Clipping 28 de junho de 2021
Manchetes
Há esquemas na saúde, diz deputado (Folha de SP)
Intermediária da Covaxin prosperou sob Bolsonaro (Estadão)
Cinco maiores estatais cortam 25% do quadro (O Globo)
Para combater a covid, cidades elevam gasto com saúde em 11% (Valor)
Automotive Business
Volkswagen anuncia investimentos no Paraná
Montadora vai destinar R$ 5,6 milhões para projetos de qualificação profissional e na área de saúde
A Volkswagen anunciou nesta sexta-feira, 25, que vai investir R$ 5,6 milhões em parceria com o governo do Paraná em três projetos nas áreas da saúde e qualificação profissional. Segundo o acordo assinado, serão destinados R$ 2 milhões ao projeto Hospital Digital, do Complexo de Saúde Erasto Gaertner; R$ 850 mil para elaboração do projeto da construção do Hospital Regional de Colombo, na região metropolitana de Curitiba; e mais R$ 2,84 milhões para a retomada das Carretas do Conhecimento Digital,um programa de capacitação profissional intinerante.
“Novas demandas nas áreas da saúde e qualificação profissional surgiram devido à pandemia. Na saúde, entendemos ser primordial o incentivo à digitalização, proporcionando aos pacientes maior praticidade, conveniência e comodidade. Também consideramos importante oferecer oportunidades de qualificação profissional para que a população paranaense esteja ainda mais preparada para o mercado de trabalho”, afirmou Pablo Di Si, presidente e CEO da Volkswagen América Latina.
O governador do Paraná, Carlos Massa Ratinho Junior (PSD), disse que a Volkswagen mantém com o governo diversas parcerias que ajudam a desenvolver o Estado. “São ações em diferentes áreas, como essas na saúde que vão permitir que o Hospital Erasto Gaertner, referência para o País no tratamento do câncer, avance tecnologicamente e que Colombo, uma das mais populosas cidades do Paraná, ganhe um hospital novo e moderno”, comentou ele.
O projeto Carretas do Conhecimento é fruto de uma parceria entre VW, governo estadual, SENAI-PR e Fundação Grupo Volkswagen, que destinou no início do ano 1.692 vagas gratuitas para cursos de qualificação profissional, em 30 localidades do Paraná. São caminhões que funcionam como escolas móveis, equipadas com laboratórios, oficinas e salas de aula.
Por causa da pandemia, as aulas são realizadas de forma semipresencial e incluem a entrega de chips 4G para os alunos. A previsão é abrir mais vagas em novas regiões no segundo semestre. A viabilização dos projetos é resultado das contrapartidas do protocolo de intenções firmado entre a Volkswagen e o governo do Paraná em 2013, dentro do programa Paraná Competitivo.
Automotive Business
Toyota é a marca que mais cresceu em 2021
Com um aumento de 52%, montadora foi a que mais ganhou mercado entre as 10 maiores. Ford foi a que mais caiu, seguida pela GM
Um crescimento de vendas de 50% em menos de seis meses é motivo de comemoração para qualquer empresa, mas para as montadoras, que estão sendo assombradas pelo fantasma da falta de semicondutores, é um número impressionante. Pois este é o caso da Toyota, que foi a marca que mais ganhou mercado no Brasil neste ano, com 52,1% de aumento nas vendas.
Comparando as vendas das 10 maiores marcas em janeiro em relação a maio deste ano, descobrimos que a maioria dos fabricantes até apresentou crescimento, mas nada tão expressivo quanto o de Toyota e Fiat, como revela o quadro abaixo. Por outro lado, General Motors e Ford só têm a lamentar.
Não é segredo para ninguém que a GM perdeu a liderança do mercado neste ano por causa da crise dos semicondutores. Sem componentes eletrônicos para produzir seus carros, a empresa hoje tem duas fábricas paradas. Gravataí (RS) está paralisada desde março, justamente onde são feitos seus campeões de vendas, Onix hatch e sedã. A previsão é retomar só em 16 de agosto.
A GM também suspendeu por seis semanas as atividades em São Caetano do Sul (SP), que fabrica Tracker, Spin, Montana e Onix Joy, devido em parte à falta de peças, em parte ao preparo da linha para chegada da nova picape da Chevrolet, que vai brigar com a Toro em 2022.
Os números mostram o resultado dessas paralisações: a GM, que vendeu 26.614 unidades em janeiro, passou a emplacar apenas 17.271 veículos em maio, o que equivale a uma queda de 35%. Apesar de expressiva, essa redução ainda é bem menor do que a da Ford.
Só que a queda da marca americana não tem a ver com a falta de peças, mas sim com o fechamento das suas fábricas no Brasil e, consequentemente, a descontinuação dos seus modelos mais vendidos, EcoSport e linha Ka, que representavam mais de 80% de seus emplamentos. Sem eles, a Ford caiu de 8.129 unidades em janeiro para 3.045 em maio, uma redução de 62,5%.
CRESCENDO NA CRISE
Sa crise é um problema para alguns, parece ser uma boa oportunidade para outros, especialmente Toyota e Fiat, que tiveram os maiores aumentos de participação nas vendas. Mas não quer dizer que elas não foram afetadas pela falta de semicondutores, apenas que souberem lidar melhor com a escassez.
A Toyota já comentou publicamente que poderia produzir 60% mais do SUV Corolla Cross não fosse pela crise. Por outro lado, ela conseguiu manter a produção que estava nos planos inicialmente. Os maiores responsáveis por esse sucesso foram principalmente o sedã Corolla, que cresceu 70% no período, e o Corolla Cross, que não havia sido lançado na época. A Fiat é outra marca que tem motivos para celebrar: cresceu 31,1% no período, bem à frente do aumento de 17,5% da Renault, o terceiro melhor número da lista. A montadora italiana é outra que precisou se adaptar à falta de peças: sua estratégia incluiu a busca por novos fornecedores, troca de materiais e frete por avião.
NO PELOTÃO DE BAIXO
Antes que alguém sinta falta de marcas que possam ter apresentado desempenho melhor no mercado, é bom lembrar que o ranking acima foi elaborado apenas com as 10 maiores fabricantes, a partir da compilação da evolução das marcas entre janeiro e maio. Montadoras menores até atingiram crescimentos superiores, mas também têm uma base muito pequena e qualquer variação gera um percentual maior.
É o caso da Citroën, que subiu de 810 unidades vendidas em janeiro para 1.906 em maio, o que significa um aumento de 135%. O mesmo também vale para a Peugeot, que ampliou seu mercado em 62,4%, ao saltar de 1.557 para 2.528 veículos. Para as empresas com menor volume de venda, é sempre mais fácil contornar a crise dos semicondutores, pois um lote pequeno de peças pode representar uma parte expressiva da produção.
Justiça deve ser feita à Caoa Chery, que não entrou na lista acima porque não estava no ranking dos 10 maiores de janeiro, mas entrou no de maio, justamente na 10ª posição, devido à queda da Ford. Como passou das 2.292 unidades de janeiro para as 3.186 unidades em maio, ela registrou um notável crescimento de 39%.
Automotive Business
JAC anuncia o 1º furgão elétrico de grande porte do Brasil
Modelo iEV750V chega às lojas em julho, com capacidade para até 1,54 tonelada; preço parte de R$ 387 mil
Após lançar a picape e um caminhão urbano (VUC), a JAC Motors vai ampliar sua linha de veículos comerciais leves totalmente elétricos com o furgão iEV750V. Com porte (e visual) semelhante ao da Mercedes Sprinter e capaz de transportar até 1,54 tonelada de carga e autonomia para 235 km (que pode chegar a 280 km com o modo Eco acionado), o modelo deve se destacar em operações de entrega urbana – especialmente em áreas de circulação restrita –, já que não emite gases poluentes e nem produz ruído.
De acordo com a representante da marca no País, o custo por quilômetro rodado do furgão elétrico é duas vezes e meia menor que o de um modelo equivalente com motor convencional. Além disso, o iEV750V apresenta a vantagem do torque imediato de 76,5 kgfm, além da potência de 163 cavalos. O compartimento de carga oferece 12,3 m³ de área.
Ainda segundo a empresa, o primeiro furgão 100% elétrico de grande porte do mercado nacional apresenta valor de manutenção seis vezes menor que o de um similar com motor a diesel, já que não possui câmbio, embreagem, bicos injetores, bomba de combustível, filtros e catalisador, entre outros componentes que necessitam ser substituídos com frequência. O furgão JAC iEV750V será vendido por R$ 386.990 ainda em junho, com as primeiras entregas ocorrendo no mês seguinte.
No segmento de furgões elétricos, a BYD domina o mercado, mas ela oferece opções que têm menor porte e capacidade de carga. O modelo BYD eT3 pode transportar até 720 kg e tem até 300 km de autonomia, de acordo com o fabricante.
Automotive Business
Renault fecha parceria com fabricante de semicondutores
Montadora vai se unir à STMicroelectronics para aperfeiçoar tecnologia de carros elétricos
O grupo francês Renault e o fabricante suíço de semicondutores STMicroelectronics anunciaram nesta sexta-feira, 25, uma parceria estratégica destinada ao desenvolvimento de projetos relacionados à tecnologia de veículos elétricos e híbridos.
Pelo acordo, as duas empresas vão trabalhar em conjunto “na concepção, desenvolvimento, produção e fornecimento, para o Renault Group, de produtos e sistemas da STMicroelectronics”. O objetivo da parceria é reduzir o custo dos carros elétricos em 30% e melhorar sua eficiência em 45%, ao conseguir reduzir a perda de potência, aumentar a autonomia e acelerar a recarga de veículos elétricos.
Os dois lados têm muito a ganhar com essa parceria. Enquanto a Renault terá um empresa que vai ajudá-la a aperfeiçoar (e baratear) a tecnologia do carro elétrico e suas baterias, a STMicroelectronics vai garantir uma demanda futura de módulos eletrônicos, a partir de 2026-2030, depois do fim da crise dos semicondutores.
“Esta parceria garante o futuro abastecimento de componentes-chave, que vão contribuir para a redução de 45% da perda de energia e diminuir em 30% o custo da motorização elétrica. Esta cooperação tecnológica vai nos ajudar a concretizar nossa ambição de democratizar os veículos elétricos, para que eles sejam tanto acessíveis como rentáveis”, comemorou Luca de Meo, CEO da Renault.
“A ST está na vanguarda do desenvolvimento de semicondutores de potência avançados, permitindo que o setor de mobilidade evolua para plataformas eletrificadas. Graças a produtos e soluções mais eficientes no plano energético, baseados em materiais de ponta como o carbeto de silício e o nitreto de gálio, vamos apoiar a estratégia do Renault Group dedicada à próxima geração de plataformas elétricas e híbridas”, explicou Jean-Marc Chéry, CEO da STMicroelectronics.
UOL
Pior da crise passou, mas desindustrialização não
Superintendente de economia da CNI diz que setor continua perdendo espaço no PIB do país
Oferta de mão de obra qualificada para indústria 4.0 é maior desafio do setor, diz Renato da Fonseca
Educação, reforma tributária e concessões de infraestrutura são prioritários para indústria recuperar competitividade, diz economista da CNI
A produção e o emprego na indústria estão melhorando, mas o setor ainda sofre. Quem faz esse diagnóstico é o superintendente de economia e economista-chefe da CNI (Confederação Nacional da Indústria), Renato da Fonseca, responsável pela avaliação e formulação de propostas de políticas econômicas da principal entidade industrial do país. Segundo ele, a indústria continua enfrentando problemas que vêm reduzindo o tamanho da atividade no PIB (Produto Interno Bruto) há mais de uma década.
Segundo a Sondagem Industrial realizada pela CNI com 1.951 empresas, o índice de produção na primeira quinzena de junho ficou em 52,8 pontos. Qualquer número acima de 50 pontos representa crescimento. Esse índice agora está 9,7 pontos acima de maio de 2020. Segundo o Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), no ano, até abril, a indústria acumula abertura de 247 mil vagas de emprego.
“Uma coisa é superar o pior momento da crise e podermos voltar à situação do pré-crise O problema é que no pré-crise, a indústria brasileira já não conseguia competir com o restante do mundo. A indústria brasileira de transformação, que já foi uma das dez maiores do mundo, é hoje a 16ª. E a crise pode ter acelerado algumas decisões, como a de algumas indústrias que deixaram o Brasil”
Em entrevista ao UOL, Fonseca afirma que o Brasil segue sofrendo pela desindustrialização. Segundo ele, enquanto a economia medida pelo PIB cresceu de 0,1% a 0,3% ao ano ao longo da última década, a indústria caiu anualmente 1,6%. Fonseca diz que a falta de profissionais qualificados para a chamada indústria 4.0, a indústria digital, é um dos principais obstáculos do setor e que isso passa por mais investimento do país em educação. Ele rebate a tese de que o emprego do futuro na indústria será majoritariamente de contratos intermitentes ou de terceirizados.
Veja abaixo os principais trechos da entrevista: UOL:
Alguns setores estão crescendo mesmo em meio à pandemia -como embalagens, logística, tecnologia. Esse movimento pode ser estrutural e continuará ocorrendo?
Renato da Fonseca: Dentro da indústria, alguns setores foram bem durante a crise porque o consumo não caiu, como o setor de não duráveis -alimentos, higiene, limpeza, farmacêuticos e embalagens. Também os setores ligados à exportação, como o de minérios e agropecuário passaram pela crise de forma suave porque a demanda internacional voltou mais rapidamente, com a Ásia saindo da pandemia mais rapidamente. Mas ainda é muito pouco para avaliar que teremos uma mudança estrutural. Se a gente olhar o volume de compras online, ainda é muito baixo.
Há alguns impactos em algumas estruturas, como o de aluguéis para empresas. Vai ter impacto duradouro em alguns segmentos, como hotelaria de negócios, escritórios. Mas a maioria da indústria não. Também há setores perdendo espaço na indústria. Durante a pandemia, vimos decisões de algumas indústrias de deixarem o Brasil. Setores de bens de consumo duráveis e semiduráveis sofreram mais. Na crise, a gente não precisa de carro novo, eletrodomésticos novos, roupa nova. Após a queda do primeiro semestre de 2020, a indústria se recuperou no segundo semestre do ano. Mas, na retomada, a falta de insumos e de estoques, associada ao encarecimento das matérias-primas atingiu as margens da indústria.
Nesse movimento, podemos ver uma efetiva rotação de participação na indústria brasileira?
Na verdade, temos um movimento de enxugamento da indústria. Nos últimos dez anos, a indústria caiu 1,6% ao ano em média. Enquanto a economia cresceu de 0,1% a 0,3% ao ano, quase nada, a indústria caiu, 1,6%. A agropecuária cresceu 3,5% ao ano em média neste período.
Quais são os principais motivos disso?
Resumimos nossos problemas nesse termo chamado custo Brasil, que inclui dez temas, de educação à reforma tributária. Uma coisa é superar o pior momento da crise e podermos voltar à situação do pré-crise. O problema é que no pré-crise, a indústria brasileira já não conseguia competir com o restante do mundo. A indústria brasileira de transformação, que já foi uma das dez maiores do mundo, é hoje a 16ª. A crise pode ter acelerado algumas decisões, como a de algumas indústrias que deixaram o Brasil, como a Ford e a Sony.
Se esses problemas não forem atacados, vamos continuar tendo redução estrutural do emprego na indústria?
Se esses problemas não forem atacados, a redução da indústria vai continuar acontecendo. No mundo, é verdade que a indústria está perdendo espaço ante o setor de serviços. Mas a indústria é importante porque é o setor que puxa o restante. Para ter todos os serviços relacionados ao celular, por exemplo, é preciso ter o aparelho de celular. Eu até posso importar, mas deixo de criar empregos industriais, o que é mais grave no nosso caso porque o Brasil tem um grande mercado interno e muitos empregos para gerar.
Para ganhar competitividade, qual deverá ser o emprego que vai ganhar espaço na indústria?
Mão de obra qualificada. A grande questão é o nosso problema da educação. Cada vez que aumentamos a digitalização, precisamos de um profissional mais qualificado. A grande dificuldade é educação básica ruim. Você não consegue ensinar pessoas que não têm educação básica porque esse trabalhador tem dificuldade para ser mais criativo, para se desenvolver. O trabalhador precisa estar adaptado à indústria 4.0. E, se ele não teve qualificação, tem mais dificuldade para aprender e para se adaptar. E acaba desistindo.
Como serão esses contratos de trabalho? Houve um aumento dos contratos intermitentes ou da terceirização na indústria? Pode continuar?
A flexibilidade dos contratos de trabalho pode até ganhar espaço, mas algumas condições não devem mudar. Isso porque a capacitação do trabalhador também depende do interesse dele em se capacitar. E isso passa por uma relação de longo prazo entre o profissional e a empresa. Para uma empresa investir na capacitação de um trabalhador, ela precisa que esse profissional tenha motivações para seguir nela. Além da questão da educação, a legislação no Brasil também não incentiva o aumento de produtividade, da meritocracia. A legislação estimula a igualdade em situações desiguais. Pela lei, a pessoa no mesmo cargo precisa ter o mesmo salário. Isso desestimula a premiação aos que são mais produtivos.
Temos uma desindustrialização?
Sim, hoje é claro que estamos em um processo de desindustrialização dos países, seja pela participação no PIB, seja pela redução de setores que têm maior poder para puxar a economia. Desde 1995 já mostramos quais são os principais motivos do custo Brasil. Melhoramos alguns pontos, mas pouco e menos que outros países. Estamos numa corrida, então não basta melhorarmos, temos que ir mais rápido que outros. Entre as mudanças, a reforma tributária é uma delas.
A gente tenta fazer essa reforma há 30 anos. É verdade que ela nunca chegou tão próxima como agora. Também são fundamentais as regras do setor de infraestrutura para concessões de aeroportos, transportes, saneamento, para atrair investimentos. Precisamos melhorar nossa logística porque para competir no mundo, precisamos entregar nossos produtos nas datas combinadas. E a indústria não pode ter problemas porque a carga ficou parada na fila do porto antes de embarcar no navio. E precisamos desburocratizar as regras de comércio exterior, para facilitar as vendas e importações.
Se houver uma redução da indústria no PIB do país em termos relativos, qual o efeito disso para o país?
Um país com uma indústria menor costuma ter um percentual de pobreza maior porque o país não consegue crescer. Se não há uma indústria dinâmica, competindo e gerando novas oportunidades, não há desenvolvimento nem aumento de emprego e de renda. Sem indústria, há mais empregos, mas serão empregos não qualificados.
Folha de SP
Reforma do Imposto de Renda pode aumentar tributo para empresas
Alíquota para companhias na categoria lucro presumido subiria de 34% para 49%, dizem analistas
As mudanças no Imposto de Renda propostas na segunda parte da reforma tributária podem elevar os tributos pagos pelas empresas, afirmam contabilistas e advogados do setor. No caso das companhias da categoria de lucro presumido, a alíquota subiria de 34% para 49%. As alterações foram entregues na sexta-feira (25) à Câmara, pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.
A proposta fala em diminuir a alíquota do IRPJ (Imposto de Renda de Pessoas Jurídicas) de 25% para 20%, mantendo a taxa de 9% de CSLL (Contribuição Social sobre Lucro Líquido). Além disso, o governo também propôs tributar em 20% os lucros e dividendos –com uma isenção de até R$ 20 mil mensais para as micro e pequenas empresas.
Os dividendos são uma parte do lucro de uma empresa que é dividida entre seus acionistas —sejam eles pessoas físicas ou jurídicas. Com a nova cobrança sobre dividendos, considerando empresas do lucro presumido, por exemplo, a alíquota que antes era de 34% passaria a ser 49% tendo em vista a soma total de IRPJ, CSLL e o novo tributo sobre dividendos.
Segundo Eduardo Pugliese, sócio da Schneider, Pugliese, Sztokfisz, Figueiredo e Carvalho Advogados, é preciso cautela ao fazer a conta neste caso, uma vez que são rendimentos diferentes —a tributação do lucro acontece sobre a pessoa jurídica e a dos dividendos acontece sobre o acionista ou quotista da empresa.
“De qualquer forma, é importante dizer que essa reforma quer, efetivamente, majorar a arrecadação federal, mas também faz critérios de justiça interessantes, evitando abusos em planejamentos tributários, por exemplo. Mas é preciso tomar um pouco de cuidado. O IR precisa ser um tributo graduado de acordo com a capacidade tributária de cada um”, disse o executivo.
Em nota, a Receita Federal afirmou que o projeto propõe a volta da tributação sobre dividendos distribuídos aos sócios pela empresa e a redução da tributação dos lucros apurados por ela. “Deve-se destacar que a tributação dos lucros e a tributação dos dividendos são completamente distintas.
De um lado a empresa e de outro a pessoa física do sócio. O Projeto de Lei propõe a volta da tributação sobre dividendos distribuídos aos sócios pela empresa e a redução da tributação dos lucros apurados por ela”, afirmou a Receita. “A volta da tributação sobre dividendos é uma questão que vem sendo considerada há algum tempo, que se fundamenta em diversos argumentos econômicos e jurídicos que são suporte à proposição”, completou, em nota.
Para a sócia na área de tributário da TozziniFreire Advogados, Renata Emery, é preciso olhar os tributos de maneira agregada. “É preciso enxergar tudo de forma engoblada. Nunca olho apenas para a empresa, mas olho também para o sócio. Eu posso ter dez empresas em cadeia mas, na ponta, alguma hora, vai ter que ter uma pessoa física”, disse.
Segundo a Receita, quase todos os países adotam a tributação na distribuição dos dividendos, especialmente no caso de beneficiária pessoa física. Dentre os países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), só dois países adotam sistema semelhante ao do Brasil, ou seja, não tributam a distribuição de lucros ou dividendos. “A atual isenção concedida ao recebimento de dividendos tem gerado distorções jurídicas e econômicas além de uma percepção de tratamento tributário desigual face aos rendimentos do trabalho”, afirmou o Fisco.
Entre as outras medidas propostas que impactam diretamente pessoas jurídicas, a reforma entregue por Guedes também pretende pôr fim à dedução atualmente prevista para a distribuição de JCP (Juros sobre Capital Próprio), usado por empresas listadas na Bolsa de Valores. A distribuição de JCP é uma forma de a empresa remunerar seus acionistas. Atualmente, a companhia que distribui JCP pode abater essa despesa do IR, diminuindo o montante a ser pago como imposto. Com a nova proposta essa dedução deixa de existir.
Para Emery, a proposta tem diferentes impactos a depender do tamanho da empresa e até mesmo do setor no qual ela atua. “Tudo isso impacta muito nas operações societárias, no planejamento das empresas. Se essa proposta for aprovada como está hoje, vai ser uma mexida muito grande para as companhias e não tende a ser positiva”, disse.
Ainda segundo Emery, a proposta também traz um aumento de tributos através do aumento da base de impostos. “O texto traz algumas indedutibilidades [tira a possibilidade de dedução de alguns tópicos] e isso aumenta a base de imposto cobrado. As pessoas costumam olhar para a alíquota, mas ela é só um percentual sobre a base. Se a base cresceu, eu também estou pagando mais impostos”, completou a advogada da TozziniFreire Advogados.
Segundo a Receita, a previsão de indedutibilidade de alguns valores na apuração do lucro tributável tem o objetivo de aperfeiçoar a legislação tributária e corrigir distorções pois são deduções sem propósito econômico comprovado.
“Entende-se que as medidas propostas, ao reduzir a alíquota do imposto sobre a renda da pessoa jurídica e tributar a distribuição de dividendos, estimulam a eficiência econômica e alinham a legislação brasileira aos países mais desenvolvidos, o que gera um ambiente de negócios mais propício para ao investimento nacional, e estrangeiro, e à geração de empregos”, disse o órgão em nota.
A expectativa do governo é que a proposta seja aprovada o quanto antes e já comece a valer a partir do ano que vem. “Para mudar para o ano que vem, a proposta precisa passar ainda este ano”, disse o sócio da Candido Martins Advogados, Alamy Candido. “E para passar esse ano, o pessoal tem que rodar muito rápido. Para valer a partir do primeiro dia de janeiro, por exemplo, essa aprovação precisa acontecer até setembro, no máximo. Acho que ainda existe uma dificuldade política, mas vamos ver como as coisas vão caminhar”, completou.
Segundo a Receita, a expectativa é que as medidas entrem em vigor em 1º de janeiro de 2022. “Entretanto, sua aprovação depende do ritmo de votação do Congresso Nacional”, disse. Procurado, o Ministério da Economia não respondeu até a conclusão desta reportagem.
Valor
Ministério prepara testagem em massa
Ideia é realizar 20 milhões de testes, mas governo teme que iniciativa multiplique número de casos de covid
O Ministério da Saúde pretende inaugurar em julho o programa de testagem em massa da população. Coordenado pela nova secretária especial da Covid-19, Rosana Leite de Melo, o plano tem meta inicial de 20 milhões de testes e vai ser dividido em três frentes aplicação: empresas, residências e unidades de saúde. Apesar das expectativas positivas, também há receio com os possíveis efeitos políticos da medida. Isso porque a expansão dos testes terá como consequência natural um salto importante do número de casos positivos da doença, que bateram recorde diário na última semana.
Uma das novidades do programa é a chamada “busca ativa” de casos, por meio da qual grupos que ficam mais expostos à contaminação serão mapeados e submetidos a uma nova geração de testes rápidos, que apresentam o resultado em até 15 minutos. Diferente do modelo anterior, esse exame não é feito a partir de amostras de sangue, mas por meio da introdução do swab (ou cotonete) nas vias aéreas, de forma parecida com a usada com o já conhecido RT-PCR.
Segundo o Ministério da Saúde, a índice de acerto desse teste é de 99%. Serão alvo dessa modalidade de testagem grupos considerados mais vulneráveis, seja por conta da profissão ou dos lugares pelos quais circulam. Trabalhadores do transporte coletivo ou pessoas que frequentam diariamente ambientes como rodoviárias e aeroportos, por exemplo estão na lista. Empresas também serão incluídas.
No momento, as equipes técnicas do Ministério da Saúde estão finalizando o desenho dos protocolos que terão que ser adotados quando os exames rápidos detectarem casos positivos de covid-19. O documento deve estar pronto nos primeiros dias de julho. O plano também integra a construção de inquéritos epidemiológicos mais detalhados, ou “avaliação de soroprevalência”. A ideia é identificar de forma mais assertiva grupos de pessoas que já tenham os anticorpos neutralizantes ou totais contra o vírus. Isso será feito preferencialmente em domicílio, por meio de testes de sorologia – outra frente do plano do ministério.
O objetivo é ter maior clareza em relação ao nível de proteção da população, diante dos episódios de reinfecção e casos envolvendo pessoas que já foram vacinadas. Não são raros os relatos de pessoas que apresentam os anticorpos contra a covid19, mas eles não serem suficientes para proteger o organismo do avanço da doença. Apurados a partir de amostra de sangue, os resultados dos testes de sorologia levam 48 horas para ficarem prontos.
Para os casos sintomáticos, será ampliado o uso dos já conhecidos exames de RTPCR, disponíveis prioritariamente nas unidades de saúde para identificar com maior agilidade a doença em pessoas com os sintomas. A testagem em massa foi a estratégia utilizada nos países com melhores desempenhos no combate à pandemia, sendo a Coreia do Sul o caso mais emblemático.
Atualmente, o Brasil é um dos países que menos realiza testes no mundo, bem atrás de vizinhos como Chile e Argentina. O número de casos diários bateu recorde na última quarta-feira, com o registro de 115 mil diagnósticos positivos em 24 horas. O salto foi puxado por um ajuste na metodologia do governo do Rio Grande do Norte, mas acendeu um alerta no governo.
A instituição da testagem em massa vai resultar em uma explosão no número de casos confirmados, o que pode desagradar o presidente Jair Bolsonaro, que com frequência tenta manchar a credibilidade dos dados. Por outro lado, haverá queda substancial na taxa de mortalidade do vírus, o que deve ser enfatizado na comunicação do ministério.
A cúpula da pasta está ciente do risco político de uma subida dos casos, mas acredita que não haverá barreiras para o andamento do programa. “Todo mundo sabe o que é a coisa certa a ser feita”, afirmou uma autoridade. A mesma fonte lembra que haverá a possibilidade de a testagem auxiliar a prevenção e, consequentemente, a queda do número de casos.
Valor
CPI mira orçamento secreto na saúde para tirar blindagem de Bolsonaro
Senadores da comissão acreditam que podem encontrar ‘digitais’ de Ricardo Barros
Com o presidente Jair Bolsonaro pressionado por conta das denúncias envolvendo a compra da vacina indiana Covaxin, a CPI da Covid quer avançar em outra frente de investigação para desgastá-lo ainda mais: o chamado orçamento secreto, mecanismo usado para distribuir bilhões de reais em emendas para integrantes da base aliada ao governo no Congresso Nacional.
Para integrantes do colegiado, está claro que, com as muitas evidências colhidas de omissão, má-gestão e agora, possível corrupção na gestão da pandemia, o que mantém Bolsonaro distante da possibilidade de abertura de um processo de impeachment é a blindagem proporcionada pela previsão na Lei Orçamentária de 2021 de mais R$ 18,5 bilhões em gastos com as emendas de relator-geral para garantir apoio político.
O maior beneficiário destas emendas é justamente o Ministério da Saúde, com R$ 7,8 bilhões – e é esta a brecha que a CPI pode explorar para investigar repasses feitos fundo a fundo para municípios por conta da pandemia. Acusado pelos irmãos Miranda de possível envolvimento do caso Covaxin, o líder do governo Ricardo Barros (PP-PR) foi ministro da Saúde do governo de Michel Temer e digitais suas poderiam ser encontradas no orçamento secreto da área, acreditam senadores da CPI.
Além disso, a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber, decidirá sobre ação que solicita a suspensão de pagamentos de valores do orçamento secreto. No cálculo de um importante integrante da CPI, se o dinheiro for barrado, a rede de proteção de Bolsonaro no parlamento desmorona, jogando uma pressão cada vez maior pela abertura de um processo de impeachment no presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Há, contudo, um temor de que os próprios integrantes da CPI, inclusive de oposição a Bolsonaro, tenham ressalvas a investigar o orçamento secreto. Originalmente, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) foi ajuizada pelo Cidadania. O partido chegou a pedir desistência da ação, mas a ministra Rosa Weber determinou sua continuidade e cobrou do governo explicações. Na sexta-feira, o Novo pediu para ingressar na ação como parte interessada no caso.
O caso do orçamento secreto vem sendo comparado, inclusive na CPI da Covid, ao escândalo dos anões do Orçamento, na década de 1990. Nesta semana, a CPI deve aprovar um pedido para que Ricardo Barros tenha de prestar depoimento. A estratégia, contudo, é não chamá-lo de imediato e reunir mais elementos contra ele. A acusação contra o líder do governo Bolsonaro só veio após quase seis horas do início do depoimento do deputado Luis Miranda (DEM-DF) e seu irmão Luis Ricardo, chefe da divisão de importação do Ministério da Saúde, num momento em que os senadores já cogitavam interromper a sessão para retomá-la hoje.
Segundo fontes ouvidas pelo Valor, a ideia naquele momento era fazer o governo “sangrar” durante todo o fim de semana. Essa estratégia acabou sendo colocada em segundo plano, no entanto, quando um integrante da própria base aliada, o senador Jorginho Mello (PL-SC) provocou o deputado depoente.
O governista ironizou o depoente ao dizer que ele estaria buscando “um momento de glória”. Miranda irritou-se com a provocação e, como tinha feito a “lição de casa”, levantando informações comprometedoras sobre os senadores bolsonaristas, acusou Jorginho de ter cometido crimes contra o sistema financeiro. “O que é isso, rapaz? Seja mais… picareta, ô, vinagre! Vai lavar sua boca, seu vinagre. Vai lavar a sua boca, picareta!” respondeu Jorginho Mello.
A discussão abriu caminho para que os senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Simone Tebet (MDB-MS) conseguissem sensibilizar Luis Miranda a acusar Ricardo Barros. Vieira teve a oportunidade de questionar o deputado pouco tempo depois de Jorginho.
“É muito claro o seu objetivo de reconstruir uma imagem, de apresentar para os brasileiros essa veia combativa: combate à corrupção, coragem com o enfrentamento do sistema. Eu sou obrigado a dizer que esse esforço está sendo em vão porque o senhor não está tendo a coragem de falar o nome Ricardo Barros. Claramente, está lhe faltando coragem para falar o nome do deputado Ricardo Barros. Eu gostaria de dar oportunidade, deputado, para que o senhor exercite, de fato, a coragem que o senhor propala na internet”, provocou.
Em seguida, foi Simone Tebet quem complementou o trabalho e conseguiu extrair a declaração de Miranda. “Gostaria de pedir aqui que, no espírito público que parece presente na alma e no coração do deputado, que complete o depoimento a favor do país. É muito importante. Eu posso garantir, não se preocupe com o Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, que nenhum deputado vai ter coragem de se insurgir contra a opinião pública, contra a massa de brasileiros que quer buscar a verdade dos fatos”, complementou. E Miranda então entregou o nome do parlamentar que, segundo Bolsonaro teria lhe relatado, estaria envolvido no “rolo” da Covaxin: seu próprio líder de governo.
No sábado, em live organizada pelo site “O Antagonista”, Luis Miranda afirmou que vários deputados aliados do presidente Jair Bolsonaro, inclusive de partidos do Centrão, ligaram para ele após a sessão da CPI para dizer que, se o presidente não mudar sua atitude sobre o caso, vão “abandonar o barco” governista. “Eu recebi ligações de vários deputados da base do governo falando que estavam comigo, que eu estava certo. E que se o presidente seguir nessa linha, vão abandonar o barco”, garantiu.
Folha de SP
Além da Covaxin, CPI da Covid quer investigar negociação para compra de vacina chinesa da CanSino
Senadores defendem apuração de relação de líder do governo com empresa que tem apoio de bolsonaristas
Integrantes da CPI da Covid querem apurar uma negociação envolvendo a vacina chinesa Convidecia e o Ministério da Saúde. A empresa Belcher Farmacêutica, com sede em Maringá (PR), atuou como representante no Brasil do laboratório CanSino Biologics no Brasil, responsável pelo imunizante.
Senadores avaliam que é necessário aprofundar essa linha de investigação para saber se houve participação do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), que foi prefeito de Maringá. Um dos sócios da Belcher é filho de um empresário próximo de Barros.
“Tem essa movimentação para a compra de vacina chinesa com empresa de Maringá com ligações próximas com Barros. Não quero acusá-lo de nada, mas é muita coincidência”, disse neste domingo (27) o senador Otto Alencar (PSD-BA), que é membro do colegiado. “A CPI vai apurar, sem dúvida nenhuma”, afirmou.
Além disso, senadores citam que empresários aliados do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) têm atuado em favor das negociações para a compra da Convidecia. Entre eles estão Luciano Hang, das lojas Havan, e Carlos Wizard, fundador da rede de ensino de idiomas Wizard. A informação foi revelada pela rádio CBN e confirmada pela Folha.
Em 4 de junho, o Ministério da Saúde assinou uma carta de intenção de compra da vacina da CanSino. A negociação envolvia 60 milhões de doses a um custo de US$ 17 cada uma. Em nota, o Ministério da Saúde afirmou que a empresa CanSino não é mais representada pela farmacêutica Belcher e que o acordo não foi fechado.”A pasta recebeu comunicado da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no último dia 17/6. Dessa forma, as que estavam em andamento foram canceladas”, disse, em nota.
Procurada, a Belcher disse que não representa mais a CanSino por “questões técnicas de natureza privada entre as empresas” e, por isso, não participará de eventuais novas fases de negociação. Afirmou ainda que não fechou contrato com o Ministério da Saúde, mas apenas uma carta de intenção de compra, e que atuou de “forma totalmente ética, técnica e regular.”
Um pedido para uso emergencial da vacina da CanSino no Brasil foi apresentado pela Belcher à Anvisa no dia 19 de maio. Segundo a agência, no entanto, após verificação inicial, houve pedidos de novos documentos, ainda não entregues, o que travou a análise.
Além disso, a agência diz ter recebido no dia 17 de junho um comunicado da empresa CanSino informando que a Belcher e o Instituto Vital Brazil, que também acompanhava o pedido, não possuem mais autorização para representar a CanSino. Com isso, a situação do pedido de uso emergencial deve ser reavaliada, aponta. “O comunicado cita a revogação da autorização concedida à Belcher e destaca que as empresas não possuem autorização para requerer autorização de uso emergencial, registro, autorização de comercialização, bem como atividades de preparação e distribuição da vacina”, informa, em nota.
O órgão diz ter avisado o ministério em seguida. Representantes da pasta dizem que a negociação foi cancelada em 18 de junho. Um novo comunicado da CanSino confirmando que não há mais ligação com a Belcher foi feito à Anvisa neste fim de semana.
Membro da CPI, o senador Humberto Costa (PT-PE) disse que a linha de investigação sobre a negociação desta vacina chinesa será debatida nesta segunda-feira (28). Está marcada uma reunião do grupo majoritário do colegiado, ou seja, dos senadores de oposição e independentes. O assunto deve fazer parte do depoimento de Wizard, previsto para esta semana.
Além disso, a CPI deve aprofundar a investigação sobre as supostas irregularidades na compra da vacina indiana Covaxin. “A gente tem dois depoimentos importantes. O do Wizard e o do empresário da Precisa [Medicamentos], [Francisco] Maximiano. Dependendo dos depoimentos, a gente pode ter novas convocações e quebra de sigilo. Dificilmente vamos conseguir terminar a investigação no tempo inicialmente previsto”, disse Costa.
Fabricada pela Bharat Biotech, a vacina Covaxin é negociada no Brasil pela Precisa Medicamentos, empresa que tem no quadro societário a Global Gestão em Saúde S. A. A Global responde a uma ação de improbidade por contrato de R$ 20 milhões assinado em 2017 com o Ministério da Saúde, para importação de medicamentos para doenças raras. À época, Barros era o chefe da pasta, e produtos não foram entregues.
Em depoimento à CPI nesta sexta-feira (25), o deputado Luis Miranda (DEM-DF) disse que alertou Bolsonaro em março sobre supostas irregularidades na compra da Covaxin. Miranda também relatou que Bolsonaro teria ligado o Barros ao “rolo” nas negociações para a compra da vacina indiana. Barros negou ter participado da negociação.
A suspeita de irregularidades na compra da Covaxin pelo governo Bolsonaro foi revelada na Folha no dia 18 de junho, com a divulgação do teor do depoimento de Luís Ricardo Miranda, servidor do Ministério da Saúde e irmão do deputado Luis Miranda. O servidor disse em oitiva no Ministério Público Federal que recebeu uma pressão atípica para agilizar a liberação da vacina indiana contra a Covid-19, desenvolvida pelo laboratório Bharat Biotech.
Nessa linha de investigação, a CPI deve analisar nesta semana uma série de requerimentos para ouvir servidores e empresários relacionados à Covaxin, disse Otto. A lista inclui um convite a Barros. Serão apreciadas também as convocações de Regina Célia Silva Oliveira, servidora do Ministério da Saúde e fiscal do contrato com a Bharat Biotech, e de Roberto Ferreira Dias, diretor do Departamento de Logística da pasta.
Outros requerimentos sobre o assunto contemplam Danilo Fiorini, ex-diretor financeiro da Precisa Medicamentos e da Global Gestão em Saúde, e Wellyngton Ferreira Gonçalves, empresário sócio de Francisco Maximiano na Global Gestão em Saúde.
Nesta semana, a CPI também vai avaliar a possibilidade de ouvir Andrea Barbosa, ex-mulher de Eduardo Pazuello, que comandou o Ministério da Saúde durante as negociações da Covaxin. Segundo integrantes da CPI, Andrea entrou em contato e se dispôs a falar sobre a atuação do ex-ministro quando esteve à frente da pasta.
No entanto, antes de aprovar eventual depoimento dela, senadores querem ter uma conversa prévia para avaliar se as informações que ela diz ter estão relacionadas ao escopo da investigação. Há receio nesse caso por causa do término de uma relação pessoal com Pazuello.
A cúpula da CPI discute a prorrogação das atividades. Os trabalhos valem por 90 dias e devem terminar no dia 7 de agosto. Se prorrogada, a comissão irá até novembro. O colegiado avalia ter assinaturas suficientes no Senado para estender o período. Para isso, é preciso ter o apoio de 27 dos 81 senadores.
Com o depoimento dos irmãos Miranda, a CPI ganhou novo fôlego. O novo flanco da investigação tem potencial de ampliar o desgaste de Bolsonaro, mesmo na avaliação de parlamentares governistas. Aliados de Bolsonaro, entretanto, dizem que ainda não é o suficiente para se transformar numa denúncia de amplo potencial danoso ao governo. Para isso, é necessário esperar os desdobramentos do caso.
Já a oposição quer usar o momento mais quente da CPI para tentar barras as votações no Congresso até que a denúncia seja investigada. O depoimento de Miranda, ao citar que Bolsonaro foi avisado de supostas irregularidades e não pediu apuração, também deve sustentar o superpedido de impeachment a ser protocolado nesta quarta (30).
OS TRABALHOS DA CPI
Segunda (28) – Reunião informal entre membros de partidos de oposição e independentes ao governo. Encontro tem o objetivo de discutir os rumos da investigação, por exemplo, em relação à Covaxin e Convidecia.
Terça (29) – Sessão da CPI para depoimento do deputado estadual do Amazonas Fausto Vieira dos Santos Junior (PRTB-AM), que foi relator da investigação na Assembleia do Amazonas sobre gastos para enfrentamento da pandemia.
Quarta (30) – Sessão da CPI para depoimento do empresário Carlos Wizard. O objetivo é apurar sobre o gabinete paralelo na condução do governo para combater a pandemia.
Sem data – É aguardado o depoimento do empresário Francisco Emerson Maximiano, sócio da Precisa Medicamentos, que foi adiado na semana passada.
Valor
Ataques de Ciro a Lula abalam a aliança entre PT e PDT no Ceará
Petistas no Estado defendem candidatura própria do partido para construir um “palanque leal” ao ex-presidente contra o grupo político de Ciro Gomes
A aliança estadual que dura desde 2006 no Ceará entre o PT e o grupo político dos Ferreira Gomes, liderado pelos irmãos Ciro e Cid Gomes, do PDT, começa a apresentar sinais de rachadura, num dos mais intrincados cenários para a eleição de 2022. Com a beligerância da pré-campanha de Ciro ao Planalto, baseada em ataques contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o presidenciável e ex-ministro corre o risco de ver o PT cearense escapar de sua órbita, ameaçando a hegemonia do clã.
Um dos planos de Lula, apurou o Valor, seria o de ter a deputada federal Luizianne Lins, ex-prefeita de Fortaleza, como candidata ao Palácio da Abolição. Quem no PT também já pôs o nome à disposição para a construção de um “palanque leal” a Lula é o deputado federal José Airton Cirilo.
É uma saída que tem o potencial de desagradar a ala majoritária da legenda, controlada pelo também deputado federal José Guimarães, presidente do diretório regional do PT, aliado dos Ferreira Gomes. “Não necessariamente teremos candidato a governador. O Lula não precisa de ninguém para fazer o palanque dele no Ceará. Ele está disparado no Estado. Não tem aliança mantida a ferro e fogo, e nem é lançar candidatura como alguns querem. Calma”, diz Guimarães.
O ex-senador Eunício Oliveira (MDB), inimigo ferrenho de Ciro, também é cotado para encabeçar o palanque de Lula e teve reuniões recentes com o ex-presidente. “O Lula não ficará sem palanque no Ceará”, assevera o ex-parlamentar. Caso se concretize, o desmanche do casamento estadual entre PT e PDT tem o condão de dificultar a eleição do pré-candidato dos Ferreira Gomes a governador, o ex-prefeito de Fortaleza Roberto Cláudio (PDT).
No meio da discórdia e peça central no xadrez está o governador Camilo Santana, dividido entre a fidelidade ao PT – ao qual está filiado há 22 anos – ou a Cid e Ciro, que o apadrinharam na eleição de 2014. Ao Valor, o governador dá sinal de que não se desgarrará dos irmãos, ao enfatizar a importância do projeto estadual. “Primeiro, nós temos uma aliança de décadas com o PDT aqui, começou lá em Sobral. É um projeto que tem trazido resultados importantes para o Estado”, diz.
Devido ao conflito de lealdade e à sua gestão bem avaliada, Camilo tem, ao mesmo tempo, a situação mais fácil e a mais complicada entre os principais personagens da disputa no Ceará em 2022, afirmam interlocutores. Sua popularidade é a mais alta entre políticos regionais ou nacionais, inclusive Lula, que tenta puxá-lo para seu lado.
Questionado sobre esse movimento do ex-presidente, Camilo pondera: “Eu sou do PT, o Lula já tem sua popularidade natural aqui no Ceará, no Nordeste, no Brasil, mas vamos avaliar com a responsabilidade de pensar no futuro do meu Estado. Claro, [também] no futuro do Brasil. Mas sou governador, e tenho responsabilidade de garantir que esse projeto que está em curso tenha continuidade. A lealdade não é às pessoas. O que acredito é num projeto político”.
Além da saia-justa da escolha de Camilo entre o PT e os Ferreira Gomes, seu plano de se candidatar ao Senado, que em circunstâncias normais o colocaria como pule de dez, também está em risco e depende do jogo de interesses de Ciro e Cid. Se ficar no PT e com Lula, para concorrer ao Senado, o governador romperia com os Ferreira Gomes e deixaria de contar com o apoio da máquina política comandada pelos atuais aliados, sem a qual reduziria em muito a sua competitividade.
Camilo precisa se desincompatibilizar do cargo até abril, seis meses antes da eleição. No lugar, assumiria a vice-governadora Izolda Cela (PDT), de confiança dos irmãos Gomes. Apesar da popularidade conquistada em dois mandatos, Camilo teria contra ele a rede de vereadores, prefeitos e deputados ligados ao grupo político. “Camilo não tem ‘vaqueiro’, ou seja, ninguém para trabalhar e pedir voto para ele. Não tem um secretário no próprio governo dele. É quase tudo do Cid e do Ciro. Só tem uma secretaria, que não é dele. É PT, mas controlada pelo Zé Guimarães”, afirma um político do Estado.
Se sair do PT para apoiar Ciro e o candidato do grupo à sucessão, Camilo ficaria com a pecha de traidor de Lula. “Para ele, é a velha história: se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”, define o mesmo interlocutor. Camilo afirma que “está tranquilo” e é “privilegiado por ter dois grandes homens e brasileiros [Lula e Ciro] ao seu lado”.
Nos bastidores, porém, o governador atua para apaziguar os ânimos e reduzir a agressividade de Ciro, que irrita tanto o PT quanto o próprio PDT. Foi de Camilo a iniciativa do encontro em que Lula e Ciro se reuniram em São Paulo, em setembro do ano passado, para selar a paz. Desde então, no entanto, o ex-ministro não apenas voltou à carga, como aumentou a virulência dos ataques.
Camilo Santana sugere que em 2022 sua saída poderá ser a mesma adotada em 2018, quando ofereceu palanque duplo para Ciro e para o candidato do PT ao Planalto, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad – um acordo de cavalheiros que hoje é visto por alguns como impraticável, dado o nível de hostilidades. “Fizemos isso em 2018. A eleição nacional dificilmente se resolverá no primeiro turno. Não podemos fechar portas, temos que deixá-las abertas. Se o Lula e o Ciro forem candidatos, caso um ou outro vá para o segundo turno, é deixar o outro apoiar – numa situação em que os dois forem candidatos”, ressalva novamente.
Indagado se Ciro e PDT podem retirar a candidatura para apoiar o PT, Camilo afirma: “Há muitos caminhos ainda, muita coisa pode mudar, eu acredito. Vou lutar até o último dia, mesmo que seja uma coisa difícil”. Na sexta-feira, pesquisa do Ipec, instituto formado por pesquisadores egressos do Ibope, apontou que Lula, com 49% das preferências, ganharia no primeiro turno se a eleição fosse hoje, contra 23% de Bolsonaro e 7% de Ciro.
Para o deputado José Airton Cirilo, o palanque duplo de 2018 não é mais possível e a parceria entre PT e PDT precisa ser desfeita, a não ser que os Ferreira Gomes concordem em abrir mão da cabeça de chapa a governador para indicar o vice. “Vamos trabalhar para a construção de um palanque leal a Lula e termos uma candidatura própria, porque nossa aliança com o PDT se deu em outra conjuntura. Não tem mais condição, com o Ciro não dá. Como conciliar aqui se ele vem atacando, sistematicamente, de forma virulenta, covarde, cruel, o presidente Lula e todos nós do PT? Não vejo como. Há uma insatisfação muito grande na militância”, afirma Cirilo.
O petista argumenta que há um forte sentimento anti-Ferreira Gomes no Estado, refletido no desempenho do deputado federal Capitão Wagner na eleição a prefeito do ano passado, quando o parlamentar perdeu para José Sarto (PDT) mas conquistou 48,3% dos votos. De saída do Pros para o PSL, Wagner é pré-candidato a governador.
Cirilo argumenta ainda que é natural que o PT indique o sucessor de Camilo Santana, como nos Estados onde o partido tem o governador, como Bahia, Piauí e Rio Grande do Norte. O deputado foi candidato majoritário pelo PT em 1998 e 2002, quando – embalado pelo slogan “É Lula lá e Zé Airton cá” – obteve 49,96% dos votos válidos e perdeu para o tucano Lúcio Alcântara por apenas 3.047 votos.
Fonte próxima do ex-presidente diz que “a chapa dos sonhos” de Lula seria contar com Camilo ao Senado e Eunício para governador – o que não é o mais provável: “O Camilo vai apoiar Ciro Gomes e, aí, a candidata do PT ao governo será a Luizianne, não tenho dúvida”. Guimarães afirma que Lula nunca lhe disse isso. “Não estou nem sabendo se ela colocou o nome. É preciso que não se embrenhe por essa TPE, a tensão pré-eleitoral”. Procurada, a deputada não respondeu ao Valor.
Valor
“Em2022, a gente estará jogando a sorte da democracia”
Para Sergio Fausto, superintendente da Fundação FHC, é improvável êxito de terceira via
Superintendente executivo da Fundação Fernando Henrique Cardoso, o cientista político Sergio Fausto traça um cenário sombrio para o país nos próximos anos. Ele vê poucas chances para o surgimento de um candidato que quebre a polarização entre o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no próximo ano. E neste quadro, ele teme pela institucionalidade do país. Para Fausto, caso Lula vença, hipótese que ele avalia como bastante possível, há riscos de Bolsonaro tentar desestabilizar o país e forçar uma intervenção militar e a campanha do presidente pelo voto impresso, em sua opinião, é um indicativo nesse sentido.
Se Bolsonaro se reeleger com folga, a marcha para um regime autoritário seria acelerada. Caso a reeleição se dê de forma apertada, haveria um quadro de elevada instabilidade. “O risco à democracia no Brasil só tem feito aumentar ao longo dos últimos anos”, afirma. Ele considera ingênuo acreditar que Bolsonaro pode moderar sua linha de ação.
Segundo Fausto, que conversou com o Valor na tarde da quarta-feira – dois dias antes do depoimento do deputado Luis Miranda (DEM-DF) que afirmou ter o presidente Jair Bolsonaro comentado suspeitar que irregularidades no Ministério da Saúde estivessem relacionadas com o líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR) – as denúncias de corrupção em compra de vacinas, uma das linhas investigativas da CPI da Covid no Senado, podem causar dano político grave ao presidente.
Tudo dependerá, na sua visão, de se comprovar algum nexo entre irregularidades no Ministério da Saúde e o Palácio do Planalto. Já há movimentos na CPI para se considerar o presidente culpado ao menos de prevaricação, uma vez que não teria tomado providências concretas ao escutar a denúncia do parlamentar. O Palácio do Planalto nega veementemente que o diálogo relatado por Miranda tenha existido.
O escândalo não será suficiente, contudo, para desencadear um processo de impeachment, para o qual ele não vê possibilidade, em posição mantida pelo cientista político, mesmo após as declarações de Miranda, sobre as quais foi consultado no sábado. O panorama econômico a curto prazo é de melhora, a base governista no Congresso é sólida e as manifestações populares não mandam um sinal claro.
O cientista político vê o Congresso apático na defesa das instituições brasileiras e teme que o Legislativo abra mão de prerrogativas para manter o poder excepcional que ganhou para gerir o Orçamento, nos próximos anos. Mas acredita que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o do Senado, Rodrigo Pacheco (DEMMG), não são imunes a pressões que possam surgir da opinião pública.
Eis os principais trechos da conversa com o Valor:
Valor: Como o senhor vê o cenário eleitoral em 2022? A polarização está consolidada?
Sergio Fausto: Aqui não é desejo. Se eu pudesse transformar desejo em realidade eu magicamente criaria uma alternativa entre o Lula e o Bolsonaro. É evidente que a hipótese de terceira via existe, mas nada aponta na direção de uma candidatura que potencialmente possa expressar uma alternativa aos dois. Este cenário é improvável. O cenário mais provável é de polarização entre os dois candidatos que estão aí claramente colocados. Desde logo digo que não há equivalência entre eles. Desta dupla, extremista só tem um e não é o presidente Lula.
Valor: Diante dos riscos existentes, vale a pena apostar em terceira via?
Fausto: Acho que sim. Tem mérito intrínseco. Na vida a gente fica esperando o inevitável e acontece o inesperado. Existe potencialmente uma massa de eleitores que preferia não ter que fazer a opção entre Lula e Bolsonaro. É uma espécie de latência eleitoral que permite imaginar que a terceira via tem alguma chance. A política requer coragem e ousadia. Quando mais não seja, para poder negociar uma frente no segundo turno em outra posição, com mais cacife.
Valor: O Lula representaria uma ameaça concreta à reeleição do Bolsonaro?
Fausto: Sim. Eu acho que se a eleição se realizasse hoje eu diria que o Lula seria claramente favorito. A economia dá sinais de retomada, mas isso ainda não chegou no mercado de trabalho. A pandemia continua correndo solta. Acho que nessas circunstâncias o Lula seria claramente favorito. No correr do ano que vem provavelmente estaremos melhor do ponto de vista da pandemia e da economia. Acho que dá para supor que a vacinação vai se acelerar e que a retomada da economia se confirmará. Terá efeitos lentos e defasados no mercado de trabalho, o que tende a favorecer o incubente. Vamos ter uma situação econômica que não será determinante. Ela não será exuberante para favorecer o Bolsonaro de maneira decisiva, mas ela não será impeditiva da reeleição. Os fatores que vão entrar serão sobretudo a capacidade de construir alianças e se comunicar com o sentimento da população. O Lula tem condições de caminhar para o centro, tem clareza que este é o caminho para ganhar a eleição. Ele representa a maior ameaça que o Bolsonaro poderia enfrentar em sua reeleição.
Valor: A CPI começa a enveredar agora para a investigação de eventual corrupção no governo. Considerando os precedentes de outras CPIs, que impacto político podemos esperar?
Fausto: É preciso ver qual é o efeito real dessas denúncias. Há indícios que apontam no sentido de que algo estranho aconteceu nos contratos da Covaxin, mas a pergunta é: isso entra no Palácio do Planalto? Se entrar é um cenário de grave dano político. Se é um episódio de corrupção, ainda que grave, mas que se circunscreva ao Ministério da Saúde, que pegue alguns agentes políticos, mas que fique a uma distância razoável do presidente, o dano não é determinante. É natural que desperte uma grande excitação na imprensa, mas francamente ainda é cedo. Se for algo que entre no Palácio é grave porque Bolsonaro ainda conserva como um ativo a imagem de ter um governo sem corrupção.
Valor: Não é gatilho, de toda forma, para um eventual impeachment?
Fausto: Eu não vejo nenhuma chance de impeachment. Para isso a economia teria que estar ruim, com tendência de piora, tem que ter rua e tem que ter apoio majoritário no Congresso. Começa a ter alguma rua, mas a perspectiva da economia é de melhora e apoio no Congresso está relativamente consolidado. Ele deu uma situação muito favorável ao chamado Centrão alargado para manter o presidente na posição em que ele está e extrair o máximo de benefícios possível. Isso é ruim para o país mas do ponto de vista político é um jogo sustentável.
Valor: Essas são as premissas de cenário dos quais o senhor parte. Agora, na hipótese de vitória do Lula contra Bolsonaro, o senhor vê risco dele não assumir?
Fausto: Esse risco não pode ser desconsiderado e já é muito grave que essa pergunta possa ser feita sem soar desprovida de sentido. Nas circunstâncias brasileiras atuais ela faz sentido e isso é muito ruim. Eu não acredito que Lula seria impedido de tomar posse, mas pode haver tentativas de melar o jogo. E essas tentativas estão às escâncaras, puxadas pelo voto impresso. O Bolsonaro tem a vantagem de que ele antecipa seus movimentos e é transparente nas suas intenções. Ele vem dizendo que ou tem o voto impresso, ou a eleição será fraudada. Ele chegou a dizer que em 2018 venceu no primeiro turno. É a repetição do que Trump fez. Ele vem insuflando e arregimentando apoios, vem armando setores da população. Ele tem estimulado comportamentos que apontam na direção de desobediência das polícias militares.
A hipótese de haver muita tensão, episódios de violência e uma tentativa de criar um clima de anarquia deliberado para provocar uma intervenção das Forças Armadas e neste sentido impedir a posse eventual na hipótese de vitória de Lula não é um cenário de lunáticos, acho que ele tem que ser levado em consideração. Mas insisto que é um cenário de baixa probabilidade.
Para se proibir a posse de um presidente eleito com a maioria de votos no segundo turno é necessário ter respaldo integral das Forças Armadas e respaldo dos poderes fáticos: o empresariado todo atrás de você e respaldo internacional. Para dizer de uma maneira simples: se Trump tivesse vencido a eleição americana eu estaria mais preocupado. Haja vista a manifestação do governo americano reconhecendo a vitória de Pedro Castillo nas eleições peruanas.
Valor: O senhor mencionou o Peru. Lá setores tradicionalmente liberais da política, como por exemplo o escritor Mario Vargas Llosa, contestaram a vitória de Castillo e sugeriram necessidade de recontagem de votos. A polarização lá parece ter chegado a um ponto de ruptura. Isso não pode se repetir no Brasil?
Fausto: Em relação a Vargas Llosa, para usar uma expressão usual no mundo hispânico, “se le fue la mano”. Quando você por razões subjetivas vê no adversário político uma ameaça existencial, significa que a polarização transformou o adversário em um inimigo, que põe em risco a sua própria vida. Quando uma parte da sociedade se convence disso está disposta a qualquer coisa. A questão que vejo em Bolsonaro para 2022 é a seguinte: eleição é sempre uma combinação e medo. Ele tem o medo. Que esperança ele vai vender?
Valor: No Brasil este sentimento visceral de aversão não pode tomar conta do que o senhor chamou de “poderes fáticos” em relação ao Lula?
Fausto: Uma parte sim. Isso é muito forte no setor rural brasileiro. Mas ao contrário do que aconteceu em 2018 o Bolsonaro, a meu ver, não conseguirá reaglutinar o conjunto heterogêneo de forças. E o Lula está em condições, em tese, de reunir um quadro de alianças amplo. Não é à toa que Bolsonaro escalou na sua retórica e na sua agressividade a partir do momento em que Lula recuperou seus direitos políticos. Ele gostaria de polarizar com o PT, mas não com o Lula. O PT é uma coisa, o Lula é outra. Um candidato do PT seria derrotável com certa tranquilidade pelo Bolsonaro. O Lula cruza fronteiras que o PT não cruza. Ele cravou imagem na memória popular de forma impressionante. Essa é uma constatação, não um juízo de mérito.
Valor: E outro cenário? E se tudo der certo para o Bolsonaro? E se ele se reeleger com certa facilidade? Como fica o ambiente institucional?
Fausto: Qual é a visão de mundo e a estratégia de Bolsonaro? Elas são transparentes como água. Ele vem fazendo movimentos de maneira sistemática. Ele vem capturando órgãos do Estado brasileiro para servir interesses de seu grupo. Ele nomeará outros integrantes do Supremo, ele vai intervir em outras instâncias do Judiciário. Não há a menor dúvida de qual a direção ele pretende tomar e as instituições e as pessoas começam a desanimar. Em uma vitória do Bolsonaro pessoas importantes podem decidir sair do país. É um cenário de plano inclinado, por isso que não é exagero nenhum dizer que em 2022 a gente estará jogando a sorte da democracia no Brasil.
Valor: Não tem risca de giz que pode ser traçada com ele reeleito, não haverá como contê-lo?
Fausto: Não. Estes movimentos de conversão de um regime democrático em regimes já não mais democráticos, ainda que conservem alguns aspectos, eles não são abruptos. Em determinados momentos eles aceleram e já entramos neste processo significativamente. Se Bolsonaro se reelege é uma inflexão para baixo. Seria um acontecimento dramático para o Brasil e para o mundo. Com uma consideração importante: vai acontecer a eleição de meio de mandato nos Estados Unidos, a eleição presidencial na França, na Itália a extrema-direita coloca em xeque o gabinete Mario Draghi. Pode ter nova guinada da direita internacional que acentua o risco. O eventual segundo mandato de Bolsonaro é o de um presidente autoritário buscando consolidar o seu poder, em uma situação instável, em que a recuperação econômica é moderada e a insatisfação cresce. Nada disso é bom.
Valor: Quando comparamos o caso brasileiro ao de outros países que foram paulatinamente fechando o regime, como Hungria, Turquia, Rússia, El Salvador, há uma diferença potencialmente grande. Os governantes desses países saíram com claro mandato das urnas, vitórias expressivas. E o cenário em 2022, em uma reeleição, seria de vitória apertada de Bolsonaro. O que isso muda na análise?
Fausto: De fato, todos esses países tiveram segundos mandatos acompanhados de economia em crescimento. No caso brasileiro, eu não vejo nenhum crescimento espetacular da economia nos próximos anos, o que não significa que Bolsonaro tentará se moderar. É de uma ingenuidade completa acreditar que ele irá moderar suas ações. O que pode haver em um segundo mandato com essa característica é uma instabilidade política com um nível de conflito social muito elevado. A gente entra em um terreno não mapeado. O risco de se ter uma intervenção militar para restabelecer a ordem não pode ser descartado. Em um cenário como esse, de governo reeleito por margem apertada, que custa avançar no projeto autoritário, mas que não tem economia que o respalde e tem conflito social, o presidente pode buscar crescer no caos como uma espécie de princípio de ordem. Eu não creio que nesse cenário ele seja o líder de uma intervenção militar. Mas as Forças Armadas podem ser induzidas a intervir no cenário político. Estamos deslizando em gelo fino. O risco à democracia no Brasil só tem feito aumentar ao longo dos últimos anos.
Valor: E o papel do Congresso? O bolsonarismo não vai conseguir ter muito mais deputados do que ele já tem. O Congresso é um dique a favor da democracia?
Fausto: Que ele é um dique não há a menor dúvida. O lado bom disso é que pode estancar ímpetos autoritários. O lado ruim é que o padrão de alocação de recursos que o Congresso com seu jogo com o Executivo acaba por produzir é ruim para o país. O Congresso hoje tem uma capacidade de comandar o gasto público como jamais teve, o que não seria má notícia se viesse acompanhado de uma responsabilidade moral e institucional. O Congresso hoje está em uma situação privilegiada. Aumentou sua capacidade de determinar alocação de recursos ao Orçamento, mas não se responsabiliza pelos resultados. Não há submissão ao escrutínio da opinião pública. Mantém uma democracia de baixa qualidade.
Valor: O Congresso pode se tornar sócio de um projeto autoritário, que preserve este poder sobre o Orçamento?
Fausto: Sim. O que interessa ao Congresso, do ponto de vista de uma boa maioria, é poder ter não apenas acesso a recursos, mas não ter que prestar absoluta vassalagem ao Executivo. Preservando esta autonomia, temo que uma boa parte dos nossos parlamentares mandariam às favas os escrúpulos de consciência. A política para eles é um negócio de reproduzir políticos. Podemos ter um Congresso que preserve suas prerrogativas convivendo com uma situação de cerceamento da liberdade.
Valor: O presidente da Câmara e do Senado não são pouco cobrados a mostrar compromisso com a institucionalidade?
Fausto: É um erro a falta de cobrança. Mas há um realismo brutal e paralisante. De onde menos se espera é que não vem nada mesmo. Mas é um erro. Tanto Arthur Lira quanto Rodrigo Pacheco são animais políticos e não são completamente insensíveis à pressão da opinião pública. Em particular o presidente do Senado, que vem de um Estado, Minas Gerais, onde a sociedade organizada tem maior peso.