentrou mais da metade dos protestos. Até a noite de ontem, foram registradas manifestações em Rondônia, Bahia, Pará, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goiás e Tocantins.
Insuflados pelos ataques do presidente da República a ministros do Supremo Tribunal Federal, lideranças de caminhoneiros se reuniram por cerca de três horas com Bolsonaro, depois de articularem por dois dias seguidos bloqueios em rodovias, e afirmaram que o alvo dos protestos é o STF.
Aliados de Bolsonaro, os caminhoneiros pressionaram por um encontro com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e ameaçaram fazer novas manifestações caso não sejam recebidos pelo senador. Depois da reunião com Bolsonaro, as lideranças afirmaram que não receberam do presidente o pedido para que cessassem as paralisações e bloqueios em rodovias de diversos Estados e na Esplanada dos Ministérios, em Brasília.
O ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, e os deputados Carla Zambelli (PSL-SP) e Vitor Hugo (PSL-GO) participaram da conversa. Após o encontro, as lideranças afirmaram que os protestos não estão relacionados com o preço dos combustíveis e reforçaram o apoio ao presidente. Um dos caminhoneiros, Francisco Dalmora Burgadt, se identificou como “Chico Caminhoneiro” e foi candidato a vereador em Canoinhas (SC), em 2020. “Estamos aguardando ser recebidos pelo senador Rodrigo Pacheco. Até que isso seja realizado, estaremos mobilizados.”
Questionado sobre qual é a pauta, Burgadt disse que “é uma coisa que está sendo elaborada”, mas afirmou que o preço dos combustíveis não está entre as reivindicações. “Não, não temos nada com relação a preço do combustível neste momento”, disse o caminhoneiro à imprensa.
Na noite de quarta-feira, no primeiro dia dos protestos, Bolsonaro divulgou um áudio pedindo aos caminhoneiros que desfizessem os bloqueios. A gravação foi recebida com desconfiança pelas lideranças, que não acreditaram na veracidade. O ministro da Infraestrutura gravou um vídeo confirmando que a declaração era mesmo de Bolsonaro e fez um apelo pelo fim dos protestos nas rodovias, para não prejudicar a economia. No encontro de ontem, no entanto, os caminhoneiros disseram que Bolsonaro não repetiu o apelo.
Outro caminhoneiro a falar com a imprensa foi Cleomar José Immich, de Sinop (MT), que reforçou que a pauta da categoria “é o STF” e insistiu em um encontro com o presidente do Senado. “A nossa pauta nunca foi com o presidente. A nossa pauta sempre foi STF via Senado. O Senado teria a obrigação de atender e tentar resolver a nossa questão. A insatisfação do povo brasileiro com o Judiciário, seria isso”, afirmou.
Immich queixou-se que o Executivo foi único poder que lhes “abriu as portas e recebeu”. “Nossa pauta é contra o STF. Queremos que todas as forças, todos os poderes políticos trabalhem dentro da Constituição”, afirmou.
Em Brasília, o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), afirmou que negociou a retirada “pacífica” dos manifestantes que estacionaram caminhões na Esplanada dos Ministérios. “Estamos tentando fazer tudo através do convencimento”, disse. Segundo Ibaneis, “vários caminhões” que estavam no local “foram multados várias vezes”.
Segundo a Secretaria de Segurança do DF, o policiamento na Esplanada está reforçado desde domingo, quando aconteceram os atos de 7 de setembro. Na segunda-feira, porém, a Polícia Militar cedeu e os manifestantes invadiram o local.
O movimento causou tensão no STF, que temeu que o prédio da Corte fosse atacado. Após o 7 de setembro, cerca de 200 pessoas e dezenas de caminhões continuaram no local. Na quarta-feira, houve tensão com a possibilidade de invasão do Congresso e do Supremo. Segundo um integrante da equipe de segurança da Corte, a pauta dos manifestantes mobilizados na Esplanada não é factível, o que dificulta a negociação: eles pedem a destituição de todos os ministros do STF e o voto impresso. Com os bloqueios nas rodovias em apoio a Bolsonaro e contra o STF, a avaliação do Supremo é a de que não há clima político para julgar as ações sobre o tabelamento do frete.
O presidente do tribunal, ministro Luiz Fux, tem dito a interlocutores que vê no Supremo uma tendência a decidir a favor do mercado, ou seja, contra o preço mínimo do frete – cenário que poderia gerar mais revolta na categoria, especialmente em meio a um contexto político beligerante no país Para Fux, relator das três ações sobre o tabelamento do frete, o mais prudente, em nome da estabilidade institucional, é deixar os processos em banho-maria até que o momento seja mais propício para esse tipo de discussão. O julgamento chegou a ser marcado para fevereiro de 2020, mas foi retirado de pauta para uma última tentativa de consenso.
O ministro designou uma audiência de conciliação entre governo, caminhoneiros e empresários, que foi adiada em razão da pandemia. No despacho, Fux diz que uma nova data seria designada oportunamente, mas isso não ocorreu. Com a demora, associações têm pedido para que a mediação seja deixada de lado e o caso vá a julgamento. A Associação Brasileira dos Condutores de Veículos Automotores (Abrava) escreveu ao STF dizendo que a nova rodada de negociações é desnecessária.
Folha de SP
Fiesp divulga manifesto em que pede entendimento entre os Poderes, após recuo de Bolsonaro
Texto afirma que não se dirige a nenhum dos Poderes diretamente e cobra que todos atuem com responsabilidade
Após recuo do presidente Jair Bolsonaro, na crise provocada por ele contra o sistema democrático, a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) divulgou nesta sexta-feira (10) o manifesto em que defende a harmonia entre os Poderes —ressaltando que o texto não se dirige a nenhum deles, trecho que não havia na versão anterior.
O texto, intitulado “A Praça é dos Três Poderes”, estava previsto para ser publicado no dia 31 de agosto, mas foi adiado para depois das manifestações de 7 de setembro, em uma manobra do presidente da entidade, Paulo Skaf.
A versão final tem poucas modificações substanciais em relação ao que havia sido divulgado anteriormente. Foi incluído trecho que diz: “Esta mensagem não se dirige a nenhum dos Poderes especificamente”.
“É preciso que cada um atue com responsabilidade nos limites de sua competência, obedecidos os preceitos estabelecidos em nossa Carta Magna”, continua o documento, em trecho similar ao de versão anterior.
Ainda na comparação com a versão anterior, foi retirado trecho que mencionava a necessidade de “reduzir as carências sociais que atingem amplos segmentos da população”. A Fiesp também diz que as entidades que assinam o manifesto veem com preocupação a escalada da tensão entre as autoridades públicas.
O manifesto recorda que a arquitetura da praça dos Três Poderes, em Brasília, já expressa a independência e a harmonia entre Executivo, Legislativo e Judiciário, sendo que nenhum deles é superior ao outro. “Esse princípio está presente de forma clara na Constituição Federal, pilar do ordenamento jurídico do país. Diante disso, é primordial que todos os ocupantes de cargos relevantes da República sigam o que a Constituição impõe.”
A publicação do manifesto chegou a provocar um racha na Febraban (que reúne os principais bancos), com Banco do Brasil e Caixa Econômica ameaçando deixar a federação, se o manifesto fosse assinado pela entidade.
Após atritos que envolveram a publicação, o Banco do Brasil anunciou que não tinha a intenção de se desassociar da Febraban, que emitiu uma nota no dia 2 de setembro, em que defendia o conteúdo do manifesto em defesa da democracia.
A Febraban não assina o documento da Fiesp –já havia dito anteriormente que não ficaria mais “vinculada às decisões da entidade, que, sem consultar as demais, resolveu adiar sem data a publicação do manifesto”.
O adiamento da publicação causou críticas ao presidente da Fiesp pelas demais entidades que assinam o documento. Entre as que corroboram a carta, estão Abinee (Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica), Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores), Abrasce (Associação Brasileira de Shopping Centers) e Sinditêxtil (Sindicato da Indústria de Fiação e Tecelagem em Geral do Estado de São Paulo).
Também assinam o Sinduscon (Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo), a Anamaco (Associação Nacional dos Comerciantes de Materiais de Construção) e o Sinicon (Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada e Infraestrutura), ligados ao setor de construção.
Fazem parte, ainda, entidades ligadas ao agronegócio, como a Única (União da Indústria da Cana-de-Açúcar), o CNPC (Conselho Nacional da Pecuária de Corte) a Coplana (Cooperativa Agroindustrial).
O documento é publicado após uma escalada autoritária proporcionada pelo presidente Bolsonaro nos últimos meses. O ápice da crise se deu no feriado de 7 de setembro, quando ele fez dois discursos, um em Brasília e outro em São Paulo, para uma massa de apoiadores em que confrontou ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) e reiterou suas ameaças à democracia.
No dia seguinte, o presidente do STF, ministro Luiz Fux, respondeu com um discurso firme à ameaça golpista do presidente. Nesta quinta-feira (9), sentindo os efeitos de seus discursos sobre os demais Poderes e agentes econômicos, o presidente recuou das ameaças e tentou abrandar a situação, em uma nota divulgada pelo Planalto.
“Nunca tive nenhuma intenção de agredir quaisquer dos Poderes. A harmonia entre eles não é vontade minha, mas determinação constitucional que todos, sem exceção, devem respeitar”, afirmou Bolsonaro no texto, escrito com o ex-presidente Michel Temer (MDB).
Ele disse que seu discurso decorre “do calor do momento e dos embates que sempre visaram o bem comum”. E afirmou reiterar seu “respeito pelas instituições da República”. Um dos itens da carta publicada pelo presidente ressalta que “as pessoas que exercem o poder não têm o direito de “esticar a corda”, a ponto de prejudicar a vida dos brasileiros e sua economia”. Segundo o manifesto da Fiesp, o momento atual exige serenidade, diálogo e pacificação de todos.
Leia a íntegra do manifesto da Fiesp.
A PRAÇA É DOS TRÊS PODERES
A representação arquitetônica da Praça dos Três Poderes expressa a independência e a harmonia entre o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Essa é a essência da República. O espaço foi construído formando um triângulo equilátero. Os vértices são os edifícios-sede de cada um dos Poderes. Essa disposição deixa claro que nenhum dos prédios é superior em importância, nenhum invade o limite dos outros, um não pode prescindir dos demais. Em resumo, a harmonia entre eles tem de ser a regra.
Esse princípio está presente de forma clara na Constituição Federal, pilar do ordenamento jurídico do país. Diante disso, é primordial que todos os ocupantes de cargos relevantes da República sigam o que a Constituição impõe.
As entidades da sociedade civil que assinam este manifesto veem com grande preocupação a escalada da tensão entre as autoridades públicas. O momento exige de todos serenidade, diálogo, pacificação política, estabilidade institucional e, sobretudo, foco em ações e medidas urgentes e necessárias para que o Brasil supere a pandemia, volte a crescer de forma sustentada e continue a gerar empregos.
Esta mensagem não se dirige a nenhum dos Poderes especificamente, mas a todos simultaneamente, pois a responsabilidade é conjunta. Mais do que nunca, o momento exige aproximação e cooperação entre Legislativo, Executivo e Judiciário. É preciso que cada um atue com responsabilidade nos limites de sua competência, obedecidos os preceitos estabelecidos em nossa Carta Magna. Esse é o anseio da Nação brasileira.
Folha de SP
Presidenciáveis defendem impeachment de Bolsonaro, e partidos tentam superar 2022 para engrossar frente
Forças negam cálculo eleitoral ao estimular a remoção do presidente, mas, nos bastidores, cenários são discutidos
A defesa do impeachment de Jair Bolsonaro (sem partido) foi renovada a partir das falas golpistas do presidente no 7 de Setembro, com a adesão de novos partidos e presidenciáveis. Enquanto o desafio para os recém-chegados, como João Doria (PSDB) e Eduardo Leite (PSDB), que deram declarações favoráveis à saída de Bolsonaro nesta terça (7), ainda é unificar as bancadas do partido nesse sentido, o PT de Lula e o PDT de Ciro, que buscam o impeachment há mais tempo, querem ampliar o isolamento de Bolsonaro.
Em comum, os partidos e seus líderes negam cálculo eleitoral ao estimular a remoção de Bolsonaro, mas, nos bastidores, há conversas sobre qual seria o melhor cenário para 2022 e resistência em formar uma frente ampla, da esquerda à direita, para elevar a pressão pelo impeachment.
Políticos defensores do impeachment planejam engrossar a mobilização apesar da fragmentação da oposição e apesar da sinalização do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), nesta quarta (8), de que não levará o assunto ao plenário.
O recuo ensaiado por Bolsonaro nesta quinta-feira (9), com uma nota em que pregou pacificação com outros Poderes, por ora não tem potencial de mudar as discussões sobre impeachment, segundo líderes partidários ouvidos pela Folha.
À esquerda e à direita, há ceticismo sobre uma mudança efetiva de comportamento. A avaliação é a de que o presidente é pouco confiável. Legendas que iniciaram debates internos sobre impeachment, mas ainda estão indecisas sobre apoio ao afastamento, dizem que continuarão analisando o quadro nos próximos dias.
À Folha, por meio de uma nota, o ex-presidente Lula afirmou que “nunca na história do Brasil um presidente teve tantas razões para ser ‘impichado’ como Bolsonaro”. “Seja pelos ataques às instituições e à democracia, seja pelo envolvimento com as rachadinhas e as milícias, seja pelo gabinete do ódio e das fake news, seja pelas sabotagens que promoveu no combate ao coronavírus”, afirmou em nota enviada à reportagem nesta quarta.
“Já existem mais de 100 pedidos e nenhum foi votado porque pararam na presidência da Câmara. Os partidos políticos devem cobrar a abertura do processo de impeachment. O povo brasileiro não merece e não pode seguir sofrendo neste governo de destruição”, completa Lula.
O ex-presidente vem defendendo o impeachment em entrevistas desde 2020. Com base nisso, o PT rebate a tese de que, para Lula, o ideal é deixar Bolsonaro no poder até 2022, já que as pesquisas indicam vitória folgada do petista sobre o presidente. “Há quem diga que seria mais fácil bater Bolsonaro na eleição. Mas não estamos vinculando impeachment à questão eleitoral”, diz o deputado federal Rui Falcão (PT-SP).
Seguindo a retórica de Lula em sua fala para o Dia da Independência, de que “o brasileiro está sentindo na pele a destruição do país”, Falcão diz que o PT defende o impeachment não só porque Bolsonaro atenta contra a democracia, mas porque sua política “é nefasta para o povo” –com desemprego, crise hídrica, pandemia, inflação e devastação da Amazônia.
Para setores do PT, no entanto, o impeachment de Bolsonaro pode significar um ganho duplo em relação à eleição de 2022. Há, nos bastidores, a expectativa de que partidos que se somem à luta pelo impeachment, mesmo os de direita, se sintam constrangidos, num segundo turno entre Lula e Bolsonaro, a declarar apoio ao presidente –como aconteceu em 2018.
Ou seja, se Bolsonaro sofrer o impeachment, Lula veria eliminado da disputa seu principal rival –haveria o risco de derrota para outro nome, mas petistas se fiam nas pesquisas que, hoje, mostram o ex-presidente vencedor em qualquer disputa.
Porém, caso o impeachment não ocorra, uma coalizão ampla em sua defesa representaria, no futuro, o isolamento de Bolsonaro na eleição. Nesse sentido, siglas de esquerda comemoraram a adesão de novos partidos ao impeachment. Após os atos bolsonaristas, além de PSDB, PSD e MDB abriram discussões internas sobre crimes de responsabilidade do presidente. Paulinho da Força, presidente do Solidariedade, se posicionou a favor do impeachment.
Como mostrou a Folha, cresceu a pressão por atos de rua unificados, da esquerda e da direita, em resposta a Bolsonaro. Até o momento, a iniciativa mais ampla pelo impeachment foi o superpedido apresentado em junho por partidos de esquerda, entidades da sociedade civil, MBL (Movimento Brasil Livre) e alguns deputados de direita.
Agora, há discussão sobre convocar um protesto de forma conjunta, enquanto o protesto “fora, Bolsonaro” do MBL e do VPR (Vem Pra Rua), marcado para domingo (12), ganha adesões da esquerda –em meio à resistência dos petistas e da identificação da terceira via com a convocação.
Para definir os próximos passos para o impedimento, o grupo de partidos que já vêm tratando do tema de forma unificada (PT, PDT, PSB, PSOL, PC do B, PV, Rede e Cidadania), inclusive apresentando pedidos de impeachment, se reuniu nesta quarta para construir um ato nacional único.
A presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), disse que foram convidados outros partidos ao centro, “especialmente os que têm origem na luta pela redemocratização”, mas só teve adesão do Solidariedade. PSD, DEM e MDB alegaram que o tema ainda está sendo discutido internamente e nas bancadas federais.
Em um sinal da dificuldade de separar a questão eleitoral, Gleisi descartou adesão ao ato da direita. “Não se trata de aderir a atos já marcados, mas de construirmos juntos o caminho”, escreveu no Twitter. Mas, após a reunião, publicou: “Incentivamos todos os atos que forem realizados em defesa do impeachment”.
A posição da presidente do PT é a de que o partido não impedirá a eventual presença de filiados (embora haja grande resistência entre petistas à participação), mas também não vai se juntar à convocação nem declarar apoio formal à iniciativa capitaneada por MBL e VPR.
As siglas que já se declaravam de oposição cogitam entrar com um novo pedido de impeachment, baseado nos fatos e declarações do 7 de Setembro. A questão ainda é debatida no fórum, que também aguarda uma resposta mais firme de siglas ao centro e à direita sobre apoio à causa.
“A adesão de novos setores sociais e partidários ao impechment é necessária”, diz o presidente nacional do PSOL, Juliano Medeiros. “A esquerda e a centro-esquerda não têm votos suficientes para aprovar um processo. Vamos dialogar com aqueles que estiverem abertos a pensarem saídas comuns para o fim do governo.”
O PSDB declarou nesta quarta ser oposição a Bolsonaro, após votação unânime da executiva nacional neste sentido, e conclamou “as forças do centro democrático a formar uma frente de oposição” –deixando o PT de lado. A nota da direção tucana afirma que “o modelo político e econômico petista [é] também responsável pela profunda crise que enfrentamos”.
No PSDB, que terá prévias presidenciais entre Doria e Leite, a adesão ao impeachment será discutida e aprofundada entre as bancadas e os líderes tucanos. Há duas considerações eleitorais conflitantes. Por um lado, a remoção de Bolsonaro abre caminho para que a terceira via chegue ao segundo turno contra Lula. Mas a defesa do impeachment pode fazer com que os candidatos percam votos de bolsonaristas e antipetistas que pretendem conquistar nesse eventual segundo turno.
Como mostrou a Folha em julho, presidenciáveis da chamada terceira via mantinham o pé no freio do impeachment apesar de a maioria de seus eleitores defendê-lo, segundo dados do Datafolha. O cenário mudou no Dia da Independência.
“Eu até hoje nunca havia feito nenhuma manifestação pró-impeachment, me mantive na neutralidade, entendendo que até aqui os fatos deveriam ser avaliados e julgados pelo Congresso Nacional, mas, depois do que assisti e ouvi hoje, […] Bolsonaro claramente afronta a Constituição, ele desafia a democracia e empareda a Suprema Corte brasileira”, disse Doria. “Foi um erro colocar Bolsonaro no poder. Está cada vez mais claro que é um erro mantê-lo lá”, declarou Leite.
Presidente do PSDB de São Paulo, Marco Vinholi nega haver oportunismo ou cálculo eleitoral na adesão de Doria ao impeachment. “Não tem a ver com 2022, mas com a crescente afronta à democracia.” O tucano afirmou que avalia comparecer ao ato do dia 12. “Na reunião da executiva nacional do PSDB, fizemos uma distinção clara de que o PT não será caminho de diálogo”, completa.
Vinholi afirmou ainda que a bancada paulista defende o impeachment de forma unânime, mas que decisões nesse sentido cabem ao presidente da sigla, Bruno Araújo. Parte dos parlamentares do PSDB aderiu ao governo Bolsonaro –mesma questão enfrentada no PSD, MDB, DEM e PSL, partidos que dividem a terceira via com os tucanos. Nesse campo, as discussões sobre o impeachment atropelam outro entendimento que ainda não existe, o de qual nome será candidato e agregará mais aliados.
O adesismo de deputados preocupados com emendas e sobrevivência eleitoral é algo que impede o impeachment na prática, afirma o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta (DEM), também presidenciável. “Bolsonaro tem vários crimes. O de terça é mais um. Ele tem que sair, está fazendo mal para o Brasil. Mas o comando dos partidos muitas vezes não tem os votos dos seus deputados. O governo tem uma negociação forte”, diz.
O presidenciável Ciro Gomes (PDT), que há tempos defende o impeachment, reforçou após os atos do 7 de Setembro a necessidade de uma ação conjunta a fim de garantir a estabilidade democrática e a realização das eleições de 2022. O PDT endossa formalmente pedidos de afastamento do mandatário.
Ciro, que rivaliza com Bolsonaro e com Lula, teria virtualmente uma vantagem eleitoral com a eliminação do primeiro adversário, embora haja dúvidas sobre sua capacidade de colher votos na direita e em outros setores refratários à esquerda, com a qual o ex-ministro é identificado.
Nesta quinta, Ciro anunciou que irá ao ato do MBL e Vem Pra Rua no dia 12 e disse que a questão está acima de partidos e posicionamentos ideológicos. “Seja qual for o sacrifício e risco que isso represente, há algo maior que tudo: o futuro do Brasil e da nossa democracia”, escreveu.
“É absolutamente indesculpável que a gente não avalie isso [impeachment]”, disse em entrevista ao portal UOL nesta quarta. Ciro afirmou que “Bolsonaro está fazendo uma aposta macabra”, chamou-o de “presidente criminoso e irresponsável” e disse que ele já sabe que sairá derrotado.
A respeito do recuo de Bolsonaro perante o STF, Ciro afirmou que não se pode confiar no que vem de Bolsonaro e que “um insensato deste calibre não pode continuar presidente, pois é um risco permanente para o país”.
A legenda de Ciro reiterou nesta quarta esforços pelo andamento de um processo contra Bolsonaro na Câmara dos Deputados, buscando uma aproximação entre forças da esquerda à direita em nome do afastamento. O partido endossa ainda manifestações de rua pela derrubada do mandatário.
Também lançados na terceira via, os senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Simone Tebet (MDB-MS) já deram declarações nas redes sociais favoráveis à abertura do processo de impeachment. Já o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que também constrói sua candidatura, se mantém neutro. Seu principal fiador, Gilberto Kassab (PSD), deu passos em direção ao impeachment ao criar uma comissão sobre o tema no partido.
PSL e DEM divulgaram nota de repúdio às falas de Bolsonaro contra as intituições, mas sem mencionar impeachment, embora deputados dessas siglas, como Junior Bozzella (PSL-SP) e Kim Kataguiri (DEM-SP), sejam favoráveis ao impedimento. Nesta quarta, o Podemos declarou ser contra a remoção de Bolsonaro. Já Cidadania e Novo haviam deliberado apoio ao impeachment antes dos protestos de 7 de Setembro.
Valor (análise)
Ofensiva de Moraes e do Centrão explicam recuo, ainda que breve
Na mesma tarde em que Bolsonaro falou com o ministro, por meio de Temer, Zé Trovão mudava tom dos vídeos para emplacar um descolamento do presidente
MARIA CRISTINA FERNANDES
Na mesma tarde em que o presidente Jair Bolsonaro mandou um jatinho a São Paulo para buscar o ex-presidente Michel Temer, Marcos Antônio Gomes, o Zé Trovão, fez uma manobra para se descolar do Palácio do Planalto. Do encontro com Temer saiu um telefonema entre o presidente e o ministro Alexandre de Moraes, que foi ministro da Justiça do ex-presidente e por ele indicado à Corte. Saiu ainda nota de recuo em relação às agressões feitas por Bolsonaro no 7 de setembro.
Consta que Moraes foi protocolar no telefonema. Mais ouviu que falou. Nesta nota, sem pedir desculpas, Bolsonaro disse que, em que pese as “divergências” com Moraes, não desconhece suas qualidades de “jurista e professor”. Acrescentou ainda que suas questões com o ministro serão tratadas por medidas judiciais no âmbito do Artigo 5º da Constituição que estabelece, entre outros preceitos, o da liberdade de manifestação.
Concomitantemente, do Telegram do caminhoneiro Zé Trovão começaram a pipocar vídeos em que ele passou a tentar se distanciar de Bolsonaro. Primeiro fez um vídeo de despiste para dizer que havia sido localizado no México e que iria se entregar. Em seguida fez outro dizendo que havia fugido de novo e fazendo um apelo para que seus seguidores ocupassem Brasilia não mais com faixas com o nome de Bolsonaro, mas pelo impeachment de Alexandre de Moraes.
Na opinião de fontes que acompanham os inquéritos que investigam o financiamento dos atos bolsonaristas e de suas redes sociais, o ministro Alexandre de Moraes puxou, com a fuga de Zé Trovão, mais um fio deste novelo. Daí a operação para dissociar o presidente desse fio puxado pelo ministro. Tão difícil quanto esta dissociação, é aquela que envolve o vereador Carlos Bolsonaro na trama.
Trovão teve prisão decretada por Moraes junto com a do blogueiro Wellington Macedo na sexta, 3. O blogueiro foi preso, mas Trovão fugiu. Não é uma fuga trivial. Daí o interesse em descobrir quem a financiou e quem o mantém a salvo das autoridades que o procuram no México ou alhures.
Não é o único trajeto entre os dois hemisférios de aliados bolsonaristas investigados pelo gabinete de Moraes. A delegada da Polícia Federal que atua no inquérito conduzido pelo ministro, Denisse Dias Rosas Ribeiro, também está na cola, com a colaboração de autoridades americanas, do financiamento do jatinho que trouxe o empresário Jason Miller ao Brasil.
O empresário, que fundou a plataforma GETTR com o objetivo de levar o ex-presidente Donald Trump de volta às redes sociais, assessorou o ex-presidente americano. Ele foi palestrante da Conferência de Ação Política Conservadora, organizada pelo deputado Eduardo Bolsonaro no fim de semana em Brasília, e visitou o presidente. No dia das manifestações Miller foi levado para depor na Polícia Federal por determinação de Moraes mas ficou em silêncio.
Pessoas próximas a Moraes dizem que não há hipótese de o ministro recuar. As ameaças bolsonaristas chegaram à esposa advogada e aos filhos do ministro, estudantes de direito em São Paulo. Uma atitude mais concreta teria sido um recuo em relação ao impeachment de Moraes, que só não foi em frente porque o presidente do Senado arquivou.
O presidente silenciou sobre o tema na nota. A participação de Temer na triangulação com Moraes dividiu as reações. No seu partido há quem aposte que Bolsonaro não abandonará o discurso com o qual mantém mobilizada uma fatia que calculam em 15% do eleitorado sem quaisquer garantias de que será capaz de retomar aquela, mais graúda, que perdeu desde 2018. É esta ala que tem pressionado o MDB a engrossar o impeachment. Uma outra, mais próxima do Centrão, viu na mediação de Temer um movimento necessário para conter o derretimento do mercado num dia em que a inflação bateu o recorde de agosto em duas décadas.
O movimento impulsionou o discurso desses partidos de que o impeachment seria inevitável. Em reunião na sua casa com os líderes, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), teria concluído que já havia quórum para a cassação. Pelo menos foi esta a versão que levou ao presidente. A percepção de isolamento foi reforçada pelo que foi visto como fracasso do presidente na mobilização dos caminhoneiros. Na percepção de algumas lideranças, Bolsonaro insuflou seus aliados no movimento a bloquear as estradas para provocar uma Operação de Garantia da Lei e da Ordem.
Depois que os policiais militares demonstraram a disciplina exigida por seus comandantes, restou a Bolsonaro a cartada das Forças Armadas via GLO, que também acabou frustrada. O desfecho do encontro era avaliado, na noite de ontem, como um freio de arrumação na política, com acertos ainda não conhecidos entre o presidente e sua base. O que ninguém se mostrava capaz de garantir era a participação do ministro Alexandre de Moraes nesse acordão.
Folha de SP (análise)
Carta de Bolsonaro é recuo tático; afinal, a cadeia o contempla
Quanto tempo demora para que o príncipe volte à condição de ogro? A verdade é que o governo, que nunca existiu, acabou
REINALDO AZEVEDO
Contive uma furtiva lágrima ao ler a carta de Jair Bolsonaro, o golpista subitamente convertido à democracia. Quer negociar com o STF o calote nos precatórios? Está com medo do impeachment? Dado o contexto, parece certo que busca também se livrar da cadeia.
Quanto tempo demora para que o príncipe volte à condição de ogro? A verdade é que o governo, que nunca existiu, acabou. O que deu errado? Valeria uma enciclopédia. Mas aqui se tem espaço pouco maior do que o de uma fábula. Então vamos a ela, com direito à moral da história.
Quando Bolsonaro ofereceu ao mercado de ideias os seus 28 anos de Câmara, trazendo na bagagem a defesa de torturadores, a apologia de fuzilamentos, o elogio às milícias, a recomendação para que o pai espancasse o filho “gayzinho” e o conceito de que, na raiz do estupro, está o merecimento —uma distinção cabível só às belas—, os reacionários e iliberais das elites se encantaram. Na metafísica, estavam juntos. Mas restavam temores.
“Ele está certo, mas pode assustar!” A maioria é notavelmente autoritária e iletrada, mas não gosta de jogar dinheiro fora, muito especialmente porque o Estado é grande e poderoso o bastante para prejudicar os negócios no caso de uma aposta errada.
Mas como emprestar ao ogro as feições de um príncipe, de modo a mimetizar uma força modernizadora, apesar (voltarei a esse advérbio) daquele formidável currículo escrito nas catacumbas?
Foi então que se construiu a fabulosa teoria do casamento entre “conservadores nos costumes” com “liberais na economia”, que viria a substituir, como Paulo Guedes anunciou com a pompa ligeira de sempre, três décadas de social-democracia. Imodesto, o patinho feio, antes rejeitado por tucanos e petistas, alçado à condição de cisne, disparou ainda em outubro de 2018: “O Brasil tem 30 anos de expansão de gastos públicos descontrolados (…) Esse modelo econômico corrompeu a política, subiram os impostos, subiram os juros, nos endividamos numa bola de neve”.
Mandavam-se para o ralo, por exemplo, o Plano Real, a construção do SUS, a tímida —mas significativa para padrões nativos— redistribuição de renda dos governos petistas. Adicionalmente, ignorava-se quanto da “bola de neve da dívida” era, na verdade, apropriação privada de dinheiro público. E os maiores apropriadores estavam entre os entusiastas do novo arranjo.
Nascia a estrovenga meticulosamente projetada para não voar. Vá lá: se não reconheço em Guedes um formulador de política econômica, admito que é um competente prestidigitador de generalidades. Atuou, por um bom tempo, como animador de festinha infantil dos mercados.
Ainda que Bolsonaro juntasse a graça da “fortuna” (a sorte) aos dons do pensamento (a “virtù”) —condição posta por Maquiavel para o triunfo d’O Príncipe—, o arranjo estaria destinado ao naufrágio porque a imaginação econômica de Guedes contemplava, numa das mãos, o desmonte radical do que já não passa de mero arremedo de bem-estar social, mas que nos livra, ao menos, da guerra de todos contra todos. Com a outra mão, achou que poderia tirar alguns privilégios daqueles apropriadores da riqueza pública que sustentaram a postulação do “Mito”.
Chegou a hora de voltar ao advérbio “apesar”, conforme o anunciado. Se os mercados conseguem conviver com o vômito cotidiano de reacionarismos, não comportam nem suportam o golpismo que abandona a retórica para ir às vias de fato. A tal “modernização, apesar de Bolsonaro” era, como na música do Molejão, “cilada”.
Agora vem a cartinha do aluno aprendiz das instituições, ainda que o redator seja ignorante em gramática e meta vírgula entre o sujeito e o seu verbo. O impeachment passou a ameaçá-lo. Ele precisa do calote nos precatórios para bombar o Bolsa Família e a reeleição passou a ser a única chance de não terminar no xilindró. Além de “prisão, morte ou vitória”, também havia o recuo —o tático ao menos.
Em Platão, o príncipe se revela um ogro. No “Shrek”, o ogro se revela um príncipe. Na vida real, as coisas são diferentes. A moral da fábula vem agora: os meios qualificam o fim. Isso explica por que deu errado. E não há carta que possa mudar o feito.
Folha de SP (Painel)
Centrais sindicais apelam ao passado para tentar convencer CUT a participar de atos de 12 de setembro
Iniciativa não teve sucesso, já que os dirigentes da CUT disseram que vão a outras manifestações
Dirigentes de cinco centrais sindicais apelaram para o passado na tentativa de convencer a CUT (Central Única dos Trabalhadores) a participar do ato do dia 12 de setembro pelo impeachment de Jair Bolsonaro. Evocaram as Diretas Já, dizendo que Teotonio Vilela, usineiro, conservador e do partido do governo na época, se somou ao movimento. A central de esquerda, no entanto, disse que mira em atos em outubro e novembro e que não vai participar da manifestação de domingo (12).
Como mostrou o Painel, quatro das maiores centrais sindicais do país decidiram aderir às manifestações. Força Sindical, UGT, CSB e Nova Central tomaram a decisão de convocar seus filiados após os discursos golpistas do presidente no Sete de Setembro. A CTB também deve se juntar ao grupo.
Existe na esquerda alguma resistência a aderir aos atos de domingo (12), dado que eles têm sido promovidos por MBL (Movimento Brasil Livre), VPR (Vem Pra Rua) e Livres, compostos por políticos da direita não bolsonarista. No entanto, diversos partidos e movimentos de oposição têm entendido que o momento é de unir forças contra as ameaças do presidente à democracia.
Recuo de Bolsonaro sobre STF desnorteia base conservadora, que fala em ‘fim de jogo’
Influenciadores se mostram perplexos com retratação de presidente em críticas
O recuo de Jair Bolsonaro nas críticas que fez ao STF, intermediado pelo ex-presidente Michel Temer (MDB), deixou desnorteada sua base de apoio mais estridente em redes sociais. Influenciadores bolsonaristas usaram o mesmo termo para descrever a atitude de Bolsonaro: game over (fim de jogo).
Foram os casos do comentarista Rodrigo Constantino e do youtuber Allan dos Santos. “A nota do Temer foi para mostrar que o povo não deve exercer seu poder diretamente. Não votei no Temer”, disse Santos. Segundo escreveu Constantino: “Dia 7: multidão nas ruas com pauta patriótica condenando o arbítrio. Dia 9: Bolsonaro elogia China como essencial e pede desculpas ao STF. Game over”.
Também houve reações de sarcasmo. Um meme bastante compartilhado foi o que mostra a transmissão da faixa presidencial de Temer para Bolsonaro em modo reverso, como se o emedebista estivesse voltando ao cargo.”Impressão inicial, ainda provisória: com o ato de hoje, Bolsonaro está abrindo mão da candidatura à reeleição”, disse o influenciador bolsonarista Leandro Ruschel.
Já Bernardo Kuster, editor do jornal olavista Brasil Sem Medo, afirmou que “este o país do acórdão e da negociação.” “As coisas não ficarão como estão e nem tudo mudará para melhor subitamente num passo de mágica. Estava claro. Este é o Brasil, o país do ‘deixa disso’ e do ‘veja bem'”, disse.
Em grupos bolsonaristas de WhatsApp, o sentimento também era de perplexidade. “Este é o meu recado para o presidente Bolsonaro. O general que vai para a guerra com medo de levar um tiro é tido como covarde… E não merece a lealdade da tropa nem as honras do soberano”, escreveu Wagner Cunha, que se apresentou como psicólogo, escritor e ativista político.
A surpresa da base bolsonarista com a mudança de tom só tem paralelo na crise da saída de Sergio Moro, no ano passado. Mas, como disseram aliados de Bolsonaro, foi um risco calculado. A temperatura política precisava baixar, sob risco de inviabilizar o governo. Já os muxoxos da militância tendem a arrefecer do mesmo modo que em decepções anteriores, como a aliança com o centrão e a nomeação de Kassio Nunes para o STF.
Conversa de Bolsonaro com Moraes gera preocupação na PF sobre inquéritos que miram presidente
Investigadores aguardam desdobramentos e veem pouco apoio interno para casos sensíveis
A expectativa na Polícia Federal é sobre qual será o impacto da conversa entre Jair Bolsonaro e Alexandre de Moraes no andamento das investigações que miram o presidente e seus apoiadores no Supremo Tribunal Federal e no Tribunal Superior Eleitoral.
Ações nos inquéritos que miram Bolsonaro, como os das fake news, acusações contra as urnas e milícias digitais, são consideradas inevitáveis no curto e médio prazo. Entretanto, cada vez mais a leitura interna é que as condições institucionais ficam mais difíceis.
Nesse contexto, a visita de Augusto Aras ao diretor-geral da PF, Paulo Maiurino, nesta quinta (9) foi lida como um indicativo de que não é certo o apoio interno para os envolvidos nos casos. O Procurador-Geral da República esteve na corporação um dia após abrir investigação contra o delegado Felipe Leal por abuso de poder.
Leal conduzia o inquérito sobre a suposta interferência de Bolsonaro na PF e foi retirado do caso por Moraes após incluir atos de Maiurino na mira da investigação. Além disso, a presença de Aras reforçou a percepção entre os policiais de que o diretor-geral está mais preocupado com o apoio externo do que com o interno.
Além da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal, que divulgou nota em apoio a Leal, uma petição online foi criada em defesa do investigador e no início da noite da quinta (9) angariava cerca de 880 assinaturas de delegados, peritos, agentes e funcionários da PF.
Valor
“Falta de compostura” envergonha, diz Barroso
Presidente do TSE afirma que “marca Brasil” sofre neste momento uma desvalorização global
O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barroso, fez uma contundente crítica ao presidente Jair Bolsonaro. “Insulto não é argumento. Ofensa não é coragem. A incivilidade é uma derrota do espírito. A falta de compostura nos envergonha perante o mundo. A marca Brasil sofre neste momento – e é triste dizer isso – uma desvalorização global”, afirmou.
Em discurso proferido na abertura da sessão do TSE, Barroso criticou as pautas antidemocráticas propagadas por Bolsonaro nos atos do 7 de setembro e alertou que, em vários países do mundo, a corrosão da democracia não se deu por meio de golpe de Estado, mas líderes eleitos pelo voto popular. “É nesse clube que não queremos entrar.” “Somos vítima de chacota, de desprezo mundial. Um desprestígio maior do que a inflação, o desemprego, a queda de renda, a alta do dólar, a queda da bolsa, o desmatamento da Amazônia, o número de mortos pela pandemia, a fuga de cérebros e de investimentos”, afirmou.
Barroso, mais uma vez, desmentiu falas de Bolsonaro que desacreditam as urnas eletrônicas. Ele se disse cansado de ter de repetir a tarefa tantas vezes, mas ponderou ser necessário, em nome de “juízes e servidores que servem ao Brasil com patriotismo, não com retórica de palanque, e que não podem ficar indefesos diante da linguagem abusiva e da mentira”.
Parafraseando Bolsonaro, que desde a posse repete o versículo da Bíblia que diz “conhecereis a verdade e ela vos libertará”, Barroso afirmou: “O slogan para o momento brasileiro, ao contrário do propalado, parece ser: ‘Conhecerás a mentira e a mentira te aprisionará’.” Ele afirmou que a insistência de Bolsonaro em atacar o TSE é “retórica vazia” e que, “salvo os fanáticos, cegos pelo radicalismo, e os mercenários, cegos pela monetização da mentira, todas as pessoas de bem sabem que não houve fraude e quem é o farsante nessa história”.
Também afirmou que o sistema só é considerado inseguro por “quem acha que o único resultado possível é a própria vitória”. “Não podemos ser dominados pela pós-verdade e pelos fatos alternativos. A repetição da mentira não pode criar a impressão de que ela se tornou verdade. É muito triste o ponto a que chegamos. Uma das manifestações do autoritarismo é a tentativa de desacreditar o processo eleitoral – assim, em caso de derrota, pode-se alegar fraude e deslegitimar o vencedor”, destacou.
Ele lembrou o recente episódio dos Estados Unidos, em que manifestantes invadiram o Capitólio por não aceitarem a derrota do ex-presidente Donald Trump. Ao citar o “momento delicado” da democracia em outros países, como Turquia, Rússia, Venezuela e El Salvador, Barroso sugeriu que Bolsonaro contribui para que esse cenário possa vir a ser replicado no Brasil, mediante uma combinação entre atitudes populistas e extremistas. “O populismo tem lugar quando líderes carismáticos manipulam a população, prometendo soluções simples e erradas para problemas graves. Quando o fracasso bate à porta, é preciso encontrar culpados.”
O ministro acrescentou: “O populismo vive de arrumar inimigos para justificar seu fiasco. O inimigo pode ser o comunismo, a imprensa ou os tribunais. As estratégias mais conhecidas são o uso das mídias sociais para inflamar as massas, a desvalorização das instituições de mediação da vontade popular e o ataque às supremas cortes.”
Barroso ponderou que parte das novas gerações já não tem na memória os acontecimentos do período da ditadura militar e, por isso, “são presas mais fáceis dos discursos autoritários.” Sobre o extremismo, ele disse que a prática se manifesta “pela intolerância e ataque às instituições e às pessoas e pelo esforço em desqualificar quem pensa diferente”. Ele lembrou as ameaças feitas por bolsonaristas de invadir o Congresso e o STF. “Isso não ocorre porque as instituições não permitem.”
Para Barroso, quando o debate é “contaminado por discursos de ódio, teorias conspiratórias infundadas e campanhas de desinformação, a democracia é aviltada”. Ele prosseguiu: “Insulto não é argumento, ofensa não é coragem e a incivilidade é uma derrota de espírito. Não podemos permitir a destruição das instituições para encobrir o fracasso econômico, social e moral que estamos vivendo.”
O presidente do TSE também garantiu que as eleições ocorrerão normalmente no ano que vem. “Com a bênção de Deus – do Deus de verdade, do bem, do amor, do respeito – e proteção das instituições, um presidente eleito democraticamente tomará posse em 2023.” Ontem, o TSE publicou a portaria que institui a Comissão de Transparência das Eleições (CTE), que vai auxiliar o tribunal a planejar medidas e acompanhar o processo eleitoral de 2022. A equipe é composta por professores universitários, sociedade civil e representantes do Tribunal de Contas da União (TCU), da Procuradoria-Geral Eleitoral (PGE), do Congresso Nacional, da Polícia Federal e das Forças Armadas.
Folha de SP (análise)
Bolsonaro sente pressão e recua com promessa de moderação à la Talibã
Caminhoneiros e 7 de Setembro são casos clássicos do modus operandi do presidente
IGOR GIELOW
O Ocidente ensaiou respirar aliviado com as primeiras declarações de líderes do Talibã após a vitória vertiginosa do grupo extremista no Afeganistão, consumada no dia 15 de agosto. Foram promessas de moderação, governo inclusivo com rivais, abertura a mulheres antes tratadas como seres inexistentes e outras mesuras à boa mesa das democracias, de olho em aceitação internacional.
O passado tenebroso do grupo ficaria enterrado sob as bombas que haviam expulsado os mulás do poder em 2001. Mas DNA é DNA, e a prática até aqui foi a composição de um governo unitário coalhado de terroristas, decretos contra mulheres, espancamento das mesmas e de jornalistas em protestos. Fora relatos piores. É um conto cautelar, para usar o clichê da língua inglesa, que se aplica perfeitamente ao presidente Jair Bolsonaro.
Ao longo da crise que tornou-se institucional nas suas mãos, o mandatário ensaiou recuos táticos para avançar mais duas casas na jogada seguinte de seu desafio à democracia.
No melhor estilo “daqueles-que-não-podem-ser-nomeados” no debate político, torceu realidades para justificar crimes como expressões máximas do estatuto que despreza.
Assim, é pouco notável o esforço do presidente, sob apelos desesperados de seus auxiliares temerosos de ver o contracheque ser cortado, para apresentar uma quinta-feira (9) de recuos para o chocado público.
O show começou com o áudio que não convenceu muito os caminhoneiros que, movidos pelos interesses de setores retrógrados do agronegócio que enriquece, fazem o papel patético de bucha de canhão da luta de Bolsonaro contra o Supremo Tribunal Federal.
Divulgado na noite de quarta, ele precisou ser reafirmado inúmeras vezes, tão acostumada a ouvir mentiras no WhatsApp que essa turma está. Seu líder por assim filosófico, o tal de Zé Trovão, curtia um exílio voluntário no México, num exemplo acadêmico da valentia do pessoal.
No melhor estilo Bolsonaro, o presidente depois recebeu uma comitiva daqueles que ameaçam invadir o Supremo, que saiu dizendo que não havia pedido nenhum do seu inspirador. Nas estradas, contudo, a mobilização murchava de acordo com o programado.
Mesmo Bolsonaro sabe que, se saísse de controle a afetasse o abastecimento nacional como em 2018, o movimento iria colocar um peso econômico a mais no pé do cadáver de seu governo rumo ao assoalho oceânico. Ameaça retirada, mas colocada como tal, porque o futuro afinal a Deus pertence.
Hora de mover para o segundo item, as ondas de tsunami que açoitam as costas da ilha em que Bolsonaro habita desde que ele conseguiu elevar o nível de suas ameaças para o de delinquência anunciada nos discursos que fez no 7 de Setembro.
A reação institucional do Judiciário foi forte, ainda que insuficiente na prática. Do ponto de vista formal, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso foram impecáveis, mas seus discursos equivalem no mundo bolsonarista a gritar “6” após o presidente berrar “truco”. Não há consequência até que cartas cheguem à mesa.
Sobre a fala de Arthur Lira (PP-AL), o presidente do centrão, aliás, da Câmara, a dureza pontual era esvaziada a cada momento pela recusa evidente em falar no tema do impeachment —que passou a ser visto como uma ameaça real a ser usada por Brasília, ainda que de difícil execução.
Nesta quinta (9), ele já voltara ao modo “full Lira”, minimizando o golpismo presidencial. Como diz um presidente de partido do centrão, um desembarque de fato só aconteceria após a torneira de emendas orçamentárias e restos a pagar secar, mirando a campanha de 2022. Ou seja, lá para março ou abril do ano que vem.
Pode ser, mas algo muda quando um peso-pesado como Gilberto Kassab (PSD) se coloca praticamente em campanha para dizer que Bolsonaro não tem mais condições, de resto um sentimento emulado até pelos ardorosos fã da política econômica nunca implementada que habitam o universo mítico da Faria Lima.
Novamente, como no caso dos caminhoneiros, o presidente buscou então portar-se como um talibã que come com garfo e faca. Assim como ocorreu por meio de prepostos há duas semanas, apelou ao antecessor Michel Temer (MDB) para aconselhamento e estabelecimento de uma ponte mínima com sua nêmesis no Supremo, Alexandre de Moraes.
Para Temer, cortejado no sistema solar da pretensa terceira via e ainda no Planalto, foi indolor. Ele arrancou de Bolsonaro um texto com promessas vazias de moderação, mentiras descaradas sobre o que havia dito na terça e a repetição da ameaça contra Moraes, agora na forma polida de “medidas judiciais”.
A cereja foi a conversa por telefone entre Bolsonaro e o ministro, que deve ter custado uma boa dose de ansiolítico ao presidente. Protocolar, mas servirá para os Arthur Lira de Brasília e talvez algum banqueiro se agarrarem, dizendo que agora está tudo bem.
Estará até Bolsonaro bolar seu próximo ataque, o que está garantido com o tempo que ele comprou nesta quinta de quem tem motivos para querer acreditar que o Talibã é bacana com feministas.
Como já dito, não há golpe por falta de recursos, com a humilhante e tíbia nota ainda mais parcos, mas golpismo sobra no mundo do Planalto.
Valor
Bolsonaro muda tom e vê China como essencial na pandemia
Após seguidas críticas, presidente destaca em encontro do Brics uso de insumos do gigante asiático na produção de vacinas
O presidente Jair Bolsonaro mudou o tom e admitiu ontem, na abertura da 13ª cúpula do Brics, que a parceria bilateral com a China tem sido essencial para o combate à pandemia, tendo em vista o uso de insumos do gigante asiático na produção de vacinas. Em outras oportunidades, Bolsonaro afirmou que a Coronavac, desenvolvida no país asiático e produzida no Brasil pelo Instituto Butantan, é ineficaz e insegura, além de insinuar que o coronavírus pode ter sido criado em laboratório, de forma proposital, pela China.
Primeiro líder a se manifestar nesta edição da cúpula, Bolsonaro lamentou que o evento tenha sido realizado de maneira virtual e lembrou do encontro ocorrido em 2019, no seu primeiro ano de mandato, quando o Brasil foi o país-sede.
“Aquela foi, por exemplo, a última ocasião em que me reuni pessoalmente com o presidente Xi Jinping, quando discutimos temas da parceria estratégica global entre nossos dois países, bem como o bom estado de nossas relações bilaterais em diversas vertentes, mais especialmente no âmbito comercial e de investimentos”, pontuou. “Esta parceria se tem mostrado essencial para a gestão adequada da pandemia no Brasil, tendo em vista que parcela expressiva das vacinas oferecidas à população brasileira é produzida com insumos originários da China.”
O mal-estar provocado em diversas oportunidades por declarações de Bolsonaro, seus filhos e outros aliados contra a China inclusive gerou temor de boicote ao Brasil no envio do Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA), essencial para produção dos imunizantes. Os insumos oriundos da China são essenciais não só para produção das vacinas contra covid-19, mas para outros imunizantes disponibilizados pelo governo brasileiro.
Durante a reunião do grupo que reúne, além de Brasil e China, a Rússia, a Índia e a África do Sul, Bolsonaro voltou a pleitear a cooperação dos países do Brics em prol da modernização da Organização Mundial do Comércio (OMC). “Para responder aos desafios do século XXI, precisamos de sistema multilateral de comércio aberto, transparente, não discriminatório e baseado em regras mutuamente acordadas e estabelecidas”, argumentou.
Para Bolsonaro, o pacote de mudanças proposto pelo Brasil é “ambicioso, mas factível”, e inclui comércio e saúde, agricultura, pesca, subsídios, entre outros. “Ressalto que melhorar as regras sobre subsídios, tanto industriais quanto agrícolas, é fundamental para corrigir distorções e evitar uma ‘competição predatória’”, acrescentou.
O presidente ainda defendeu ser urgente avançar nas discussões sobre a reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas, “de modo a ampliar sua composição nas duas categorias de membros e a garantir maior representatividade do mundo em desenvolvimento”.
Alvo de cobranças de líderes mundiais por demonstrações práticas de preservação do meio ambiente, Bolsonaro também prometeu compromisso com o desenvolvimento sustentável. “A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável constitui referência central para alcançarmos esses propósitos, tendo sempre por premissas a soberania de cada país e suas respectivas prioridades nacionais”, finalizou.
Valor
DEM deve se fundir com PSL e abrir mão do comando
Frustrada a negociação com o PP, o PSL caminha para formalizar a fusão com o DEM ainda neste mês. Com quase 90 deputados, a nova legenda será titular da maior fatia dos fundos partidário e eleitoral nas eleições de 2022 e estreia com três pré-candidatos à Presidência da República: o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta e o apresentador de televisão José Luiz Datena, que trocou o MDB pelo PSL. Se ninguém recuar da articulação, o anúncio da nova legenda está programado para 21 de setembro.
Os caciques do novo partido entram em campo para disputar com o PSD de Gilberto Kassab os passes de Rodrigo Pacheco e do ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin, que deixará o PSDB. A nova sigla terá perfil conservador, de direita, será liberal na economia, mas com um olhar atento às questões sociais, e caminhará com o postulante da terceira via à sucessão presidencial. Nascerá com uma bancada de pelo menos 88 deputados – o PSL tem 55, e o DEM tem 33.
A fusão não abre janela para o ingresso de novos deputados, mas, em contrapartida, autoriza a saída dos parlamentares sem a perda do mandato. Há o receio de que alguns bolsonaristas-raiz, como o ministro Onyx Lorenzoni (RS), que é deputado licenciado pelo DEM, deixem o partido.
Somados, os fundos partidários das duas legendas totalizaram cerca de R$ 158 milhões no ano passado, sendo R$ 111,6 milhões (recursos orçamentários e multas eleitorais) da cota do PSL. A esse valor, seria acrescentado o montante do fundo eleitoral, que também é distribuído conforme o tamanho das bancadas. Uma das premissas do novo partido é o veto à eventual filiação do presidente Jair Bolsonaro.
O nome ainda está em discussão – não se descarta a manutenção do Partido Social Liberal (PSL), mas o 17 será substituído, porque o número é associado ao bolsonarismo. Uma possibilidade é manter o número do DEM: 25. Pelo desenho esboçado até agora, o deputado Luciano Bivar (PE), presidente do PSL, presidirá o novo partido. E ACM Neto, que comanda o DEM, seria o secretário-geral da legenda. O nome cotado para liderar a nova bancada na Câmara é Elmar Nascimento, ex-líder do DEM, e um dos principais aliados de ACM Neto. Nascimento vai assegurar um palanque de fôlego para Neto enfrentar o PT de Luiz Inácio Lula da Silva na disputa pelo governo baiano.
O presidente do DEM e ex-prefeito de Salvador, ACM Neto, age nos bastidores para barrar novas dissidências na sigla. Perdeu recentemente o vice-governador de São Paulo Rodrigo Garcia, que migrou para o PSDB. Agora Neto tenta impedir que Pacheco se filie ao PSD, ao mesmo tempo em que tenta atrair Alckmin para a nova sigla. A fundação do PSD em 2011 deixou cicatrizes na relação com o DEM, porque Kassab levou boa parte da bancada para sua nova sigla.
O namoro de PSL e DEM começou na ruptura com Bolsonaro, quando o deputado Rodrigo Maia (sem partido-RJ), era presidente da Câmara e não havia se desentendido com ACM Neto. O sinal evidente do avanço da fusão foi dado no dia 7 de setembro, quando as duas siglas assinaram juntas uma nota de repúdio às declarações em tom golpista de Bolsonaro.
DEM e PSL cobraram um “basta nas tensões políticas”, respeito à democracia e exortaram: “Coloquemos as mãos à obra”. O vice-presidente do PSL, deputado Júnior Bozella (SP), diz que as conversas entre as duas siglas estão avançadas. Ele explica que no caso do PSL, o objetivo da fusão é viabilizar o projeto de país que o partido buscou ao abrigar Bolsonaro, mas que depois fracassou. “Essa fusão dá a possibilidade de ampliarmos a capilaridade da sigla e permite uma discussão mais prudente, mais serena, para colocarmos em execução esse projeto de país que o PSL achou que seria possível concretizar em 2018”, diz o dirigente do PSL.
Até meados de agosto, o PSL também negociava a possível fusão com o PP, do ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira. O PP tinha entusiasmo com a articulação: o partido nasceria com 100 deputados e seria o carro-chefe do Centrão. No entanto, os dois partidos não se entenderam na disputa por espaços na eventual fusão. Segundo aliados de Nogueira, que acompanharam de perto as discussões da fusão, o PSL recuou porque teria “ficado com medo de ser engolido pelo Progressistas”.
O novo partido resultante da fusão do DEM com o PSL estreia com quatro governadores: Ronaldo Caiado (DEM), de Goiás; Mauro Mendes (DEM), de Mato Grosso; Coronel Marcos Rocha (PSL), de Rondônia, muito alinhado a Bolsonaro, e Mauro Carlesse (PSL), do Tocantins.
Ambas as siglas articulam palanques de fôlego para as sucessões estaduais, que podem recepcionar um eventual presidenciável da terceira via. Caiado e Mauro Mendes são fortes candidatos à reeleição. Em Alagoas, está em curso uma articulação de ACM Neto com o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), para formar uma chapa de oposição competitiva para enfrentar o grupo do senador Renan Calheiros (MDB-AL).
Na Bahia, ACM Neto enfrentará o ex-governador Jaques Wagner, do PT, tendo o PDT de Ciro Gomes como aliado. No Amazonas, o candidato do DEM é o ex-governador Amazonino Mendes. Em Santa Catarina, o postulante ao governo é o bem avaliado prefeito de Florianópolis, Gean Loureiro, também do DEM. Em Rondônia, as siglas terão que chegar a um acordo, porque o governador é do PSL. E o DEM quer lançar o nome do senador Marcos Rogério, expoente da tropa de choque governista na CPI da Covid, que lidera as pesquisas locais.
Valor
Relator do marco temporal, Edson Fachin vota contra a tese
Ministro nega que votação do caso Raposa Serra do Sol sirva como precedente para demais questões sobre demarcação de terras
O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou ontem contra o estabelecimento de um marco temporal para a demarcação de terras indígenas. A tese, que prevê que os povos originários só podem reivindicar territórios que já estavam ocupados por eles até a data da promulgação da Constituição, é defendida por ruralistas. Fachin é o relator da ação sobre a comunidade Xokleng, que terá repercussão geral. Após ele se manifestar, o ministro Kassio Nunes Marques iniciou a leitura de seu voto, mas não concluiu. Antes de entrar no mérito, solicitou ao presidente da corte, Luiz Fux, a suspensão da sessão e apontou que termina de votar na quarta-feira.
A expectativa é que haja um pedido de vista. Se o julgamento não for paralisado, a previsão é de placar apertado, com chance de rejeição do marco temporal. Ruralistas e representantes do governo têm pressionado para que essa questão seja definida pelo Congresso – onde tramita um projeto sobre o tema. O julgamento sobre o marco temporal começou no dia 26 de agosto. A sessão de ontem foi a quinta destinada a julgar o caso.
Na semana passada, foram ouvidas 39 sustentações orais. No voto, Fachin fez dura defesa dos direitos dos povos indígenas. Afirmou que “a proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal em 5 de outubro de 1988, porquanto não há fundamento no estabelecimento de qualquer marco temporal”.
Também rebateu o discurso de que a medida vai trazer segurança jurídica para os proprietários de terras que são impactados com processos demarcatórios. “Não há segurança jurídica maior que cumprir a Constituição”, disse. “Não se desconsidera a complexidade da situação fundiária brasileira, menos ainda se desconhece a ampla gama de dificuldades dos produtores rurais de boa-fé. No entanto, segurança jurídica não pode significar descumprir as normas constitucionais, em especial aquelas que asseguram direitos fundamentais”.
Fachin defendeu que o STF não firmou precedente durante o julgamento sobre a terra indígena Raposa Serra do Sol, em 2009. E que, se esse fosse o caso, “sobejariam razões para que a corte reavaliasse” a questão. Para o ministro, a decisão sobre aquele caso não deveria impactar automaticamente as demais demarcações de áreas. “Dizer que Raposa Terra do Sol é um precedente para toda a questão indígena é inviabilizar as demais etnias indígenas. É dizer que a solução dada para os Macuxi é a mesma dada para Guaranis.
Para os Xokleng, seria a mesma para os Pataxó. Só faz essa ordem de compreensão, com todo o respeito, quem chama todos de ‘índios’, esquecendo das mais de 270 línguas que formam a cultura brasileira. E somente quem parifica [considera igual] os diferentes e as distintas etnias pode dizer que a solução tem que ser a mesma sempre. Quem não vê a diferença não promove a igualdade”, disse.
Folha de SP
Covid-19 atinge mais de mil alunos no primeiro mês de volta às aulas em SP
Segundo o estado, 708 funcionários e terceirizados também são “casos prováveis” de contaminação
As escolas estaduais de São Paulo registraram 1.748 de casos prováveis de coronavírus no sistema educacional, entre os dias 2 e 31 de agosto. Desse total, 1.040 são de supostos contágios de alunos no período. A gestão João Doria (PSDB) deixou de contar os casos confirmados de Covid-19 na rede estadual de ensino e considera como “casos prováveis” de infecção.
O estado aponta 651 funcionários e mais 57 trabalhadores terceirizados como prováveis contaminados, segundo dados da Sistema de Informação e Monitoramento da Educação para a Covid-19 (Simed) criado pela Secretaria de Estado da Educação de São Paulo.
No total, foram 4.519 notificações de novos casos de Covid-19 no estado, sendo que 1.541 foram descartados; 69 foram considerados inconclusivos; e outros 1.161 ainda estão em investigação.
O estado possui 3,5 milhões de alunos apenas na rede estadual. Questionada, a prefeitura de São Paulo não divulgou o número de casos de nas escolas municipais. Em nota, disse apenas que a Secretaria Municipal de Educação segue as recomendações das autoridades de Saúde. Na capital, estão matriculados 1.480.257 de alunos. Cerca de 675.9 mil estudantes estão na rede municipal, 565.8 mil, na estadual e 238,4 mil na rede privada.
Também em nota, a secretaria estadual disse que que as informações das escolas estaduais são apenas notificações e que a classificação final sobre um determinado caso cabe à Saúde. A pasta disse ainda que o retorno presencial para as escolas está ocorrendo desde setembro do ano passado e que a decisão para essa retomada está embasada em experiências internacionais e em pesquisas que evidenciam que, seguindo os protocolos sanitários, é possível ter aulas presenciais com segurança.
Ainda de acordo com a nota, a a pasta disse que as escolas estaduais já receberam R$ 25 milhões em verba do Programa Dinheiro Direto na Escola para aquisição dos itens de proteção como máscaras.
O médico infectologista da Beneficência Portuguesa de São Paulo João Prats disse que não vê problemas em voltar com as aulas presenciais tanto nos ensinos fundamental e médio, como em creches. “Realmente pode ter risco de novos casos, mas é bem pequeno”, ressaltou.
Segundo Prats, crianças e adolescentes dificilmente pegam Covid e quando acontece geralmente é de casos leves, a não ser que já tenham alguma comorbidade. “No entanto, caso sejam infectadas, elas podem não desenvolver a forma grave, mas podem passar o vírus para os pais e avós”, lembrou.
Para evitar contágios, Prats disse que o melhor a fazer e manter o controle e os protocolos rígidos. Ele sugeriu também que se faça triagem para identificar alguém com problema e testes rápidos em suspeitos de contaminação. “É importante também que os pais sejam os primeiros a identificar se há problemas com a criança e em caso de dúvida não mandar para escola”, enfatizou
Outra medida para evitar novos contágios é criar cuidados específicos nas aulas, com grupos pequenos no momento de recreação e de alimentação. “A volta às aulas não é um problema, mas tem de redobrar a atenção para qualquer faixa etária”, disse. “Agora é o momento de identificar rápido quem está doente, isolar e cuidar”, finalizou.
Folha de SP
Periferia de SP teme que reabertura sem controle leve a nova onda de Covid
Região foi a que teve mais mortes causadas pela doença na cidade
Toda vez que o produtor cultural Lenon Farias, 24, encontra algum morador do Jardim São Luís, na periferia da zona sul de São Paulo, ele ouve sempre a mesma pergunta: “e aí, quando vão voltar as coisas?” As coisas, no caso, são as atividades do Bloco do Beco, um espaço cultural que está praticamente de portas fechadas desde o início da pandemia de Covid-19 —só abriu algumas vezes para distribuir cestas básicas. “Ninguém pergunta se a gente está bem, ninguém pergunta se precisa de alguma coisa, só quando vai abrir”, relata o produtor.
A decisão de manter o local fechado mesmo após o governo do estado retirar a maioria das restrições faz do bloco uma exceção na cidade, onde tem imperado um clima de “abre geral”, mesmo com os riscos da variante delta. “No primeiro fim de semana de reabertura [dias 21 e 22 de agosto] as ruas estavam lotadas, muita gente na rua, nos restaurantes, nos comércios. Porém não foi tão diferente do que já vinha sendo”, conta o produtor.
Segundo as regras estabelecidas pela gestão de João Doria (PSDB), o novo plano permite que estabelecimentos comerciais, como bares e restaurantes, funcionem em seus horários normais e com 100% da capacidade.
Lenon, por sua vez, decidiu esperar para reabrir o espaço no Jardim Ibirapuera (também na periferia da zona sul), exatamente por temer a disseminação do coronavírus. Com isso, as atividades oferecidas no local —que incluem oficinas para crianças do bairro, aulas de percussão e apresentação no Carnaval— seguem apenas online.
A volta ainda não tem data para acontecer, mas a previsão do produtor é que ela comece ainda em setembro. “A nossa reabertura vai ser gradual, com regras, medidas de segurança e saúde. Acho que dessa maneira a gente consegue explicitar para as pessoas que a gente não liberou geral, as coisas não voltaram ainda ao normal, mesmo que seja só questão de tempo”, diz.
Além de Lenon, outras lideranças da periferia de São Paulo também relatam que as regras de restrições impostas pelo poder público durante a pandemia foram ignoradas em diversas regiões da capital —e que, com a reabertura, a situação pode sair ainda mais do controle.
No Itaim Paulista, zona leste da capital, o assessor de comunicação Cesar Vieira, 38, reforça a sensação de relaxamento. Ele conta que um bar próximo à sua casa promoveu uma festa de aniversário no domingo (22): “Chuto que havia entre 50 e 70 pessoas num lugar que cabem no máximo 10, a galera foi para a rua mesmo”.
Essa sensação de “liberou geral” é a principal preocupação de Gilson Rodrigues, líder comunitário em Paraisópolis, a segunda maior favela da capital “A maioria das comunidades não seguiram 100% dos fechamentos que foram impostos”, avalia. “As pessoas tinham que sobreviver e acabaram não tendo opção, porque faltou política pública de apoio ao comércio local, o auxílio emergencial ficou muito baixo, a inflação aumentou. As pessoas tiveram que escolher se mantinham seus comércios funcionando, seu trabalho ou se comiam”.
No caso específico de Paraisópolis, há ainda um agravante. Muitos moradores de outros bairros vão até a comunidade para participar de festas e bailes funk, afirma o líder comunitário. No último sábado (28), por exemplo, as ruas do centro da favela ficaram lotadas de motos e carros. Durante o dia, lojas e outros estabelecimentos comerciais ficaram cheios de gente e, à noite, a cena se repetiu em bares e casas de show.
Apesar disso, o receio com a variante delta segue sendo visto com preocupação na periferia, onde estão os bairros que mais tiveram mortes por Covid na cidade. São os casos, por exemplo, de Sapopemba (na zona leste), Grajaú, Cidade Ademar (ambas na zona sul) e Brasilândia (zona norte) —cada um deles teve mais de mil óbitos da doença, incluindo casos confirmados e suspeitos.
Assim, o receio é que uma reabertura sem controle, aliada à chegada da delta, leve a uma nova onda de casos, que pode afetar de maneira mais dura a periferia. A isso, se soma ainda a inflação em alta e a perda de renda dos moradores durante a pandemia. “A gente sabe que o que está sendo feito [a reabertura] é pensando na situação financeira das pessoas”, avalia Antônia Cleide, da UNAS (União de Núcleos, Associações dos Moradores de Heliópolis e Região). “O bom é essa situação da vacina, isso tem sido muito importante, tem nos trazido muita esperança, mas essa nova variante nos preocupa muito”.
Além do comércio aberto, Antônia aponta também a dificuldade para fazer as pessoas da comunidade continuarem usando máscaras nas ruas. Ela relata que já chegou a ver “quase 100% de uso de máscara” na região, mas que esse comportamento foi se perdendo nos últimos meses.
Para ela, outro problema que tem aumentado é a diminuição do uso de máscaras nas ruas. “Nós fazemos ações de entrega das cestas e as pessoas vêm sem máscara. A gente tem feito campanha, colocado faixa [nas ruas], mas tem que reforçar. Estamos indo para um ano e meio de pandemia, tem essa coisa de cansaço também nas pessoas. E o governo federal tem um papel muito mesquinho, contribui para essa falta de prevenção”, diz Antonia.