Clipping 11 de junho de 2021

Manchetes

América do Sul falha em domar Covid e se opõe a recuo global (Folha)

CPI mira gabinete paralelo e quebra sigilo de ex-ministros (Estadão)

Com só 11% vacinados, Bolsonaro quer dispensar uso de máscara (O Globo)

Alta da inflação e PIB reduzem previsões para a dívida bruta (Valor)


Valor

Fiat terá somente elétricos em2030

Fiat vai vender só carros elétricos a partir de 2030, mas filial brasileira não comenta os planos

A Fiat anunciou na semana passada que venderá apenas carros 100% elétricos a partir de 2030. A revelação foi feita por Oliver François, CEO da Fiat e diretor de marketing na Stellantis, em um debate sobre o Dia Mundial do Meio Ambiente, em Milão (Itália). Junto com o arquiteto Stefan Boeri, novo parceiro da marca italiana, o executivo debatia sobre mobilidade sustentável nas cidades. O processo de transição vai ocorrer de forma gradual.

Os carros da fabricante com motores a gasolina e a diesel serão substituídos aos poucos por veículos elétricos, segundo François. Não serão feitos mais carros a combustão convencionais até 2025, modelos que serão substituídos por híbridos. Os automóveis puramente elétricos entram na segunda fase. Contudo, no Brasil, a montadora ainda não comenta a decisão.

“Não recebemos, até o momento, nenhuma diretriz neste sentido”, disse a assessoria da marca no país. Automóveis com propulsores elétricos são mais caros do que aqueles com motores a combustão, mas a mudança radical ao menos promete não ser um fator que tenha grande impacto no bolso dos consumidores. “É nosso dever colocar no mercado carros elétricos que não custem mais do que veículos com motor de combustão interna. Estamos explorando o território da mobilidade sustentável para todos. Este é o nosso maior projeto”, afirmou Fraçois.

A marca italiana terá que fazer muitas mudanças na linha de produtos, já que o único modelo elétrico da montadora é a terceira geração do Fiat 500. Ela estreou na Europa custando a partir de 34.900 euros (cerca de R$ 215 mil no câmbio atual). E será vendida no Brasil.

O veículo, que deverá chegar ainda neste ano ao Brasil, também estreou uma versão de três portas, a 500 Trepúnio ou 3+1. O modelo conta com um pacote de baterias de íons de lítio de 42 kWh e tem autonomia de 320 km. Além disso, o motor elétrico de 117 cv o leva o carro de zero a 100 km/h em 9 segundos. A velocidade máxima é de 150 km/h. A Fiat também tem planos para uma versão elétrica do Fiat Panda. O carro pode ser o primeiro SUV compacto elétrico da montadora, devendo chegar ao mercado até 2023. A produção será na Polônia.

No evento, François também confirmou que a Fiat vai converter a famosa pista de testes montada no telhado de sua antiga fábrica, em Turin (Itália), em um grande jardim suspenso. A fábrica hoje é um shopping e a pista histórica foi preservada como ícone cultural.

Valor

Abimaq organiza pool para importar aço

Fabricantes de bens de capital dizem que ainda há dificuldade de compra do material no país e que as siderúrgicas estão com preços exorbitantes

Empresas fabricantes de máquinas, equipamentos e outros bens de capital do país, por meio da sua entidade setorial Abimaq, vão se reunir na próxima segunda-feira para discutir um programa de importação de aço, de forma a garantir a regularização do abastecimento da matéria-prima. A avaliação é que o desarranjo que ocorreu no fornecimento da cadeia produtiva de insumos e materiais no país não vai se ajustar tão cedo – há empresa do setor que prevê dificuldades para conseguir material, com regularidade de entrega, até o final do ano.

Além desse problema que alegam, os fabricantes dizem que os preços praticados pela siderúrgicas e distribuidores locais estão bem mais elevados que o material importado, principalmente na rede varejista – que vende o material em lotes menores e até com serviços, como corte. O objetivo é importar uma parcela do que se consome e, assim, completar o volume que é adquirido no Brasil. Segundo informações de fabricantes, que pediram anonimato, além do tempo mais longo de entrega, aqui as usinas siderúrgicas e distribuidores, muitas vezes, só entregam metade ou até 70% do volume pedido.

Segundo a Abimaq, que tem 1,6 mil associados, foram convidadas empresas das 41 câmaras setoriais da entidade. Quatro delas já se reuniram no fim de maio com importadores para indicar volumes de pedidos. Elas são ligadas ao agronegócio (fabricação de implementos e máquinas agrícolas, silos para armazenagem e equipamentos de irrigação.

O propósito da reunião de segunda-feira é formar um pool de empresas que consiga montar um volume grande de compra. As empresas estão ciente que um pedido, colocado agora, vai demorar de quatro a cinco meses até receber o produto importado. Boa parte do material importado vem da China, além de outras fontes.

O setor consome diversos tipos de aço: laminados (chapas grossas, bobinas a quente e a frio, galvanizados, aços especiais, inox, fundido e forjado). Do volume de aço consumido no país, a fabricação de bens de capital (máquina, equipamento e implemento agrícola) responde por 20,5%. O consumo nacional total foi de 21,5 milhões de toneladas em 2020. “O preço do aço no Brasil está quase proibitivo e as entregas ainda não se normalizaram. Há dificuldade em se conseguir chapa galvanizada para montagem de silos”, diz José Velloso, presidente executivo da Abimaq. “As siderúrgicas e os distribuidores de aço estão esfolando os clientes com as seguidas altas de preços”.

Marco Polo de Mello Lopes, presidente do Instituto Aço Brasil, que reúne as siderúrgicas no país, disse que a situação vem se normalizando, porque isso foi, e continua, um problema mundial. E afirmou que as usinas não trabalham com estoques, mas com programação de pedidos. Sobre o “lead time” – tempo da colocação do pedido ao recebimento -, afirmou que houve mesmo dilatação devido ao desequilíbrio ocorrido no fornecimento da cadeia produtiva, mas que já está normalizado.

“A importação é uma opção comercial, tanto que entrou mais de 1 milhão de toneladas no país de janeiro a abril”, diz. Segundo ele, o pessoal da Abimaq pode fazer pool para importar, se é uma opção melhor, mas pode também fazer pool para comprar nas usinas brasileiras. Um distribuidor informou ao Valor que o desarranjo está aos poucos se normalizado – as usinas estão com entregas fortes e a importação cresceu em maio.

Velloso diz que há condição de se importar a preço competitivo, com pacote completo (frete, prazo de pagamento, hedge cambial). Sobre os preços, um fabricante disse que, de março do ano passado até maio, sua empresa contabilizou aumento de 140%. Diz que no Brasil subiu mais do que lá fora e que não há previsão de baixar. Outro reclama que muitas usinas deixam de cumprir os pedidos e que isso se agravou a partir de novembro. Acrescenta que a indústria de médio porte ficou muito vulnerável para atender seus clientes.

Folha de SP

Na contramão do mundo, América do Sul vive há meses disparada de casos de Covid

Taxa de novos casos é 5 vezes a da Europa, e imunização avança lentamente

Diferentemente do restante do mundo, que vê a disseminação do coronavírus desacelerar, a América do Sul passa por uma explosão de casos de Covid-19 e é há meses o epicentro da pandemia. Mesmo com o já conhecido problema de baixa testagem —ou seja, os dados provavelmente estão subestimados— o continente sul-americano tem hoje uma média de 328 novos casos diários a cada milhão de habitantes. O número é mais de cinco vezes o da Europa, com média móvel de 60 novos diagnósticos no domingo (6).

Nas últimas seis semanas, a Organização Mundial da Saúde vem registrando queda global no número de casos, mas na América do Sul o movimento ainda é de crescimento. A tendência é semelhante se analisado o volume de óbitos pelo vírus.

O Brasil contribui para a situação negativa do continente, por estar estagnado em um patamar alto de novos casos, de 292 contaminados por milhão de pessoas (387% mais que Europa e 563% mais que EUA).

Para epidemiologistas, uma combinação de fatores explica o quadro sul-americano. A variante de Manaus, detectada no fim do ano passado, encontrou países com grande população pobre, com déficit de infraestrutura em saúde, moradia e assistência social e com dificuldade para se tratar e fazer isolamento. Além disso, a região está com dificuldades em adquirir vacinas.

Na Europa, a tendência é de queda acentuada de casos desde abril, enquanto na América do Sul os números vêm crescendo desde fevereiro, com breves episódios de diminuição. Mesmo a Índia, que passou por situação de calamidade no início do mês passado, parece ter conseguido amenizar a disparada da Covid (média móvel de 89 casos por milhão no domingo, contra 283 em 9 de maio).

Especialistas ressaltam, contudo, que o país tem falhas graves no sistema de vigilância epidemiológica e que os dados devem ser analisados com ressalvas –mesmo problema enfrentado pelas nações da África. Na Oceania, onde a pandemia foi bem controlada desde o princípio, há 3 novos casos a cada milhão de pessoas. Para efeito de comparação, o Reino Unido, que em janeiro viveu seu momento mais dramático na pandemia, chegou a uma média diária de 881 casos a cada milhão de britânicos (hoje, são 69 por milhão). Nos EUA, o pico, também no início do ano, foi de 742 a cada milhão, ante 44 agora.

Hoje, a média de casos no Uruguai é de quase 1.000 a cada 1 milhão de pessoas. Na Argentina, o índice é de 638 por milhão, mas o país tem sido criticado pelo baixo nível de testagem —é possível que o número real de infectados seja maior.

O Brasil, por sua vez, teve pico em março (364 novos casos por milhão) e hoje registra média de 292 a cada milhão de brasileiros. Por aqui também há falta de testes e política insuficiente de rastreamento de contágio e testagem em massa, tidos como fatores importantes no combate à Covid.

A América do Sul também é atualmente campeã em novas mortes pela doença. Com percentuais ainda baixos de vacinação e problemas estruturais que dificultam o enfrentamento ao coronavírus, o continente passa por seu pior período na pandemia.

No Brasil, há queda de óbitos, mas o patamar ainda é alto. A média atual é de 8 mortes por milhão de habitantes, 48% mais que o pico de 2020. Já Uruguai, Paraguai, Argentina e Colômbia vivem um momento de escalada de mortes e ocupam o topo do ranking mundial, quando considerados os países com mais de 3 milhões de habitantes. As taxas ficam entre 17 e 11 a cada milhão, enquanto a média da América do Sul é de 8 novas mortes por milhão.

Epidemiologista e pesquisador da Fiocruz, Diego Xavier diz que a pandemia cobrou a conta da precariedade dos serviços públicos não só na saúde mas no transporte, na habitação e na assistência aos mais pobres —características comuns aos países sul-americanos.

A desigualdade e a pobreza, afirma, impedem que muitas pessoas possam cumprir adequadamente as medidas de isolamento social, sendo obrigadas a se arriscar e sair para trabalhar. Muitos países também não têm condições econômicas de fornecer por períodos prolongados auxílio para que os trabalhadores fiquem em casa, como aconteceu em parte da Europa.

O transporte público lotado e as moradias precárias facilitam o contágio e tornam difícil o isolamento de doentes. “Em todos os locais em que há déficit de serviço público, a doença se aproveita e persiste. Como podemos isolar um doente que mora na favela, por exemplo? Não tem como. Todas essas desigualdades históricas e estruturais na América do Sul explicam esse quadro triste”, diz Xavier.

Outro ponto importante no cenário atual são as variantes de preocupação, caso da gama, ou P.1, conhecida como variante de Manaus e mais transmissível. Estudo no Uruguai detectou a variante em 89% das amostras analisadas. Ela também já foi identificada na Argentina, Peru, Paraguai e Colômbia.

É difícil saber ao certo a extensão do contágio pela variante gama, contudo. O sequenciamento das amostras não é uma prática muito comum nos países sul-americanos. “O Brasil é um local de criação de variantes. A gente tem a doença descontrolada e existe grande possibilidade de exportação de variantes. No meio dessa confusão toda, resolveram fazer uma Copa América. É falta de bom senso”, diz Xavier, em referência à decisão do governo brasileiro de atender o pedido da Conmebol e sediar o torneio, após desistência da Argentina e da Colômbia em razão do agravamento da pandemia.

Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, o doutor em epidemiologia Paulo Petry afirma que a variante pode ser em parte responsável pela escalada da doença nos países vizinhos. Ele alerta que falta controle mais intenso das fronteiras e testagem massiva de quem circula na região.

Embora os voos e o turismo internacional estejam suspensos na maioria dos países, as fronteiras comerciais permanecem abertas. Além disso, a entrada de residentes vindos do exterior é permitida, muitas vezes sem exigência de quarentena e sem testagem adequada.

“É preciso reconhecer que é muito difícil estabelecer barreiras sanitárias, mas a coisa saiu de controle. Aqui no Rio Grande do Sul temos, nas fronteiras terrestres com Uruguai e Argentina, passagem intensa de caminhões. Essas pessoas deveriam estar sendo testadas frequentemente. Existe uma questão comercial, mas na América do Sul em geral nós nunca fizemos bloqueio de circulação como fizeram na Europa, com grande rigor. Sempre foi mais ou menos”, diz Petry.

Os pesquisadores também chamam atenção para a lentidão com que a campanha de vacinação tem caminhado na América do Sul, onde os imunizantes ainda são escassos. Há duas exceções: Chile e Uruguai. No primeiro, que largou bem à frente do Brasil na corrida por vacinas, 60% da população já recebeu ao menos uma dose, e foi possível frear a disparada de mortes que se observou nos países vizinhos —a vacina é bastante eficaz contra óbitos e internações, mas não previne o contágio com a mesma eficiência.

Em fevereiro, houve afrouxamento de medidas de isolamento social, e os casos bateram recordes em abril. O número de mortes, contudo, está razoavelmente estável e em patamar muito menor do que no pico da pandemia (média de 6 mortos por milhão agora, ante 13 em junho de 2020).

Já o Uruguai ainda não conseguiu colher os frutos da imunização. Apesar de ter distribuído a primeira dose a 58% dos cidadãos, a campanha só começou em março e não priorizou inicialmente os idosos, grupo de risco para a Covid e parcela representativa da população.

Espera-se, porém, que a vacinação em breve ajude a reduzir o número atual de mortes, cenário ainda distante para os demais países sul-americanos.

Brasil e Argentina, por exemplo, aplicaram a primeira dose em menos de um quarto de seus habitantes. No Peru, no Equador e na Bolívia, a vacinação não conseguiu atingir nem 15% dos cidadãos. “Ninguém queria nem esperava que a pandemia durasse tanto tempo, mas já que está aí temos que tomar medidas mais efetivas e bloquear a circulação do vírus enquanto esperamos mais vacinas”, afirma Petry.

Folha de SP (artigo)

Lula e FHC: alguém está sendo enganado

Aproximação transforma o PT em penduricalho na luta contra Bolsonaro

RICARDO MELO

Jornalista e apresentador do programa ‘Contraponto’ na rádio Trianon de São Paulo (AM 740), foi presidente da EBC (Empresa Brasil de Comunicação).

​Num país em que a imprevisibilidade domina o presente e o futuro, algumas certezas são líquidas e certas. A maior delas, goste-se ou não: o ex-presidente Lula é a única liderança nacional que dialoga com os anseios do povo pobre e tem compromissos com a democracia, mesmo cambaleante, vigente no Brasil.

Lula foi submetido, ao longo destes anos, a um escrutínio judicial, popular e institucional jamais imposto a nenhum outro político. Chegou a ser humilhado com uma prisão infame graças à ação da Lava Jato/FBI. Uma aliança espúria garantiu que ele ficasse fora de eleições que ganharia.

Lula nunca militou na esquerda “tradicional”. Suas raízes estão no sindicalismo pelego de Paulo Vidal no sindicato dos metalúrgicos do ABC. Acabou empurrado para o front contra a ditadura e aceitou o papel.

Sua origem de classe social falou mais alto. Mesmo assim, jamais foi afeito a “programas de esquerda” ou alternativas revolucionárias, embora o PT tenha sido fundado sobre bases de ruptura com a ordem vigente.

FHC foi transformado em político pinçado das lides acadêmicas. Inclusive com o apoio de Lula, como ilustra sua campanha de 1978 para senador. Sempre trafegou pelo grand monde e a classe média alta. Sua turma: intelectuais estranhos ao chão de fábrica, menos na hora de escrever teses de mestrado.

Manteve-se, e se mantém, fiel às origens. Os dois governos de FHC significaram um paraíso de benesses ao grande capital. Privatizações facilitadas a rodo, esbulho da soberani a nacional (PetrobraX…) e estelionatos eleitorais.

Ninguém pode apagar a roubalheira que cercou a emenda da reeleição, denunciada em primeira mão por esta própria Folha e nunca desmentida, tampouco a desvalorização abrupta do câmbio após conquistar outro mandato.

O PSDB, moradia de FHC, apoiou o impeachment de Dilma Rousseff, aliou-se a Michel Temer e ajudou a eleger Jair Bolsonaro. Deu seu aval à prisão de Lula e é cúmplice do desastre ao que foi lançado o país.

Fale-se o que quiser, a rasgação de seda entre Lula e FHC, com direito a fotos, almoços e manifestos conjuntos só pode, como aconteceu, espantar a gente humilde e os democratas sinceros.

O legado das gestões petistas continua na memória da maioria do povo. Não por acaso durante os 580 dias de prisão de Lula havia um acampamento ao lado da Polícia Federal no Paraná simbolizando a esperança da volta a dias melhores.

A julgar pelas notícias recentes, a suavidade com FHC parece ser a ponta do iceberg de uma política que abre mão de princípios sociais em busca de resultados eleitorais. O PT está interessado em palanques competitivos. Vale tudo.

Errar é humano; errar duas vezes é burrice ou determinação. O impeachment de Dilma começou a ser gestado desde que Lula foi eleito em 2002. A ilusão de que capital e trabalho possam conviver em harmonia desabou em 2016. Lula apostou na fórmula quando assumiu o Planalto. Deu a Dilma que deu.

Até um cego é capaz de ver que a aproximação de FHC com Lula agora é uma tentativa desesperada de aprisionar a maior liderança nacional para os objetivos do grande capital: sedimentar e aumentar a desigualdade social, dissolver a soberania local e retroceder o Brasil à condição de país colonial exportador de matéria-prima.

Iniciativas contra o neofascismo bolsonarista sempre serão bem-vindas. Aí cabe avaliar alianças mesmo com diabos como FHC. Mas se o diabo é contra o impeachment de seu enviado Bolsonaro que promove mais de 2.000 mortes diárias, corrói diariamente os resquícios de democracia e devasta o país em todos os sentidos, é sempre bom observar o currículo dos aliados. O povo tem memória.

Jornalista e apresentador do programa ‘Contraponto’ na rádio Trianon de São Paulo (AM 740), foi presidente da EBC (Empresa Brasil de Comunicação).

Valor

Lula apoia Freixo mas PT admite aval a palanque de Paes

Ex-presidente se encontrou ontem com cerca de 40 dirigentes e parlamentares do PT, PSB, PCdoB e Psol, em hotel no Rio, com vistas a aliança para sua candidatura ao Planalto em 2022

Num encontro de mais de três horas de duração com dirigentes e parlamentares do PT e da esquerda fluminense, no primeiro dos três dias de sua visita ao Rio, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pavimentou ontem as bases da candidatura a governador do deputado federal Marcelo Freixo (Psol-RJ), no movimento de construção de seu palanque estadual para 2022.

A visita de Lula ocorre em paralelo aos últimos capítulos da novela que se tornou a saída de Freixo do Psol para o PSB, onde a candidatura do parlamentar é vista como mais competitiva. É de interesse tanto de Lula quanto de Freixo conquistar o eleitor de centro e atrair o grupo político do prefeito Eduardo Paes (PSD) numa aliança que é vetada pelo Psol.

O anúncio da filiação do deputado ao PSB era aguardado para hoje. Ao sair da reunião, porém, Freixo disse que não, mas “espera que seja logo”, e informou que estava indo para uma reunião com o atual partido. O parlamentar afirmou que o Psol estará em sua aliança. No encontro, no hotel da zona sul carioca onde está hospedado, Lula conversou com Freixo; os deputados federais Jandira Feghali (PCdoB) e Alessandro Molon; presidente regional do PSB; o deputado estadual e ex-ministro Carlos Minc (PSB), e mais de 30 petistas. Um dos presentes relatou que o ex-presidente tratou mais do cenário nacional, disse que “vai ser uma eleição dura e que será preciso ser generoso”.

Lula defendeu uma frente ampla. Na saída, no entanto, a presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, reconheceu que Lula poderá ter no Rio dois palanques estaduais. Paes defende a candidatura a governador do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, que deve se filiar ao PSD do prefeito.

“É possível. Temos uma eleição em dois turnos. Não precisa estarem todos no mesmo palanque no primeiro turno. Não é a ferro e a fogo que está se buscando uma aliança eleitoral”, disse Gleisi. Líder do PT fluminense, Washington Quaquá também citou a possibilidade. “Lula já teve três palanques no Rio, com Pezão, Lindbergh e Crivella”, afirmou o dirigente, sobre a eleição de 2014, quando a candidata do PT foi a presidente Dilma Rousseff.

Além de Gleisi e Quaquá, entre os petistas estavam vereadores, como Lindbergh Farias; deputados estaduais, como o presidente da Assembleia Legislativa André Ceciliano; a deputada federal Benedita da Silva; e o prefeito Fabiano Horta, de Maricá, único dos 92 municípios governado pelo partido. De acordo com Quaquá, a ida de Freixo para o PSB é o melhor caminho para viabilizá-lo na disputa ao Palácio Guanabara e “ajuda a trazer o PSB nacional para a aliança do Lula”.

A filiação torna o apoio ao deputado mais uma das moedas de troca do PT no tabuleiro nacional. Além de Freixo no Rio, os petistas estariam dispostos a apoiar os candidatos do PSB em Pernambuco, o ex-prefeito do Recife Geraldo Julio; no Espírito Santo, o governador Renato Casagrande; e em São Paulo, o ex-governador Márcio França.

Hoje, Lula e Eduardo Paes almoçam no Palácio da Cidade, para onde o prefeito também levará seu grupo político, com dirigentes e parlamentares. Antes, pela manhã, o petista visitará a vizinhança de um estaleiro em Niterói. Segundo Quaquá, a ideia era percorrer as instalações de construção ou reparo de navios, para deixar claro que a retomada da indústria naval é prioridade para Lula.

No entanto, empresários do setor relataram “medo de Bolsonaro fazer retaliação” caso recebessem Lula e, por isso, a visita ficará restrita aos arredores. No fim da tarde, o ex-presidente se encontrará, no hotel, com um grupo de trabalhistas históricos que estão migrando para o PT, como o ex-deputado Vivaldo Barbosa e o ex-vereador Leonel Brizola Neto, que tem o nome do avô e fundador do PDT, cujo presidenciável em 2022 é Ciro Gomes.

Amanhã, o ex-presidente terá um encontro com líderes comunitários e do movimento negro, pela manhã, e uma reunião com artistas e intelectuais, à tarde. Em julho, Lula visitará quatro ou cinco capitais do Nordeste, adiantou Gleisi.

O Globo

Lula inclui Eduardo Paes e Rodrigo Maia em articulação para montar palanque no Rio

Petista trabalha para tentar incluir o PSD do prefeito do Rio em aliança com Marcelo Freixo, que deixou o PSOL para ir para o PSB

Na sequência das articulações políticas que iniciou após recuperar os seus direitos políticos em março, o ex-presidente Lula se encontra nesta sexta-feira (11) com o prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD), em um almoço no Palácio da Cidade. O ex-presidente da Câmara, Rodrigo Maia, também deve participar.

A disputa eleitoral do Rio no próximo ano deve fazer parte da conversa. Nesta quinta-feira, Lula se reuniu, entre outros, com o deputado Marcelo Freixo, que deve se filiar ao PSB nas próximas semanas. O petista tem ajudado nas articulações para a viabilizar a candidatura do parlamentar ao governo do Rio no próximo ano. A ideia é incluir o PSD na aliança.

Paes tem colocado como opção lançar a candidatura do atual presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, ao governo estadual. Segundo a colunista Bela Megale, Santa Cruz vai participar do almoço desta sexta-feira. Outro que estará presente é Maia, que negocia a entrada em um novo partido após romper com o DEM.

Uma opção citada por petistas é que Santa Cruz seja vice de Freixo ou candidato ao Senado na chapa. O deputado Alessandro Molon (PSB), que também participou da reunião com Lula nesta quinta-feira, tenta se viabilizar para ser o candidato a senador da chapa.

O Rio é o segundo destino de Lula após o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), anular as suas condenações na Operação Lava-Jato. No começo de maio, Lula esteve em Brasília, onde se reuniu, entre outros, com Maia, com o presidente nacional do PSD, Gilberto Kassab, e com lideranças do MDB.

Apesar não admitir claramente que será candidato a presidente no ano que vem, Lula tem se dedicado à construção dos palanques estaduais. Em São Paulo, a aposta é no ex-prefeito Fernando Haddad, que tem mantido encontros com apoiadores e dado entrevistas para rádios do interior do estado. Haddad, inclusive, acompanhou Lula em sua viagem a Brasília.

O ex-presidente também entrou em campo para garantir que o PT não fique refém de outros partidos na eleição para o governo de Minas, o segundo estado com mais eleitores do país. Desde a redemocratização, nunca um presidente foi eleito sem obter a maioria dos votos entre os eleitores mineiros.

Em reunião com o ex-presidente, caciques petistas do estado decidiram lançar a pré-candidatura do deputado federal Reginaldo Lopes. Antes de Lula recuperar os seus direitos políticos, dirigentes do estado vinham cogitando uma composição para apoiar a candidatura do prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PSD).

Nos bastidores, é citada a possibilidade de os nomes de Reginaldo e até de Haddad, com menor chance, serem retirados no futuro se houver necessidade de uma composição que ajude a chapa de Lula a atrair mais partidos aliados.

—  Está se construindo um amplo consenso no PT de que a centralidade nossa em 2022 é a disputa nacional.Tudo que nós fizemos nos estados estará sincronizado com a disputa nacional em torno da candidatura de Lula. Candidaturas nos estados que não sejam vinculadas a isso não serão prioridades para nós — afirma o deputado José Guimarães (PT-CE), que coordena o grupo de acompanhamento das candidaturas nos estados.

Guimarães acrescenta que “a candidatura de Haddad em São Paulo é prioridade absoluta” diante das boas perspectivas de sucesso em razão das dificuldades enfrentadas pelo PSDB no estado, com o embate entre o ex-governador Geraldo Alckmin e o atual governador João Doria.

Depois da viagem ao Rio, Lula deve visitar o Nordeste em julho.

— O Lula tem procurado agregar forças políticas nesse processo de reconstrução do Brasil que ele quer fazer  — diz Guimarães.

Valor

As duas estratégias de Bolsonaro para continuar no poder

Presidente busca reeleição mantendo clima populista-golpista para caso de revés nas urnas

Bolsonaro traçou dois planos para seu futuro político, ambos vinculados à permanência no poder. O primeiro é a aposta na reeleição, com toda uma estratégia para manter sua base mais fiel – próxima de 15% do eleitorado – e ampliar no mínimo mais dez pontos percentuais para garantir uma vaga no segundo turno.

Mas o medo em relação à eleição – sobretudo depois da anulação do julgamento do ex-presidente Lula – e a visão autoritária que tem da política levaram o presidente a construir um plano B: é preciso criar um clima populistagolpista no país, seja para mobilizar permanentemente o bolsonarismo-raiz, seja para acuar os adversários, ou então, ainda, como última saída, para inviabilizar a vitória de outro candidato, mantendo-se no Palácio do Planalto a qualquer custo.

Pode parecer uma contradição apostar numa via democrática e, ao mesmo tempo, deixar a porta aberta para um possível golpe. Na verdade, o bolsonarismo se sustenta nesta ambiguidade, porque a pressão constante contra o sistema político tem permitido reduzir paulatinamente vários dos controles sobre o presidente e garantido, ademais, uma base fiel capaz de tudo em nome da liderança máxima, chamada de “mito”.

É claro que essa estratégia também contém seus riscos e gerou perdas políticas ao longo do caminho, mas ela é a que se casa mais com o “mindset” de Jair Bolsonaro: ele sempre concorreu a eleições, mas não gosta de ser controlado e quer ter o poder máximo; prefere as guerras culturais em vez da labuta árdua das políticas públicas; e gosta muito mais de fazer a política para a multidão que o obedece do que junto aos outros políticos eleitos.

O presidente abraçou um modelo populista que coloca “o povo contra o sistema”. Desse modo, esse perfil ambíguo em relação à democracia é não só um valor pessoal. Trata-se de uma identidade política que lhe garante, estrategicamente, um lugar competitivo na disputa por eleitores.

O plano A, vinculado às eleições, é o preferido, porque garante uma legitimidade maior para quem pretende expandir o próprio poder e reduzir as dissensões e controles. Bolsonaro quer ser reconhecido como o que detém o apoio da maioria, podendo jogar isso contra os adversários, que seriam as minorias, para as quais, na versão bolsonarista da política, só resta a obediência.

O projeto de reeleição conta com alguns importantes trunfos. O primeiro é que o ciclo econômico tem chances de melhorar daqui até a eleição, graças principalmente ao cenário internacional. A demanda pelos produtos agrícolas e minerais está em alta porque a China passará por um período de recuperação de um patamar mais alto de expansão econômica.

Além disso, a economia americana deve puxar boa parte do mundo e o Brasil também se beneficiará disso. O paradoxo é que a recuperação dos dois países tem muito a ver com a maior eficácia no combate à pandemia, algo que não é verdadeiro para o caso brasileiro. É como se o mundo nos premiasse quando cometemos muitos erros.

O segundo trunfo é tentar turbinar um novo programa social que substituiria o Bolsa Família. Bolsonaro aprendeu muito com os efeitos do auxílio emergencial, que no ano passado foi o principal responsável pelo seu aumento de popularidade.

O erro de não prolongar por mais tempo essa transferência de renda custou caro ao presidente, do mesmo modo que o valor deste ano, muito mais baixo, não está sendo suficiente para recuperar os patamares de apoio. Além disso, a volta de Lula é o maior pesadelo para o bolsonarismo, e é preciso competir pelos votos que o líder petista tem nas classes D e E.

Bolsonaro também sabe que a próxima eleição não será igual à de 2018, quando ele pôde simplesmente aparecer como um outsider contra a “velha política” e centrar sua campanha nas redes sociais. Quando o incumbente concorre à reeleição, ele é o tema principal do pleito e não dá mais para se colocar como o elemento novo do jogo. Logo, no cenário da disputa presidencial de 2022 será preciso ter algumas armas do sistema político, especialmente o apoio de certas lideranças locais e, mais ainda, de um horário eleitoral gratuito maior.

Para conseguir esse tempo de TV e rádio, o presidente fez um pacto com o Centrão em torno da multiplicação de pequenas obras pelo país afora, por meio do clientelismo. Esse é o terceiro trunfo de Bolsonaro, que pretende usá-lo para ter o apoio de dois ou três partidos médios a sua candidatura, embora deseje concorrer por uma legenda pequena de modo a ter o controle familiar sobre sua campanha.

A força eleitoral completa-se com o apoio dos bolsonaristas-raiz e de parcela dos evangélicos, por meio da guerra cultural e moral contra os adversários, pintados como comunistas contrários à família e à religião. A votação desse grupo não garante a ida ao segundo turno, porém, se o plano A falhar, serão esses eleitores que poderão apoiar Bolsonaro em seu plano B, juntamente com o apoio de forças militares e civis que atuariam como milicianos do governante, em estilo bem parecido com o que aconteceu no chavismo e entre aqueles que apoiaram o golpe na Bolívia em 2019.

O plano B precisa existir porque a estratégia eleitoral projetada por Bolsonaro não é líquida e certa. Muito pelo contrário: há várias incertezas e pedras no caminho até 2022. A primeira grande dificuldade está em transformar a melhoria econômica em bem-estar dos eleitores, tanto os de classe média quanto os mais pobres.

Houve perda de renda com a inflação, perda de emprego, perda de parentes e amigos com a pandemia, perda de esperança na possibilidade de ter uma vida que já foi melhor no passado recente. O tamanho da melhoria econômica é, ademais, uma incógnita. Especialmente porque há incertezas em relação ao combate à pandemia e à garantia de energia elétrica. Afora isso, a política ambiental atual afeta o fluxo de investimentos.

Um crescimento de 2% a 2,5% é bom em relação aos últimos cinco anos, mas não é um Plano Real nem chega perto do auge do lulismo. A criação de um novo programa de transferência de renda não significará pagar o mesmo valor do auxílio emergencial. E os eleitores que receberam essa ajuda “polpuda” em 2020 serão lembrados disso pelos outros candidatos durante a eleição. Cria-se, assim, um obstáculo para que Bolsonaro transforme essa ação governamental em apoio eleitoral incondicional. O mais complicado é que na região com mais beneficiários do Bolsa Família, o Nordeste, há lideranças políticas muito fortes contra o bolsonarismo.

São governadores de Estados de partidos diferentes, lideranças regionais que estão no Senado, além de três fortes presidenciáveis: Tasso Jereissati, Ciro Gomes e, sobretudo, Lula, considerado por lá como o “pai dos pobres”. Se todos eles falarem contra o presidente, um muro antibolsonarista pode ser erguido nesses nove Estados. O estilo de governar de Bolsonaro gera votos numa parcela da população, mas igualmente tem levado à perda definitiva de um conjunto muito grande de eleitores.

O presidente é cada vez mais rejeitado pelas classes médias do Sul e do Sudeste, como também por boa parte dos mais pobres das regiões metropolitanas do país, em lugares onde movimentos sociais estão crescendo frente ao aumento da vulnerabilidade social.

Para estes dois públicos, há um forte desgaste em relação ao fracasso na pandemia – evidenciado semanalmente pela CPI -, à destruição do meio ambiente, ao descaso com a educação e a cultura, às manobras escusas para salvar a família presidencial de investigações, bem como um certo cansaço do populismo agressivo e personalista do presidente.

No balanço dos fatores favoráveis e desfavoráveis, Bolsonaro é um candidato competitivo, mas que muito dificilmente terá o mesmo contingente de votos de 2018. Isso significa, na hipótese positiva, uma vitória em segundo turno muito apertada, similar ao cenário de 2014, quando Dilma venceu Aécio por um triz.

O resultado disso foi muito descontentamento social e um governo fragilizado. Já a hipótese negativa é a derrota, que pode ser numa eleição acirrada ou por uma vantagem mais larga, caso o governo erre muito em questões sensíveis ao Nordeste, às classes médias urbanas e aos mais pobres das periferias metropolitanas.

Diante destes cenários eleitorais, o plano B é a forma pela qual Bolsonaro combina seus valores autoritários com sua estratégia política. Afinal, ele pode ganhar por pouco ou não ganhar, por isso deslegitimar adversários, a mídia e as instituições constitui um modo de emparedar parte da classe política (e dos eleitores), deixando no ar a possibilidade de mobilizar seu séquito para garantir que o poder fique com quem de fato “representa o povo”.

Pode ser um blefe ou, se necessário, uma tentativa de golpe. Assim, um clima golpista permanente e crescente até as eleições presidenciais é o elo que junta os dois planos políticos bolsonaristas – o eleitoral e o da quebra da democracia. Não é possível agora prever o desfecho desta estratégia.

O que se sabe é que os próximos 18 meses serão os mais tensos em termos políticos desde o fim da ditadura militar. E Bolsonaro criará várias provocações diversionistas no meio do caminho, como discutir o voto impresso ou a Copa América, para que o clima populista-golpista seja reinante no país, garantindo a reeleição ou evitando que outro assuma o poder em 2023.

Fernando Abrucio, doutor em ciência política pela USP e professor da Fundação Getulio Vargas, escreve neste espaço quinzenalmente