Clipping 2 de setembro de 2022
Manchetes
PIB estanca, e economia dá sinais de crise prolongada (Folha)
Adesão da PM ao bolsonarismo radical cresce nas redes sociais (Estadão)
PIB estagnado e crises derrubam previsões para 2022 (O Globo)
Câmara aprova o novo IR e Senado rejeita minirreforma (Valor)
Automotive Business
Sindipeças eleva projeção de crescimento da produção
Setor de autopeças estima aumento de 21% este ano, com 2,2 milhões de veículos até dezembro
O Sindipeças revisou a projeções sobre a produção de veículos esperada para este ano. Segundo suas previsões, divulgadas na quarta-feira, 1º, durante transmissão online da Automec 360, o crescimento que no início do ano era estimado em 19%, quando comparado a 2020, passou para 21%, atingindo 2,46 milhões de unidades.
De acordo com George Rugitsky, conselheiro da entidade que reúne os fabricantes de autopeças, os fatores que levarão ao crescimento estimado para o segmento de automóveis são o aumento da porcentual de vacinados na população, disponibilidade de crédito, retomada da produção de veículos para repor estoques das concessionárias e a manutenção do investimento das montadoras no País.
Já no caso dos veículos comerciais leves, conta a favor, segundo o sindicato, a demanda interna aquecida por distribuição urbana e crescimento do segmento agrícola. No segmento de caminhões, animam as fabricantes de autopeças novas projeções do PIB, safra recorde, acesso ao crédito e projetos de renovação de frota que estariam em curso. No caso do segmento de ônibus, o programa Caminho da Escola deverá movimentar as linhas.
Rugitsky também apontou na oportunidade fatores que poderiam representar entraves ao crescimento estimado pelo Sindipeças. Em linhas gerais, afetaria todos os segmentos o já conhecido desequilíbrio no abastecimento de componentes e, mais recentemente, os temores provocados pela estiagem e possível racionamento de energia, o que afetaria as linhas de produção.
A entidade também divulgou suas projeções a respeito das vendas de veículos este ano. A expectativa é de que sejam licenciadas 2,2 milhões de unidades até dezembro, resultado que representaria alta de 11,55% sobre o volume de veículos emplacados no ano passado.
Em termos de faturamento, o Sindipeças espera que este ano as empresas associadas registrem receita de R$ 156,3 bilhões este ano, um resultado que seria 24% superior ao registrado no ano passado. O faturamento com as exportações, segundo a entidade, deverá ser de US$ 6,4 bilhões, alta de 18,8%. O número de postos de trabalho, ainda dentro das expectativas do Sindipeças, crescerá 3% sobre aquele de 2020, chegando a 240 mil funcionários.
Há também visão otimista a respeito dos investimentos realizados pelas empresas do setor. A projeção do Sindipeças estima R$ 2,1 bilhões este ano, um volume de recursos 91% maior do que aquele investido no ano passado.
Valor
Falta de chips continua em2022, prevê Filosa
Presidente da Stellantis, Antonio Filosa diz que desabastecimento de semicondutores vai além deste ano
O problema da falta de semicondutores para a indústria automobilística no Brasil e no mundo deve se estender para além deste ano. Pelo menos é a percepção do presidente para a América do Sul da Stellantis, Antonio Filosa. Segundo o executivo, ainda é difícil trabalhar com previsibilidade nas entregas, mas a companhia tem uma gestão mais justa em que segue a equidade e não prioriza os mercados ou clientes.
“Não se consegue saber o que vai acontecer nas próximas quatro a cinco semanas, e isso é um problema global. Estamos vivendo com uma previsibilidade limitada. O que estamos fazendo é trabalhar com os fornecedores de nivel 1 para gerenciar a previsibilidade com os asiáticos. Além disso, trabalhamos junto a nossa engenharia para identificar alternativas técnicas para minimizar o problema e flexibilizar mais a produção”, disse Filosa.
As fábricas da Fiat, em Betim (MG), e da Jeep, em Goiana (PE), trabalham de forma contínua, segundo o executivo. A unidade mineira opera em dois turnos de produção e a pernambucana em três intervalos de trabalho. “Se não fosse esse problema da falta de semicondutores no mercado mundial, certamente estaríamos em uma situação melhor. Teríamos produzidos e vendido mais veículos”, ressaltou.
Até julho, a Stellantis lidera o mercado brasileiro com 32,6% de participação e 383 mil veículos emplacados. Fiat é a marca líder no Brasil, com 22,8% de participação, enquanto Jeep acumula uma participação de 7,4%, seguindo-se Peugeot (1,3%), Citroën (1%) e Ram (0,2%). No acumulado de janeiro a julho, Stellantis tem seis modelos entre os dez mais vendidos. O campeão de vendas é a Fiat Strada, com 70,5 mil unidades.
Filosa ressaltou, no entanto, que apesar dessa boa gestão no processo produtivo para garantir o abastecimento do mercado, a produção de veículos pelas montadoras instaladas no Brasil deve ser menor do que a estimada anteriormente. Até então, a perspectiva era de montar 2,5 milhões de unidades em 2021.
“Trabalhar com uma bola de cristal no Brasil é muito difícil. Acreditamos que a produção no país deverá ser de 2,35 milhões a 2,36 milhões de veículos neste ano. E essa redução não será tanto pela inflação, que claramente afetará o mercado no longo prazo, mas pela questão dos semicondutores. O que temos nas carteiras de pedidos já justifica uma indústria nesse nivel”, disse.
Segundo ele, a companhia teve menos de 20% de perdas na produção por falta de chips no Brasil. A expectativa da indústria mundial é de que as montadoras, pelo desabastecimento, deixem de produzir 20% do que era esperado caso não ocorresse falta de semicondutores. Quanto a questão da alta inflacionária, Filosa afirmou que o problema é mundial, mas o Brasil tem alguns componentes que podem agravar, como a variação cambial, a alta dos custos de matérias-primas, como o aço e plástico e, agora, a energia.
“A inflação é uma questão global, mas a realidade no Brasil e na Argentina é mais dinâmica. Um dos aceleradores é a evolução do dólar e, agora, a alta da energia. Independentemente do plano do governo, temos que fazer a tarefa de casa e economizar. Temos projetos dentro das fábricas que nos permite a redução de consumo, mas não sei se isso será suficiente para minimizar o impacto que teremos”, disse o executivo.
Filosa acrescentou, no entanto, que a Stellantis está inserida em uma indústria de processo contínuo, que envolve centenas de fornecedores. Então, diante disso, a companhia deve identificar as deficiências na cadeia para mitigar os gastos. “Vamos ver o programa do governo de redução de consumo de energia e identificar o que podemos usar.”
O Globo
Após PIB abaixo do previsto, analistas cortam projeções de crescimento para este ano e 2022
Goldman Sachs reduz de 5,4% para 4,9% estimativa para 2021. Tendências revisa para 1,8% previsão do ano que vem
O quadro de estagnação do PIB observado nos dados do segundo trimestre deste ano divulgados pelo IBGE nesta quarta-feira tem levado alguns bancos e analistas a revisarem para baixo suas projeções para a economia brasileira para 2021 e 2022. E agora, o que esperar? Vacinação e commodities ajudam, mas crise hídrica e inflação são risco para a economia.
O banco Goldman Sachs cortou sua projeção de crescimento do Brasil para este ano, de 5,4% para 4,9%. A instituição financeira afirmou em relatório que o resultado do segundo trimestre “desapontou e veio mais fraco e baixo do que o esperado”.
Segundo o documento, a revisão se deu “após levar em conta o resultado do trimestre, as revisões dos trimestres anteriores e o sinal de indicadores de atividade, inclusive indicadores de confiança”. “Reduzimos nossa previsão de crescimento do PIB de 2021 de 5,4% para 4,9%; presumindo que não haja grandes limitações no fornecimento de energia, uma redução gradual dos gargalos na cadeia de suprimentos, a gradual reconstrução gradual dos estoques e um controle amplo do quadro de coronavírus no segundo semestre”, diz o relatório do banco.
Carregamento estatístico
A nova projeção de crescimento do Goldman Sachs é praticamente o carregamento estatístico do crescimento do país, hoje em 4,87%. Isso significa que, se os próximos dois trimestres mantiverem o mesmo nível de atividade econômica registrado entre abril e julho, o país vai crescer 4,87% em 2021.
O banco prevê ainda que a recuperação econômica nos próximos trimestres deve avançar em compasso com o crescimento da vacinação, a renovação dos estímulos fiscais e termos de comércio favoráveis no cenário externo em geral.
“Isso deve, no entanto, ser mitigado pelo aumento das taxas de juros, a inflação em alta, os altos níveis de endividamento das famílias, problemas persistentes da cadeia de abastecimento que assolam indústrias manufatureiras e o aumento do ruído e da incerteza no campo político”, diz o relatório.
O JP Morgan também cortou suas projeções de crescimento para este ano, de 5,5% para 5,2%, e para 2022, de 2% para 1,5%. Em seu relatório, o banco diz que os riscos de redução de crescimento vêm aumentando no país há dois meses e cita preocupações com a política fiscal do país.
“Também revisamos para baixo nossas previsões de PIB para o quarto trimestre e além, com expectativa de crescimento abaixo do potencial por diversos trimestres, particularmente devido o recente aperto das condições financeirras e a piora da crise hídrica e de geração de energia elétrica, que entre outros efeitos impacta a produção agrícola e reduz o capital disponível enquanto preços estão em alta”, diz o documento.
A demanda externa, continua o JP Morgan, deve continuar a dar suporte ao crescimento do país em 2022, mas a demanda agregada deve ser limitada “apesar das intenções de aumentar transferências fiscais”.
Na mesma linha, o Credit Suisse revisou as estimativas do PIB de 2021 de 5,5% para 5,3% edevido ao resultado mais fraco do segundo trimestre e para o ano que vem, de 2,0% para 1,5%. O banco destacou “uma retomada mais gradual dos serviços e do consumo das famílias do que o esperado”.
O corte da previsão para 2022 se deve ao menor carregamento estatístico e a fatores como o impacto negativo da inflação mais alta, o aperto das condições financeiras (com taxas de juro de curto e longo prazo em alta) e o preço mais moderado de minério de ferro.
Para Alessandra Ribeiro, sócia e diretora de macroeconomia da Tendências, o resultado do segundo trimestre veio em linha com o esperado pela consultoria, mas houve surpresa no consumo das famílias estável.
— Vemos uma perda de dinamismo, ainda que existam estímulos monetários e fiscais na economia. O consumo das famílias estável nos surpreendeu negativamente, esperávamos um crescimento de 0,5%, mas houve alguns limitadores desse indicador, como a inflação mais alta, que corrói poder de compra, e a recuperação ainda gradual no mercado de trabalho — afirma ela.
Expectativa de alta no consumo
Para os próximos trimestres, no entanto, a expectativa é de aumento do consumo das famílias.
– A gente espera uma reação mais forte do mercado de trabalho com o avanço da vacinação, o que deve ficar mais evidente no terceiro e no quarto trimestres deste ano, embora nada exuberante.
Há ainda preocupação em relação à continuidade de problemas na cadeia de suprimentos, especialmente para a indústria automobilística, segundo ela.
O avanço da variante Delta do coronavírus na Ásia e a eventuais lockdowns em países importantes na cadeia global de suprimentos podem afetar ainda mais a situação de escassez de insumos no Brasil, diz a analista.Apesar disso, a Tendências deve manter sua previsão de crescimento para este ano em 5%. Vai revisar a de 2022 para baixo, contudo: de 2,2% para 1,8%.
— A inflação mais alta trouxe uma necessidade de política monetária mais apertada e o Banco Central deve ser ainda mais agressivo com os juros, o que tem impactos na atividade econômica. Além disso, temos um grau de incerteza em relação à política econômica no âmbito do ambiente eleitoral, que deve ser polarizado, com nervosismo e volatilidade — diz ela.
Inflação, juros e crise hídrica
Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, afirma que a dissonância entre as expectativas do mercado para o PIB do segundo trimestre e o dado divulgado pelo IBGE é explicada em parte pela dessazonalização feita pelo instituto.
— Quando você tem quebras de tendência como foi a pandemia, a dessazonalização do IBGE muda, é normal, mas a gente só sabe que o instituto fez a modificação na hora da divulgação. De modo geral, o quadro econômico é de estagnação, que nos acompanha desde o início do segundo trimestre e deve continuar no segundo semestre — afirma.
Para o economista, o quadro de inflação e juros em alta, por um lado, e a crise hídrica e energética, por outro, devem limitar o crescimento do Brasil neste ano.
– A aceleração forte da inflação corrói o poder de compra da população. Há uma reação na alta de juros (por parte do BC). No começo do ano, a Selic estava baixa e caminha agora para ficar acima de 8%. Esse impacto aparece já no fim deste ano, mas terá mais intensidade no ano que vem – diz ele.
Cenário político adverso
A crise hídrica, na avaliação de Vale, deve ter impactos para além dos problemas no setor elétrico.
– No setor energético, a gente sabia que a dificuldade era crescente por causa da crise hídrica e que uma hora iria aparecer, e esse momento chegou. O governo não reagiu como deveria, colocou um risco de se ter uma situação mais grave no quarto trimestre. Por isso, colocamos um grau elevado de preocupação com o resultado do PIB no final do ano – diz.
A consultoria vai manter suas estimativas para o PIB, de alta de 4,7% para 2021 e 1,4% para 2022, mas afirma haver riscos que podem mudar o cenário para o próximo ano.
– O cenário político é muito adverso, de um presidente que não quer jogar pela conciliação, isso se traduz em mais risco no futuro e aumenta a preocupação e a incerteza sobre o crescimento do ano que vem.
Folha de SP
Risco de estagflação existe, avaliam economistas após resultado do PIB do 2° tri
Preocupação é com agravamento da crise hídrica, que prejudicaria recuperação e pressionaria mais a inflação
O quadro de estagflação (combinação de fraqueza econômica e preços em alta) para a economia brasileira não pode ser descartado, na avaliação de economistas, sobretudo caso não volte a chover no quarto trimestre do ano e se mantenha a pressão sobre os preços da energia.
Nesta quarta-feira (1°), o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) apontou uma queda de 0,1% no PIB do segundo trimestre, frustrando as expectativas do Ministério da Economia. Analistas consultados pela agência Bloomberg estimavam crescimento de 0,2% ante o trimestre anterior.
O desempenho da economia no trimestre vem do resultado negativo da agropecuária (-2,8%) e da indústria (-0,2%). Por outro lado, os serviços avançaram 0,7% no período, segundo a instituição.
Para Armando Castelar Pinheiro, coordenador de Economia Aplicada do Ibre/FGV (Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas), em certo sentido, o país teve uma estagflação no segundo trimestre, sem crescimento e com inflação alta.
Ele ressalta, no entanto, que a crise precisaria piorar muito para que esse cenário se mantivesse, com um agravamento da crise hídrica e maior pressão sobre a inflação. “Hoje, a expectativa para o terceiro trimestre é de uma alta do PIB na faixa de 0,8%, ou 3,3% em valores anualizados.”
O professor Otto Nogami, do Insper, diz que, sem dúvida, é preciso considerar um cenário de estagflação e o resultado do segundo trimestre já mostra isso. “Estamos com inflação alta e a economia andando de lado. Já tem gente falando em uma inflação de dois dígitos em dezembro e esse era um fantasma que a gente imaginava ter domado.”
A alta no preço da energia é um dos principais fatores de pressão na inflação, que deve superar os 7% em 2021, segundo projeções de agentes financeiros reunidas pelo relatório Focus, do Banco Central.
Nogami acrescenta que problemas no horizonte para o segundo semestre vão se agravando pela falta de ação mais efetiva do governo para minimizar o problema.”Já se falava nos problemas no setor energético e na possibilidade de racionamento desde janeiro e só agora o ministro das Minas e Energia resolveu fazer um pronunciamento?”
Na última terça-feira (31), o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, disse que a crise hídrica se agravou e voltou a pedir esforço da população e empresas para reduzirem o consumo de energia elétrica. Mais cedo, a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) havia anunciado a elevação do custo da conta de luz, com uma nova bandeira tarifária. Chamada de “Escassez Hídrica”, ela custa R$ 14,20 a cada 100 kWh (quilowatt-hora).
Claudio Considera, coordenador do Monitor do PIB, também do Ibre/FGV, não descarta um cenário de estagflação, embora ainda seja cedo para imaginar essa situação. Já para o ex-diretor do Banco Central José Júlio Senna, a crise hídrica agrava tanto a inflação quanto a recuperação da economia, mas ainda não está dado um cenário de estagflação. “Tal situação pressupõe economia estagnada, mas acredito que teremos um crescimento, ainda que modesto.”
Há duas semanas, um relatório da RPS Capital já apontava para os riscos de estagnação econômica mais inflação, em um cenário de agravamento da crise hídrica. Na visão dos analistas da consultoria, a economia brasileira tem absorvido vários choques ao longo do ano, com desorganização de cadeias globais.
“Se o período úmido for ruim, a gente pode ter complicações e o risco não é pequeno. O cenário de estiagem precisa passar até outubro, quando ocorre a transição desse período mais chuvoso”, diz Gabriel Barros, da RPS.
Na última terça-feira (31), a equipe de macroeconomia do Itaú Unibanco também dobrou as perspectivas de risco de racionamento, de 5% para 10%. As chuvas abaixo da média desde abril têm levado o país a um cenário preocupante, o que aumenta os temores de um racionamento, lembra Mario Mesquita, economista-chefe do banco.
Valor
Guedes critica conversa “derrotista” e vê crescimento em “V”
Para ministro e SPE, crise hídrica pode ser entrave à retomada econômica
O ministro da Economia, Paulo Guedes, disse ontem que o resultado do Produto Interno Bruto (PIB) do segundo trimestre veio “de lado” durante o período mais trágico da pandemia. Já a Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Economia elencou o risco hídrico, entre outras questões, como uma das principais ameaças à retomada no segundo semestre. “Foi 0,05% a queda do PIB. Quando dá 0,05% é arredondado para 0,1%. Mas se desse 0,04% ia ser zero”, afirmou Guedes.
Segundo ele, com a retomada do auxílio emergencial em abril, o governo federal manteve no segundo trimestre “a responsabilidade fiscal de um lado e o compromisso com a saúde do outro”. O ministro reforçou que, em sua visão, a economia voltou em formato de V. “Estamos crescendo novamente”, disse.
Para Guedes, o PIB brasileiro deve se expandir 5,3% ou 5,4% neste ano e pode “crescer bastante” também no ano que vem. Ele criticou o que chamou de conversa “derrotista” de que o Brasil não vai crescer, mas voltou a destacar que a crise hídrica é uma questão a ser observada.
Para a SPE, o risco hídrico é uma ameaça à retomada da atividade na segunda metade do ano. Em nota, a secretaria também citou o recrudescimento da pandemia e o abandono da consolidação fiscal como outros fatores de risco. Já entre os elementos que podem impulsionar a retomada neste ano, a SPE destacou: maior crescimento global, investimento financiado principalmente pelo setor privado, aumento da taxa de poupança, mercado de crédito e de capitais em expansão e recuperação do emprego formal e informal, com a vacinação em massa.
A expectativa da SPE é que, no ano, o PIB aumente mais do que 5%. “O resultado reforça a necessidade de insistirmos na agenda da consolidação fiscal e das reformas pró-mercado”, disse ao Valor o secretário de Política Econômica, Adolfo Sachsida. Ele disse que o setor de serviços e o investimento privado vão liderar a retomada na segunda metade do ano. Para tanto, é preciso prosseguir com a vacinação em massa. O avanço do investimento privado foi apontado pelo secretário como demonstração da qualidade do processo de retomada da economia.
Para ele, esse é um dado mais importante do que o próprio resultado do PIB. Sachsida também negou que o desempenho da economia no segundo trimestre tenha ficado muito abaixo do esperado. As estimativas de mercado eram de um avanço de 0,2%. Considerando que o segundo trimestre foi o mais trágico da história da saúde pública no Brasil, a economia demonstrou resiliência, avaliou.
A nota da SPE não detalhou os possíveis impactos do risco hídrico, mas ressaltou os avanços na política fiscal, citando que o déficit primário nas contas públicas deve cair de 1,8% do PIB neste ano para 0,5% do PIB em 2022. “Fundamentos fiscais mais sólidos permitem ancoragem das expectativas de inflação, redução estrutural da taxa de juros e menor risco-país.”
Também determinantes para o crescimento de longo prazo são as reformas pró-mercado, mencionando abertura econômica, privatizações e concessões, melhora dos marcos legais e aumento da segurança jurídica, melhor ambiente de negócios e redução da burocracia, correção da má alocação de recursos e facilitação da realocação de capital e trabalho na economia. A nota ressaltou o papel do setor de serviços no segundo trimestre, com alta de 0,7% sobre o trimestre anterior, explicado em boa parte pelo avanço da vacinação. A expectativa da SPE é que esse processo de recuperação continue.
Na indústria de transformação, a perspectiva é positiva, segundo a secretaria. Os índices de confiança medidos pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) estão elevados.
O índice da intenção de elevação do investimento para os próximos seis meses está próximo aos maiores valores desde 2014. Em audiência na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados, minutos após a divulgação do PIB pelo IBGE, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, afirmou que o resultado do segundo trimestre deve diminuir a projeção mediana do mercado, colhida pelo Boletim Focus, para o crescimento deste ano.
Atualmente, a estimativa mediana é de alta de 5,22% para o PIB de 2021. “A gente provavelmente deve ter uma revisão um pouco para baixo no ano corrente”, disse. Campos lembrou que o BC já projetava “um crescimento um pouco abaixo do que o mercado esperava” para 2021.
De acordo com o Relatório Trimestral de Inflação (RTI) divulgado em junho, fonte dos números mais recentes, a autoridade monetária calcula alta de 4,6% para o PIB. Segundo Campos, o resultado da economia no segundo semestre “veio mais ou menos em linha com o que o BC achava”.
Valor
Recessão em 2022 não está descartada, afirma Silber
Para professor, medidas propostas por Paulo Guedes virararam uma “espécie de ouro de tolo”
Com crise hídrica, inflação acima da meta, desemprego alto, juros em elevação e eleição no radar fragilizando o câmbio, não dá para descartar uma recessão em 2022 no Brasil, avalia Simão Silber, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP) e pesquisador da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe). O PIB brasileiro recuou 0,1% no segundo trimestre deste ano, ante o primeiro, conforme divulgou o IBGE ontem.
A expectativa de Silber era de um PIB estável no período. “É sem crescimento, qualquer que seja o 0,1%, com sinal de mais ou de menos. Significa que, no curto prazo, não teve surpresa, a economia está indo mal”, afirma o professor. Setorialmente, com o avanço da vacinação, já era de se esperar que o melhor desempenho no segundo trimestre viesse dos serviços (0,7%), diz Silber.
Os recuos na indústria (-0,2%) e na agropecuária (-2,8%) também já eram previstos. “Olhando por componente da demanda, a principal queda é do investimento [-3,6%], que está dizendo: ‘Já que o governo não investe mesmo…’. Esse é o humor do setor privado, é o ‘espírito animal’, nas palavras de [John Maynard] Keynes, do empresário percebendo que não tem perspectiva de recuperação de demanda”, afirma Silber.
O professor diz não observar qualidade alguma nos dados divulgados ontem. “A coisa boa foi por acidente”, afirma ele, em referência à contribuição positiva do setor externo, com alta de 9,4% nas exportações e queda de 0,6% nas importações. “Você exporta mais porque a China cresceu, brigou com os Estados Unidos. É mais sorte do que qualidade.”
O terceiro trimestre deve ser melhor que o segundo, avalia o professor. Mas, da perspectiva para um PIB acima de 5% em 2021, 3,8% já estão “contratados” pelo carregamento estatístico, diz Silber. “Portanto, nós estamos na mesma coisa de crescimento de 1% a 2% ao ano.” Entre os riscos, Silber menciona a crise hídrica, que é um choque de oferta.
O professor pondera, no entanto, que o Brasil também está mais preparado para a situação do que à época do “apagão” de 2001, porque muitas usinas térmicas foram construídas. “Um apagão no sentido de não se poder produzir por falta de energia está descartado”, avalia. O que não está descartado, segundo ele, é que o aumento no custo da energia vai encarecer muito os produtos, o que pode tornar mais difícil a venda e impor uma queda à produção.
A produção, lembra o professor, é muito intensiva em energia, mas os reflexos podem aparecer mesmo no comércio. “Imagina um açougue ou um supermercado, onde tudo é refrigerado. É óbvio que se você aumenta sistematicamente o preço da energia elétrica, isso vai ser repassado ao preço.”
Esse quadro afeta a renda e reduz o consumo das famílias por duas vias, segundo o professor. De um lado, os produtos que elas costumavam comprar ficam mais caros. De outro, os gastos dentro de casa – para tomar banho, por exemplo – também sobem. “O consumidor é espremido por dois lados.”
Silber reforça que a inflação deve encerrar 2021 em torno de 7%, “absolutamente fora da meta”, cujo centro é 3,75%. Diante disso, o Banco Central sobe os juros, mas a política monetária tem uma defasagem de seis a nove meses, lembra. “O impacto vai pegar mais para o fim do ano e em cheio em 2022, o que vai comprometer o crescimento um pouco deste ano e muito no ano que vem”, diz. “Eu já estou cravando uma recessão para 2022”, afirma Silber, mencionando uma queda de 1% a 1,5% do PIB no ano que vem. “Eu não descartaria isso neste momento.”
O desemprego “até que deu uma melhoradinha agora”, diz o professor, mas deve continuar elevado e, com a inflação alta, o poder aquisitivo do brasileiro diminui. E a perspectiva é que, mesmo com a atuação do BC, a inflação fique acima da meta também em 2022, diz Silber, estimando algo entre 4% e 4,5%, contra uma meta centrada em 3,5%.
Uma das principais razões para a inflação ainda fora da meta, segundo o professor, é o fato de 2022 ser ano eleitoral. “Ano par é complicado. E dado o jeito como está andando a campanha, com uma truculência maluca, criam-se novos riscos, o investidor tende a fugir do Brasil. Isso vai bater no câmbio, que bate na inflação”, explica.
Sobre a situação fiscal do país, Silber avalia que ela está “muito mal equacionada” porque o Ministério da Economia – e, especificamente, o ministro Paulo Guedes – “está com uma autoridade muito esvaziada”, afirma. “As medidas que ele se propõe a fazer, a bem da verdade, viraram uma espécie de ‘ouro de tolo’”, diz o professor, mencionando as privatizações e a abertura comercial.
Ele lembra também das diversas baixas na equipe econômica de Guedes e diz que parece haver um “gabinete paralelo” de economia orientando o presidente Jair Bolsonaro. “Isso faz a política macroeconômica mais idiossincrática.”
Além disso, no meio do caminho, diz o professor, aparecem “algumas barbeiragens” que assustam o mercado financeiro, cuja “caixa de ressonância” para risco é o câmbio. “No dia em que, de maneira intempestiva, dizem que vão parcelar precatórios, cria uma insegurança jurídica e dá um primeiro sinal de que pode ser calote”, exemplifica Silber.
Ele cita ainda incertezas a respeito de como se dará a expansão do novo Bolsa Família e de onde virão os recursos. “Tem que definir o mais rápido possível”, afirma. Juntando a parte fiscal ao “comportamento mercurial” do presidente Bolsonaro, como define Silber, fica difícil “vir algum sinal de equilíbrio”, avalia o professor. “O que pode vir é muito mais tentar viabilizar a candidatura do presidente usando algum artifício para burlar a emenda constitucional do teto de gastos”, afirma.
Enquanto isso, o BC precisa ficar “correndo atrás da inflação”, e a política monetária, segundo Silber, “tem que ser muito dura para segurar o dólar”. “À medida que se perceba que pode haver uma ruptura institucional ou que as contas do governo não fecham, tem uma chance grande de a taxa de câmbio ir para um patamar bem mais elevado do que está rodando hoje.”
Valor
País vai na contramão global e tem o 40º pior desempenho no período
Maior parte das grandes economias registra crescimento do PIB no segundo trimestre
O Brasil foi na contramão da maior parte da economia global no segundo trimestre, com a queda de 0,1% em relação aos três primeiros meses de 2021. O resultado brasileiro foi o 40º pior em uma lista de 51 países que já divulgaram seu desempenho de abril a junho (na comparação com os três meses imediatamente anteriores).
É preciso, porém, fazer a ressalva de que alguns países que tiveram crescimento mais forte no segundo trimestre vieram de resultados péssimos nos primeiros três meses deste ano, em razão, principalmente, de medidas tomadas para tentar controlar a pandemia. São os casos, por exemplo, de Portugal, que cresceu 4,9% em relação ao primeiro trimestre (quando teve queda de 3,2%), e do Reino Unido – alta de 4,8% de abril a junho, ante recuo de 1,6% nos três meses anteriores.
O Brasil havia crescido 1,2% de janeiro a março e teve altas expressivas no segundo semestre de 2020: 7,7% no terceiro trimestre e 3,1% nos três meses seguintes. Se a comparação tem início no primeiro trimestre do ano passado, as grandes economias europeias estão, de modo geral, todas no vermelho, com quedas superiores até a 6% no acumulado desde o começo da pandemia. O cenário de alta mais forte após uma queda nos três meses imediatamente anteriores, porém, não é a realidade para todos os países, inclusive para aqueles que registraram as maiores expansões no segundo trimestre deste ano.
A Estônia, por exemplo, que teve alta de 4,3% de abril a junho, está com quatro trimestres consecutivos de crescimento. O mesmo acontece com a Hungria, que obteve alta de 2,7%. Esses dois países, não por acaso, estão entre os que registram crescimento econômico no acumulado desde o primeiro trimestre do ano passado
Outras grandes economias emergentes tiveram resultados melhores que o brasileiro. A Indonésia cresceu 3,3%, a China, 1,3%, a Arábia Saudita, 1,1%, e a Turquia, 0,9%, por exemplo. A Austrália, que não é emergente, mas que assim como o Brasil é um importante exportador de commodities, teve avanço de 0,7% no período.
Na comparação com os latino-americanos, o Brasil também ficou para trás. O México registrou alta de 1,5%, no quarto trimestre consecutivo de alta para segunda maior economia da América Latina – o PIB mexicano, porém recuou 8,2% em 2020, ante queda de 4,1% do brasileiro. O Chile teve crescimento de 1% no segundo trimestre, e a economia peruana ficou estagnada. A Colômbia, com queda de 2,4%, teve o pior resultado da economia global no período entre os países que já divulgaram seus desempenhos.
Os Estados Unidos, maior PIB global, cresceram 1,6% na comparação com os primeiros três meses deste ano, ritmo igual ao da Alemanha, a principal economia da Europa. Japão e Coreia do Sul, duas das mais importantes economias asiáticas, tiveram resultados mais modestos: altas de 0,3% e 0,7%, respectivamente. A expectativa do Fundo Monetário Internacional (FMI) é que a economia global cresça 6% neste ano, com o avanço da vacinação. Para o ano que vem, a aposta do Fundo é de alta de 4,9%.
Valor
Pode ser que haja racionamento de energia no país, admite Mourão
Declaração do vice-presidente contraria posicionamento do Ministério das Minas e Energia
O vice-presidente da República, Hamilton Mourão, admitiu ontem que “pode ser que tenha que ocorrer algum racionamento” de energia no país, como reflexo da crise hídrica. A declaração vai na contramão do posicionamento do ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque. Em entrevista à TV CNN, pouco antes da declaração de Mourão, o ministro afirmara que “a possibilidade de racionamento é zero”. Embora não atue efetivamente na gestão da crise, Mourão opinou que o governo está adotando as providências necessárias para evitar apagão, mas não descartou a possibilidade de se exigir limitação de consumo.
“O que tenho acompanhado é que o governo tomou as medidas necessárias e criou uma comissão para acompanhar e tomar decisões a tempo e a hora, no sentido de impedir que haja apagão. Agora, pode ser que tenha que ocorrer algum racionamento, o próprio ministro falou aí”, disse.
Na terça-feira, em pronunciamento em rede de rádio e TV, Albuquerque pontuou que a crise se agravara e que “para aumentar a segurança energética e afastar o risco de falta de energia no horário de maior consumo é necessário que a administração e o consumidor participem de um esforço inadiável de redução do consumo”.
O ministro evitou rechaçar a possibilidade de racionamento. Mas, ao falar à CNN, foi mais enfático em afastar essa possibilidade. Na coletiva, Mourão elencou medidas implementadas pelo governo com objetivo de amenizar o quadro e reforçou o pedido de “dosagem” no consumo à população. Na linha do que especialistas já têm alertado, o vice lembrou que a crise deverá ter reflexos ainda nos próximos anos.
“A maior parte do uso da água é para a agropecuária. O consumo humano é menor parte, a outra é geração de energia. Tem que haver uma dosagem nisso aí, né? É algo que nós vamos ter que enfrentar nos próximos anos, na minha visão, enquanto não houver uma recuperação plena dos nossos reservatórios”, acrescentou Mourão.
Questionado se a mobilização do governo para enfrentar a crise hídrica não estaria atrasada, o vice- presidente da República emendou: “Os decisores tinham todos os dados disponíveis e se não tomaram uma decisão antes na análise de risco que fizeram, não era o caso. Eu vejo dessa forma”.
As manifestações ocorreram no dia seguinte ao anúncio da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) sobre adoção emergencial de uma bandeira tarifária ainda mais cara que as outras faixas já existentes. A nova taxa extra, de R$ 14,20 pelo consumo de 100 kWh, terá vigência de 1º de setembro de 2021 a 30 de abril de 2022. Antes da criação da nova faixa estava vigorando a bandeira vermelha 2, de R$ 9,492.
Folha de SP
Na mesma, PIB ainda despiora, volta a 2019 e deixa o povo para trás, sem emprego e renda
Investimento cai; falta de renda e poupança por precaução seguram recuperação
A economia brasileira não cresceu nada no segundo trimestre, em relação ao primeiro. No número exato, caiu um tico, 0,054%, o que continua a ser nada. Isso mexe com aquelas estimativas de que o país cresceria perto de 5% neste 2021? Não. Mas onde está, estará ou estaria esse crescimento?
Trata-se de uma recuperação das perdas de 2020, quase apenas isso, embora mais rápida do que se esperava até fins do ano passado. É uma despiora, de resto horrível em termos sociais: a recuperação do PIB continua desigual e não aparece em consumo, salários, emprego. Na média dos PIBs trimestrais, 2021 vai ser bem melhor do que 2020 e mais ou menos igual a 2019.
O PIB do segundo trimestre foi um pouco pior do que a estimativa média dos economistas que trabalham na finança, “o mercado”. O que houve? Não houve grande coisa, francamente.
Basicamente, de mais importante na numeralha trimestral, o investimento em novas instalações produtivas, casas, equipamentos, máquinas etc. (em “capital fixo”) caiu além da conta (e a economia parou de “investir” em estoques, o tinha engordado o PIB do primeiro trimestre).
O dito “consumo das famílias” (consumo privado) ficou estagnado (todas essas comparações são com o primeiro trimestre). Esperava-se alguma alta, pois as restrições sanitárias oficiais diminuíram, embora o segundo trimestre tenha sido de recorde de mortes por Covid-19. Nos últimos quatro trimestres, o PIB cresceu 1,8%. O consumo privado caiu 0,4%.
O PIB trimestral já voltou ao nível anterior ao da epidemia. Mas, por exemplo, o número de pessoas ocupadas e a massa (soma) dos rendimentos do trabalho ainda não. O número de pessoas ocupadas no segundo trimestre deste ano é ainda inferior ao do segundo trimestre de 2019 (-6%). A massa de rendimentos também está cerca de 6% abaixo do que se registrava em meados de 2019.
Em resumo, os números mais gerais do PIB indicam que quem tem dinheiro não gasta ou não investe tanto (em novas atividades e bens de produção, em “capital fixo”); um monte de gente perdeu renda ou não tem nenhuma. A confiança dos consumidores anda em nível bem abaixo do ânimo dos empresários.
Essa é a história principal do PIB. Grosso modo, o país não está “gastando”, por precaução ou penúria. Uns têm medo do futuro; outros não têm presente.
No mais, ainda dá para crescer, “despiorar”, algo perto de 5%. Isto é, se não houver colapso do fornecimento de energia, se Jair Bolsonaro e Paulo Guedes não destruírem o que sobra da economia, se não houver repique da epidemia ou tumulto político ainda maior. Se a economia não crescer nada, trimestre ante trimestre, até o final do ano, o PIB ainda aumenta 4,9% em 2021: é despiora, crescimento a partir do buraco deixado pela ruína de 2020. A reabertura do setor de serviços, o ritmo ainda forte da economia mundial e o preço das commodities devem ajudar.
No entanto, em termos políticos e trocando em miúdos, o desempenho da economia até agora não refresca em nada a desgraça social que solapa a popularidade de Bolsonaro: os pobres estão mais pobres por falta de renda, de resto carcomida pela inflação. Mas, até o final do ano, mantidas as atuais perspectivas de crescimento, um tanto mais de gente vai sair do sufoco.
Quando se considera o PIB da perspectiva da produção, a agricultura encolheu no segundo trimestre. Mas isso não é lá muito importante, no quadro geral. Estamos falando aqui de décimos de porcentagem aqui (de um décimo, aliás). A indústria de transformação (“fábricas”) foi mal, pois falta matéria-prima, insumos, como nas montadoras, e os custos de produção estão em alta.
Enfim, seria importante prestar atenção à taxa de poupança da economia em geral: chegou a 20,9% do PIB, a maior deste século, e bem maior que a taxa de investimento (em novas atividades e bens de produção).
Estadão
O 7 de Setembro e o burro
William Waack
Diante dos olhos das principais elites da economia brasileira Jair Bolsonaro repete uma conhecida trajetória. De mal menor, está virando aos olhos dessas elites o pior dos males. O mesmo aconteceu com Fernando Collor e Dilma Rousseff.
Há importantes diferenças no comportamento dessas elites que, em parte, espelham a perda de coesão institucional e o esgarçamento do tecido social brasileiro, além da forte regionalização da nossa política. Refletem também a alteração dos “pesos relativos” no PIB e na política entre indústria, agroindústria, setor financeiro e varejo. E diferentes mentalidades, que impedem o surgimento de lideranças e ações comuns. Ninguém mais fala pelo “todo” das elites econômicas.
Quando se examina as posturas políticas desses grupos de dirigentes essas diferenças separam a grosso modo os segmentos que são mais “abertos” daqueles “mais fechados” em relação ao mundo lá fora. Os mais dependentes ou integrados nas grandes cadeias produtivas globais, de capital intensivo, orientados para inovação tecnológica e atrelados ao comércio exterior e aos grandes fluxos de investimento foram, por exemplo, os que abateram os ministros bolsonaristas das Relações Exteriores e Meio Ambiente.
É importante notar que nesses grupos a oposição ao governo não se deu simplesmente por ser considerado “ruim para os negócios” (caso claro do moderno setor do agro). A forte rejeição a Jair Bolsonaro facilmente detectável nesses segmentos vem de uma visão de mundo – portanto, ideológica – para a qual o presidente simboliza o contrário dos princípios fundamentais de uma sociedade aberta, tolerante e liberal no sentido europeu da palavra. Foi nessas áreas que mais rápido Bolsonaro trafegou da condição de personagem político “tolerável” à de “insuportável”.
Ele foi salvo até aqui de um destino parecido ao de seus ministros defenestrados por uma característica comum ao empresariado (desculpem a generalização, sempre perigosa): o profundo temor de se meter em política. Quando isso acontece (meter-se em política) a causa costuma ser a defesa dos próprios interesses setoriais e negócios, e só em casos excepcionais é o resultado de uma ação coletiva em torno de princípios gerais ou projetos nacionais. “Política” é vista, não sem motivos, como coisa suja por definição.
O perigo para Bolsonaro é quando a excepcionalidade da ação por motivação “ideológica” se junta à noção no empresariado de que está tudo muito ruim para os negócios, as perspectivas não parecem que vão melhorar, os problemas aumentam, diminuem esperanças de dias melhores a curto prazo, vão subir inflação, juros e os impostos, fora os custos e as despesas. E a imprevisibilidade do triste ambiente de insegurança jurídica se agrava com pandemia, crise hídrica e, para culminar, instabilidade política trazida pela incessante crise institucional.
O “tipping point” (ou palha que quebra o lombo do burro) é o momento em que o receio da severa turbulência causada por um processo de impeachment é menor do que a certeza de que com Bolsonaro vai tudo só ficar pior, e que não dá para aguentar até as distantes eleições do ano que vem, pois a velocidade e profundidade da crise encurtaram drasticamente os horizontes de tempo. É o momento no qual a crise brasileira se encontra.
As forças do centrão já dão demonstrações de que consideram Bolsonaro intragável, prejudicial aos próprios interesses (políticos e econômicos) o que não significa abraçar-se ao “outro lado”, ou seja, Lula. É um volátil processo político no qual os caciques do centrão confabulam com setores dirigentes da economia e vice-versa. Não surgiu ainda dessas conversas, que estão se intensificando, se o melhor caminho para sanar a maluquice que emana do Planalto é acelerar um impeachment ou articular uma terceira via – à qual a turma do dinheiro está, sim, se dedicando.
Com o 7 de setembro Bolsonaro está se esforçando para ver quanto o burro aguenta.
Estadão
Adesão ao ‘bolsonarismo radical’ cresce nas PMs, diz pesquisa
Às vésperas das manifestações do 7 de Setembro convocadas pelo presidente Jair Bolsonaro, pesquisa feita pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostra que a adesão às teses mais extremistas do bolsonarismo aumentou 29% nas Polícias Militares, comparando o comportamento dos policiais em redes sociais neste ano com o que foi observado em 2020. A pesquisa constatou que o crescimento foi maior entre oficiais do que entre os praças.
Há uma semana, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), afastou o coronel Aleksander Lacerda do comando no interior do Estado após o oficial chamá-lo de “cepa indiana” e ofender ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e outros políticos, além de convocar publicamente os amigos para os atos do Dia da Independência. Tudo por meio de sua conta no Facebook.
Para se ter uma ideia do tamanho do fenômeno detectado pela pesquisa, basta comparar os números envolvendo a PM com os da população em geral. Ao todo, 27% dos PMs do País interagiram em redes sociais em 2021, compartilhando, comentando ou curtindo publicações de páginas do que a pesquisa chama de “bolsonarismo radical”, que pertencem a grupos ou pessoas declaradamente fãs ou militantes do presidente – e que atuam “independentemente do jogo político ou das instituições”.
Na população em geral esse número ficou em 17%. “Não estamos falando de manifestações cívicas, mas da defesa da prisão de ministros do Supremo, do fechamento do Congresso e de outras pautas ilegais”, disse ao Estadão o sociólogo e diretor-presidente do Fórum, Renato Sérgio de Lima.
Os dados da pesquisa foram coletados com base em informações de profissionais das polícias no Portal da Transparência do governo federal e dos Estados. Depois, os pesquisadores selecionaram uma amostra desses profissionais que fosse representativa dos efetivos das corporações e analisaram 651 usuários no Facebook e Instagram com cargos em instituições policiais. O nível de confiança da pesquisa é de 95% e a margem de erro é de 3%.
O levantamento mostra também que a influência bolsonarista está concentrada nas corporações militares. É relativamente baixa a adesão aos ambientes de apoio ao presidente da República na Polícia Civil (13% em 2021 ante 9% em 2020) e na Polícia Federal – 17% neste ano em comparação aos 13% em 2020.
Por outro lado, a pesquisa constatou que 23% do oficialato da PM participou de ambientes radicalizados do bolsonarismo em 2021. Esse número era de 17% em 2020 – um crescimento de 35%. Outros 21% dos oficiais interagiram com páginas consideradas de “políticos de direita, que estão dentro da institucionalidade do jogo político partidário”. É o que a pesquisa descreve como “bolsonarismo orgânico”. Somando-se os dois tipos – extremados e orgânicos –, 44% dos oficiais da ativa interagiram com ambientes bolsonaristas.
Entre os praças – soldados a subtenentes – a presença em ambientes radicais do bolsonarismo saltou de 25% para 30% e, no chamado bolsonarismo orgânico, esse número passou de 16% para 21%, ante o registrado em 2020. Pelos dados atualizados, portanto, na base das corporações 51% dos praças demonstram apreço às teses bolsonaristas e 49% não interagem com o movimento.
‘Minoria barulhenta’ – “Levando em consideração oficiais e praças, a maioria – 52% – não está interagindo. Mas a minoria barulhenta tenta cooptar o restante. Isso é reflexo do crescimento de 29% da presença de PMs nesses ambientes radicais. É preciso alertar para os riscos, pois há políticos que exploram sem pudor essa fissura que se abre em busca de palanque para reeleição”, afirmou Lima.
Para o diretor do Fórum, é preciso ter em conta que a interação de policiais militares com ambientes radicalizados do bolsonarismo se insere no contexto das manifestações do dia 7, nas quais parte do bolsonarismo quer defender o impeachment de ministros do Supremo, o fechamento do Congresso e a instalação de uma ditadura. Para tanto, esperam a presença maciça de militares da ativa e da reserva nos comícios que serão feitos pelo presidente São Paulo e em Brasília.
Divisão – A exemplo do que foi mostrado pela pesquisa, a Polícia Militar de São Paulo está dividida. A bancada de deputados estaduais e federais eleita em 2018 busca convocar os policiais da reserva e da ativa para o ato na Avenida Paulista, em São Paulo. Mas o entendimento da maioria dos coronéis da corporação e do Ministério Público é de que a presença de policiais na manifestação de caráter político-partidário não é permitida pelo regulamento disciplinar.
Organizadores da manifestação creditaram a presença de PMs na Avenida Paulista – ainda que desarmados e sem farda – a uma espécie de repúdio ao afastamento do coronel Aleksander. O problema é que a decisão de afastar o coronel foi assinada pelo comandante-geral, coronel Fernando Alencar, o que agravaria ainda mais a transgressão disciplinar dos que se dirigirem à manifestação. Os que defendem a ida ao ato alegam que os PMs têm direito à liberdade de expressão garantida pela Constituição.
“Querem ter o bônus de ser militar e o de ser civil ao mesmo tempo”, disse Lima. Uma crítica destacada por ele e por outros especialistas ouvidos pela reportagem, os policiais que adotam teses bolsonaristas querem ser tratados como militares diante da Reforma da Previdência, mas desejam ser civis quando devem obedecer o disposto pelo regulamento disciplinar.
Na tarde de desta quarta-feira, 1º, o tenente-coronel da reserva Paulo Ribeiro, de 58 anos, que trabalhou na Corregedoria da PM, gravou um vídeo alertando aos policiais que a presença no ato pode configurar não só transgressão disciplinar, mas também crime militar. Ribeiro disse ao Estadão que a convocação de PMs da ativa para o dia 7 de Setembro “esbarra em dois pontos: o aspecto legal e a capacidade de entendimento dos nossos policiais militares”. Para ele, “o bolsonarismo na PM é um leão desdentado e sem garras”. “Faz muito barulho sem a menor possibilidade de causar danos.”
Poder 360
Poder Data: Lula venceria Bolsonaro por 55% a 30% no 2ºturno
Vantagem do petista para o atual presidente sobe 5 pontos em 1 mês e volta ao nível mais alto
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ampliou a vantagem contra Jair Bolsonaro (sem partido) na corrida pelo Palácio do Planalto em 2022. Se as eleições fossem hoje, 55% votariam no petista em um eventual 2º turno, contra 30% que escolheriam o atual presidente. A distância de 25 p.p. é a maior até agora. O dado é de pesquisa PoderData realizada de 30 de agosto a 1º de setembro de 2021.
No levantamento anterior, realizado no início de agosto, a diferença era de 20 pontos. São 10% os que votariam em branco ou nulo e 5% os que disseram que não sabem. O resultado vem depois da peregrinação de Lula por cidades nordestinas em busca de alianças para 2022.
O Nordeste é a região brasileira em que Lula tem mais apoio, com 69% dos entrevistados da região que afirmaram que votariam no petista. Lula vence Jair Bolsonaro em todas as regiões do Brasil, com exceção do Sul, onde há um empate técnico, já que a diferença de 2 pontos percentuais fica dentro da margem de erro da pesquisa.
Esta pesquisa foi realizada no período de 30 de agosto a 1º de setembro de 2021 pelo PoderData. Foram 2.500 entrevistas em 472 municípios nas 27 unidades da Federação. A margem de erro é de 2 pontos percentuais, para mais ou para menos. Para chegar a 2.500 entrevistas que preencham proporcionalmente (conforme aparecem na sociedade) os grupos por sexo, idade, renda, escolaridade e localização geográfica, o PoderData faz dezenas de milhares de telefonemas. Muitas vezes, mais de 100 mil ligações até que sejam encontrados os entrevistados que representem de forma fiel o conjunto da população.
CENÁRIOS COM JOÃO DORIA
vantagem do tucano contra o atual presidente diminuiu desde a última pesquisa. O governador de São Paulo estava 10 pontos percentuais à frente, e agora está 7. São 22% os que votariam em branco ou nulo e 7% os que dizem não saber. Em um 2º turno entre o governador de São Paulo e Lula, o ex-presidente tem uma ampla vantagem de 32 pontos percentuais. O petista fica com 50% dos votos, enquanto Doria leva 18%. No levantamento anterior, a diferença era de 29 pontos. Agora, são 24% os que votariam em branco ou nulo, e 8% os que não sabem.
CIRO E DATENA
Em um cenário entre o atual presidente e Ciro Gomes (PDT) ou Datena (PSL), haveria empate técnico. A diferença é de 4 pontos percentuais contra o pedetista O Poder360 utiliza cookies para garantir a melhor experiência a seus usuários. e de 1 ponto contra o apresentador. Já em uma possível disputa entre Lula e Datena, o ex-presidente levaria a Presidência com folga. A diferença entre os candidatos é de 37 pontos percentuais. São 22% os que votariam em branco ou nulo e 7% os que não sabem.
O PoderData é a única empresa de pesquisas no Brasil que vai a campo a cada 15 dias desde abril de 2020. Tem coletado um minucioso acervo de dados sobre como o brasileiro está reagindo à pandemia de coronavírus. Num ambiente em que a política vive em tempo real por causa da força da internet e das redes sociais, a conjuntura muda com muita velocidade.
Folha de SP
Se você quer paz, se prepare para a guerra, diz Bolsonaro às vésperas de atos do 7 de Setembro
Em evento da Marinha no Rio de Janeiro, presidente afirma que com flores não se ganha a guerra
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) afirmou nesta quarta-feira (1), em evento da Marinha no Rio de Janeiro, que, para se ter paz, é preciso se preparar para a guerra. “Com flores não se ganha a guerra. Se você fala de armamento (…) Se você quer paz, se prepare para a guerra”, disse.
A fala de Bolsonaro ocorreu após a entrega de uma medalha para o boxeador Hebert Conceição, que ganhou o ouro nos Jogos Olímpicos de Tóquio. “Enfia a porrada, Hebert!”, afirmou o presidente.
Bolsonaro deu a declaração a sete dias dos protestos de raiz golpista e de pautas autoritárias em seu favor que estão marcados para o feriado de 7 de Setembro na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, e na avenida Paulista, em São Paulo. O presidente prometeu comparecer e discursar nos dois atos.
Nesses protestos, Bolsonaro espera contar com milhares de apoiadores para ganhar fôlego em meio a uma crise institucional provocada por ele mesmo, além das crises sanitária, econômica e social no país.
Isolado, Bolsonaro perde apoio nas classes política e empresarial, além de aparecer distante do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em diferentes pesquisas de opinião sobre a corrida eleitoral de 2022.
Bolsonaro foi ao Rio de Janeiro para participar de solenidade de entrega da Medalha Mérito Desportivo Militar no Cefan (Centro de Educação Física Almirante Adalberto Nunes) da Marinha, na zona norte da cidade. Foram homenageados cinco atletas militares medalhistas que disputaram as Olimpíadas de Tóquio.
O presidente esteve acompanhado dos ministros Walter Braga Netto (Defesa), João Roma (Cidadania) e Onyx Lorenzoni (Trabalho e Previdência).
Em rápido discurso, Bolsonaro também disse que, desde o primeiro dia da pandemia, nunca deixou de “estar no meio do povo”. Omitiu, porém, que provocou aglomerações em série e ignorou as mais básicas recomendações sanitárias, como usar máscara, por exemplo. Bolsonaro ainda afirmou que “tinha que saber como se sentiam” os milhões de trabalhadores informais que foram obrigados a ficar dentro de casa.
Em entrevista à imprensa após o evento, Hebert afirmou que a medalha pessoal recebida de Bolsonaro tem os dizeres “Clube Bolsonaro: imorrível, incomível e imbrochável” —adjetivos comumente utilizados pelo presidente para se autoelogiar. O atleta também disse que é uma “honra imensa” ter sido reconhecido pelo presidente na cerimônia.
Um dia antes, em meio a um cenário de recrudescimento da crise institucional entre os Poderes e da escalada de discursos de cunho autoritário, Bolsonaro afirmou que a população brasileira nunca teve uma oportunidade como a que terá com os atos do próximo dia 7 de Setembro .
O presidente, porém, não deu detalhes sobre qual seria essa oportunidade e para fazer o que exatamente no feriado. As declarações foram dadas em Uberlândia (MG). “A vida se faz de desafios. Sem desafios a vida não tem graça. As oportunidades aparecem. Nunca outra oportunidade para o povo brasileiro foi tão importante ou será importante quanto esse nosso próximo 7 de Setembro”, afirmou o presidente em discurso de improviso no interior mineiro.
Mais tarde, depois de participar de uma motociata pelas ruas de Uberlândia, Bolsonaro fez um novo discurso no qual citou que os três Poderes devem se submeter à vontade da população. “Vocês que devem dar o norte para todos nós que estamos em Brasília. E esse norte será dado com muito mais ênfase, com muito mais força no próximo dia 7 [de Setembro]”, disse o presidente.
Em seguida, ele classificou os protestos da próxima semana como um momento ímpar, no qual ele e seus apoiadores dariam “um recado para o Brasil e para o mundo, dizendo para onde esse país irá”. “Creio que chegou a hora, de nós, no dia 7 [de Setembro], nos tornarmos independentes para valer. E dizer que não aceitamos que uma ou outra pessoa em Brasília queira impor a sua vontade. A vontade que vale é a vontade de todos vocês”, afirmou o presidente.
Ao final do discurso, apoiadores gritaram “eu autorizo”. O discurso foi feito em cima de um trio elétrico em clima de comício. Bolsonaro estava cercado de apoiadores, e as caixas de som tocavam jingles da campanha eleitoral de 2018.
DECLARAÇÕES DE BOLSONARO NOS ÚLTIMOS DIAS
“Com flores não se ganha a guerra. Se você fala de armamento (…) Se você quer paz, se prepare para a guerra”
Em evento da Marinha no Rio, em 1º.set
“Nunca outra oportunidade para o povo brasileiro foi tão importante ou será importante quanto esse nosso próximo 7 de Setembro”
Em discurso em Uberlândia (MG), em 31.ago
“Essa [manifestação] agora, a grande pauta vai ser a liberdade de expressão. Não pode uma pessoa do STF e uma do TSE se arvorarem agora como as donas do mundo e que tudo decidem no tocante a esse ponto, liberdade de expressão”
Durante entrevista a rádio de Goiás, em 30.ago
“Temos um presidente que não deseja nem provoca rupturas, mas tudo tem um limite em nossa vida. Não podemos continuar convivendo com isso”
Durante evento na Assembleia de Deus, em Goiânia, em 28.ago
“Tem que todo mundo comprar fuzil, pô. Povo armado jamais será escravizado”
Em interação com apoiadores, no Alvorada, em 27.ago
Folha de SP (Tendências e Debates)
O fardo que a Folha precisa carregar
Apego circunstancial a uma tese parece mais forte que respeito à decisão judicial
Marco Aurélio de Carvalho – Advogado especializado em direito público, sócio-fundador da ABJD (Associação Brasileira de Juristas pela Democracia) e coordenador do Grupo Prerrogativas
Celso Antônio Bandeira de Mello – Jurista e professor emérito da PUC-SP
Weida Zancaner – Jurista, professora universitária e patrona do Grupo Prerrogativas
Em editorial publicado no dia 26 de agosto, sob o título “O fardo de Lula”, a Folha afirma que, apesar de absolvido pela Justiça, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ainda deve explicações à sociedade. Na visão do jornal, a Justiça não teria examinado o mérito das acusações infundadas contra o ex-presidente, limitando-se a aspectos processuais. Além de não corresponder à verdade dos autos, tal visão inverte a lógica da presunção de inocência consagrada na Constituição Federal.
Lula foi absolvido em 17 processos, depois de ter sua vida e a de seus familiares literalmente revirada. Alguns desses processos foram rejeitados porque a denúncia não trazia a correspondente e necessária justa causa. Outros foram encerrados porque os acusadores não demonstraram crime algum, e a defesa provou a inocência. E outros tantos foram anulados ao se demonstrar que o juiz que os conduzia era parcial e queria, a qualquer custo, condenar em vez de julgar.
Cabem algumas correções. No dia 21 de agosto, a juíza Pollyanna Martins Alves, de Brasília, rejeitou denúncia do Ministério Público Federal contra Lula para reabrir o “caso do sítio de Atibaia”.
Diferentemente do que diz a Folha, a Justiça enfrentou, sim, o ponto central da denúncia: a prova. Em percuciente análise, a juíza deixou claro que o MPF não apresentou uma prova lícita sequer suficiente à inauguração de uma ação penal. Por isso, rejeitou a denúncia.
Levantar suspeitas diante de uma sentença de absolvição tão bem fundamentada emite um sinal extremamente preocupante.
Em primeiro lugar, sugere que o apego circunstancial a uma tese parece ser mais forte do que o respeito à decisão judicial. Além disso, escancara incoerências e fantasmas que a própria mídia precisa enfrentar. Afinal, o mesmo sistema judicial, tão celebrado quando condenou, agora que absolve é posto em dúvida. Independentemente de crenças individuais, a Justiça precisa valer para todos.
Em outro ponto, a Folha mostra-se surpresa com a decisão do Supremo Tribunal Federal que anulou as ações contra Lula. É de se perguntar qual é a surpresa. A parcialidade e a incompetência de Sergio Moro na condução das ações já foram cabalmente demonstradas: na condução coercitiva ilegal; no grampo dos advogados e da presidenta da República; nos vazamentos politicamente selecionados; e na jurisdição fabricada artificialmente para levar o caso para Curitiba. Tais processos começaram pelo fim. O juiz atirou as flechas e depois pintou os alvos.
As conversas entre Moro e os procuradores, algumas reveladas pela Folha, inclusive, contam pelas vozes de seus protagonistas a história de uma implacável caçada e não de um julgamento.
Ao examinar a conduta do ex-juiz, o Supremo reacreditou nosso sistema de Justiça e recuperou parte da credibilidade perdida com o avançado processo de politização do Judiciário e de judicialização da política. Reafirmou que todo acusado tem direito a um juiz imparcial e independente e não a um cúmplice da acusação.
A parcialidade criminosa de Moro em relação a Lula nos trouxe aos bicudos dias de hoje. O ex-juiz tirou das últimas eleições presidenciais o seu franco favorito, beneficiando o candidato que depois passaria a servir na condição de ministro da Justiça, enquanto aguardava a prometida indicação para o Supremo. Nada mais grave e desprezível.
O jornal não enfrenta esses fatos, como não enfrenta as consequências da prisão injusta e injustificada de um cidadão sabidamente inocente por inacreditáveis 580 dias. Para tanto, teria de rever sua parcela de responsabilidade histórica. Deveria assumir que o bolsonarismo é filho legítimo do lavajatismo.
A Folha conclui falando em “um fardo pesado para um candidato”. A realidade é que tentaram lançar sobre as costas de Lula o peso das mazelas do Brasil. Esse fardo, felizmente, fica mais leve a cada nova decisão judicial em seu favor.
Ao insistir em tratar como culpado quem já foi declarado inocente, o jornal coloca em risco a credibilidade do nosso sistema de Justiça e a nós todos. Ignorar a lei para um é ignorar para todos. É este o fardo que a Folha precisa carregar.
As democracias murcham por muitas razões, e o desrespeito pelas instituições é uma das mais fortes.
Fica o alerta!
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