Clipping 29 de setembro de 2021
Manchetes
CPI vê elo de gabinete paralelo, Prevent e conselhos médicos (Folha)
Prazo de vacinas e testes vence e prejuízo chega a 80 milhões (Estadão)
Prevent Senior fez pacto com governo para frear lockdown, diz advogada (O Globo)
Temor de crise energética global preocupa mercados (Valor)
Valor
Mercedes-Benz vende terreno e prédio em Campinas em busca de rentabilidade
A Mercedes-Benz decidiu vender o terreno e o prédio de sua fábrica de Campinas (SP) e passou a ser locatária dessas mesmas instalações. A empresa não revela detalhes do negócio e nem quem é o novo dono do local. Informa apenas tratar-se de uma medida “mais vantajosa financeiramente para a companhia”.
Inaugurada em 1979, a fábrica de Campinas serviu, em seu auge, à produção de ônibus da marca alemã. O tamanho da operação diminuiu ao longo dos anos. Hoje, 600 funcionários trabalham ali em remanufatura e armazenamento de peças, assistência técnica e treinamento de concessionários. A área de peças soma 80 mil metros quadrados. Os efeitos da medida já apareceram nas demonstrações financeiras da companhia.
A venda da fábrica de Campinas aparece no relatório do segundo trimestre da Daimler Trucks & Buses, como um dos fatores que contribuíram para a melhora de ganhos. Além disso, a empresa cita o aumento das vendas em quase todas as regiões, como resultado da recuperação dos mercados, um ano após os primeiros impactos da pandemia.
Com receita de € 10 bilhões, 61% acima do trimestre de 2020, o volume de vendas da companhia atingiu 116,8 mil veículos, aumento de 91% na mesma base de comparação. Em menos de um ano esta é a segunda vez que o grupo se desfaz de ativos no Brasil.
Em dezembro de 2020, a Mercedes anunciou o encerramento da produção de automóveis em Iracemápolis (no interior de São Paulo). A fábrica foi vendida à montadora chinesa Great Wall. O grupo está, agora, em processo de separação mundial de marcas em duas empresas. A divisão de caminhões pertencerá a uma empresa (Daimler Trucks AG) e a de automóveis a outra (Mercedes-Benz AG). Ambas estão listadas em bolsa separadamente.
Mas a decisão de enxugar operações no Brasil para buscar mais rentabilidade foi tomada antes da divisão. Na história do grupo alemão no país já houve outras movimentações para adequar instalações industriais. Em 1999, a companhia inaugurou uma fábrica em Juiz de Fora (MG) para produzir o automóvel compacto Classe A. Após um período polêmico, envolvendo negociações com sindicato e governo estadual, 13 anos depois a unidade foi transformada para abrigar linhas de caminhões. Hoje, ali são produzidas as cabines dos caminhões da marca. Total de 900 pessoas trabalham na unidade mineira.
Mas a estrutura industrial da Mercedes mais valiosa no país continua a ser a antiga fábrica de caminhões e ônibus em São Bernardo do Campo, no ABC, com cerca de 10 mil empregados. Essa fábrica foi inaugurada em 28 de setembro de 1956. E, para celebrar o aniversário de 65 anos, ontem, a empresa preparou, à noite, uma live especial em homenagem a funcionários, clientes, concessionários e fornecedores. E também lançou uma série especial do novo Actros, seu caminhão “top de linha”. Produzido, claro, em São Bernardo.
Valor
Os desafios da engenheira na direção da Mercedes
Karin Rådström enfrentou o preconceito por ser mulher no setor
Muita coisa mudou nas empresas em relação à diversidade de gênero desde que a engenheira Karin Rådström começou a trabalhar numa fábrica de caminhões, como estagiária, em 2004. Mas, ao longo da carreira, ela teve de enfrentar algumas situações desconfortáveis. No cargo de chefe mundial da Mercedes-Benz Caminhões desde maio deste ano, suas preocupações, hoje, são outras. Rådström tenta, por exemplo, encontrar formas de a empresa recuperar o tempo perdido com a escassez de semicondutores, problema que ainda afeta fortemente essa indústria em todo o mundo.
Entre as histórias que provocaram situações embaraçosas por ser mulher num ambiente tradicionalmente masculino, Rådström cita uma reunião, certa vez, em um país do Oriente Médio. Assim que entrou na sala lhe perguntaram: “Onde está o senhor Karen?” A resposta foi direta: “Podemos começar a reunião; Karen sou eu”.
Houve outras situações. Sobretudo em viagens, muitos pensavam, diz, que aquela jovem era a secretária do executivo pelo qual aguardavam. Na liderança de equipes há algum tempo, hoje a engenheira é conhecida por muitos, mas não se importa com o que pensam os que não a conhecem. “Eu não poderia ser nada além do que sou”, diz.
Apesar dos avanços em relação à diversidade no mundo corporativo de hoje, assumir cargos de liderança num ambiente historicamente dominado por homens não é tarefa para qualquer uma. Os 17 anos de profissão que essa engenheira de 42 anos acumula até aqui foram na indústria de caminhões – e pesados, na maior parte do tempo.
Nascida em Södertälje, a 30 quilômetros de Estocolmo, Rådström acabara de concluir o mestrado de engenharia em gestão industrial quando conseguiu uma vaga de estagiária na Scania, empresa de onde só saiu em fevereiro deste ano para trabalhar no grupo alemão Daimler, dono da marca Mercedes. Na Scania, ela chegou à diretoria executiva, responsável pela área de vendas e marketing.
Antes de assumir o comando mundial dos caminhões Mercedes, a executiva integrou o conselho de administração da Daimler Truck, nome que o grupo recebeu com a recente decisão de dividir a companhia entre as áreas de veículos comerciais (Daimler Truck AG) e a de automóveis (Mercedes-Benz AG). Mercedes é também uma das marcas de caminhões, sob o guarda-chuva, agora, da Daimler Truck. São sete marcas ao todo. No caso da Mercedes, a operação brasileira tem uma importância expressiva, com 25% das vendas. O restante fica com os mercados da Europa.
Em sua primeira entrevista a um grupo de jornalistas brasileiros, em formato online, ontem, Rådström disse que a companhia está disposta a continuar a investir no Brasil a despeito da instabilidade econômica. “O Brasil é um dos mercados mais difíceis de se fazer previsões”, destacou.
Por outro lado, ela aponta o potencial de um país que tem no agronegócio grande parte da força da sua economia, de ser um território extenso e que depende significativamente de rodovias para o transporte dos bens de consumo para os mercados interno e externo. “Eu adoraria que a economia do Brasil fosse mais estável e que a taxa de câmbio fosse mais previsível. Seria mais fácil para programar investimentos. Mas essa não é a realidade”, destaca.
A Mercedes está prestes a encerrar o último plano de investimentos, de R$ 2,4 bilhões, para o período de 2018 a 2022. A última parte desses recursos será usada para adaptar os caminhões à legislação de controle de emissões, chamada de Euro 6, que entrará em vigor em caminhões produzidos a partir de janeiro de 2023. “Futuros planos de investimentos ainda não estão concluídos”, diz Karl Deppen, que acaba de deixar o cargo de presidente da Mercedes-Benz do Brasil para assumir área de liderança na Ásia. Está a cargo de Rådström definir seu substituto.
Rådström e Deppen participaram ontem das celebrações dos 65 anos da Mercedes no Brasil. A companhia alemã chegou ao país 30 anos depois de produzir o primeiro caminhão em Stuttgart, na Alemanha. Para Rådström, o Brasil assumirá papel importante na retomada da produção e das vendas da marca, em 2022, quando o setor espera ter bem menos problemas com a escassez de semicondutores.
Para ela, esse problema trouxe um “importante aprendizado” em relação ao sistema de manufatura da indústria automobilística, que envolve uma série de fornecedores e sub-fornecedores. “Acho que há coisas que deveríamos ter visto antes”, afirma a executiva.
Nos planos mundiais de redução de emissões, a Daimler anunciou a fabricação de veículos livres de CO2 a partir de 2039 na Europa, Estados Unidos e Japão. O processo passa pela eletrificação. No Brasil, onde a Mercedes lançou recentemente um veículo elétrico, as adaptações acontecerão, afirma Rådström, “quando a infraestrutura estiver pronta e o consumidor tiver interesse”.
Olhar Digital
Com pandemia e crise dos chips, 3 dos 5 carros mais vendidos do Brasil custam mais de R$ 100 mil
A crise de componentes e semicondutores provocada pela pandemia aumentou significativamente o preço dos carros no Brasil. Entre os cinco automóveis mais vendidos no país, de acordo com a Fenabrave (Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores), três estão custando em torno de R$ 100 mil.
Até esta terça-feira (28), os cinco carros mais vendidos no Brasil, segundo a entidade, eram: Hyundai HB20, com 5.530 emplacamentos, à frente do Jeep Compass (5.514), Fiat Toro (5.258), Fiat Strada (4.943) e Volkswagen T-Cross (4.686). Destes cinco, apenas dois estão abaixo de R$ 100 mil: o HB20, cujo modelo mais barato parte dos R$ 59.290, e o Strada, que tem o modelo inicial em R$ 64.490.
Para se ter uma ideia, o Jeep Compass, vice-líder na relação, possui o preço mais barato orçado em R$ 151.881 — no caso, a versão Sport e motor 1.3 turboflex. Já o Toro e o T-Cross custam, respectivamente, em suas versões mais acessíveis: R$ 128.990 e R$ 96.260.
O porquê dessa alta de preços se justifica por dois fatores: a pandemia e a crise de componentes e semicondutores que decorreu da crise sanitária. Por conta disso, várias montadoras, entre elas Toyota, Renault, Volkswagen e Hyundai, vêm interrompendo a produção de suas fábricas no mundo inteiro. No Brasil, houve os casos da Fiat, que suspendeu operações de segundo turno em Betim (a principal planta no país), e da própria Volks, que anunciou sua paralisação temporária em várias unidades em São Paulo e no Paraná.
Preços inflacionados afastam população com menor renda
Num cenário de contenção de custos, as fábricas transferiram, como consequência, seus esforços para carros com maior valor de venda e margem de lucro, como SUVs, em vez de hatches ou sedãs populares. Com isso, o valor dos automóveis subiu e, consequentemente, afastou a população com renda baixa dos automóveis zero km.
“Como a pandemia atingiu mais a parte da população com renda baixa, que muitas vezes financia a maior parte ou o carro todo, sendo sempre os modelos de entrada, é nessa parte que as vendas caíram mais”, explicou o diretor da ADK Automotive, Paulo Roberto Garbossa, em entrevista ao UOL.
Além disso, a situação complica porque carros menores também não estão tão acessíveis. Modelos compactos como o Renault Kwid, por exemplo, já partem de R$ 50 mil. Neste sentido, trata-se de um cenário completamente diferente do que acontecia dez anos atrás, quando modelos zero km como o Chevrolet Celta saíam por menos de R$ 25 mil.
“A insegurança desse consumidor de carros compactos, que não tem opções, vê os modelos cada vez mais caros sem que seu poder de compra tenha acompanhado os aumentos, o afasta da compra”, explica Garbossa, que cita ainda a falta de crédito a pessoas com uma renda menor que R$ 10 mil como outro fator de decréscimo nas compras.
Ao mesmo tempo, cresceu a demanda por modelos usados, a ponto de alguns desses serem vendidos até por valores maiores do que um zero km — um fenômeno bastante incomum, diga-se de passagem.
De acordo com a Kelley Blue Book, empresa especializada em precificação no setor automotivo, os efeitos da pandemia de covid-19 na cadeia de produção vêm provocando “descompasso praticamente generalizado na oferta de automóveis nas concessionárias”.
Folha de SP
Petrobras sobe preço do diesel em 8,9%
Aumento ocorre após 85 dias sem reajustes
Após 85 dias sem reajuste, a Petrobras anunciou nesta terça-feira (28) aumento de 8,9% no preço do diesel em suas refinarias. O anúncio ocorre um dia depois de mais uma sequência de ruídos entre o governo e a estatal em relação aos preços dos combustíveis.
A partir desta quarta (29), o litro do diesel sairá das refinarias da Petrobras custando, em média, R$ 3,06, um aumento de R$ 0,25 em relação ao valor vigente até esta terça. É a primeira vez que o preço do combustível nas refinarias ultrapassa a barreira dos R$ 3.
Segundo a estatal, o reajuste “reflete parte da elevação nos patamares internacionais de preços de petróleo e da taxa de câmbio”. Nesta segunda (27), a empresa já havia sinalizado que promoveria o reajuste, por entender que o preço do petróleo atingiu um novo patamar.
“Esse ajuste é importante para garantir que o mercado siga sendo suprido em bases econômicas e sem riscos de desabastecimento pelos diferentes atores responsáveis pelo atendimento às diversas regiões brasileiras: distribuidores, importadores e outros produtores, além da Petrobras”, afirmou a estatal nesta terça.
No comunicado sobre o reajuste, a empresa disse que durante os 85 dias sem reajuste “evitou o repasse imediato para os preços internos devido à volatilidade externa causada por eventos conjunturais”, repetindo discurso adotado pela gestão do general Joaquim Silva e Luna.
Na segunda pela manhã, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) afirmou que discutia com o Ministério de Minas e Energia maneiras de reduzir o preço dos combustíveis “na ponta da linha”, declaração que teve impacto sobre as ações da Petrobras em bolsa de valores.
Logo depois, a companhia convocou uma entrevista para reforçar que mantém sua política de preços, na qual sinalizou que já considerava novos aumentos diante da alta das cotações internacionais do petróleo, que está sendo negociado em torno dos US$ 80 por barril.
“Vemos o preço do [petróleo] Brent se posicionar num valor elevado, acima de US$ 70 por barril e está sinalizando realmente uma necessidade de ajustes de preço”, afirmou na entrevista o presidente da estatal, Joaquim Silva e Luna.
No início da noite, Bolsonaro reconheceu a possibilidade de um reajuste em conversa com apoiadores. “Pessoal está insatisfeito? Está. Inclusive estamos há 3 meses sem reajustar o diesel. Vai ter reajuste daqui a pouco. Não vai demorar”, afirmou.
Segundo estimativa da Abicom (Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis), o reajuste anunciado pela Petrobras cobre metade da defasagem em relação ao mercado internacional. A pressão, portanto, deve continuar, até porque já há analistas vendo o petróleo acima dos US$ 90 no fim do ano.
No ano, a Petrobras já elevou o preço do diesel em 50% em suas refinarias. Nas bombas, a alta acumulada é de 30%. Na semana passada, três das principais entidades representativas dos caminhoneiros divulgaram uma pauta comum de reivindicações que inclui discussões sobre o preço do combustível.
A escalada dos preços está na base da explosão da inflação e vem provocando estragos na popularidade do governo. No início do ano, Bolsonaro trocou o comando da Petrobras para tentar acalmar os ânimos. Depois, passou a responsabilizar os impostos estaduais pelos aumentos.
“Onde está a responsabilidade? Eu usei muito nos últimos dias uma outra passagem bíblica: por falta de conhecimento meu povo pereceu. Nós temos que ter conhecimento do que está acontecendo antes de culpar quem quer que seja”, disse o presidente nesta segunda.
Folha de SP (opinião)
Crise mundial de energia no horizonte vai encarecer ainda mais sua gasolina e piorar inflação
Motivo mais imediato da crise é a falta de gás na Europa, que contagia outros mercados
VINICIUS TORRES FREIRE
Falta energia no mundo. A crise pode ser transitória, em parte resolvida em parte com arranjos políticos até o final do ano, mas encarece combustíveis, como a sua gasolina, e a produção de algumas indústrias e serviços, quando não a paralisa. A inflação mundial vai aumentar um pouco mais. Com algum azar e sem arranjos, a crise pode se prolongar até bem entrado o verão do Hemisfério Sul e o inverno do Norte. Nesse caso, haverá mais dificuldades do que preços algo maiores.
O problema mais novo e imediato é a falta de gás natural, retirado das profundezas do chão. Em um ano, o preço do gás mais do que dobrou nos Estados Unidos e quadruplicou, mais ou menos, na Europa —estão nos níveis mais altos em cerca de sete anos.
A Europa depende em parte de gás para fazer eletricidade e para aquecimento doméstico. Fábricas de metais, fertilizantes e materiais de construção do mundo inteiro usam gás. Com o preço do produto nas alturas, começa-se a recorrer mais a óleo combustível, o que pressiona ora marginalmente e ainda mais o preço do barril de petróleo. A produção dos poços por ora está limitada por decisão do cartel dos grandes produtores, a Opep.
É fácil perceber que a falta de energia contribui para o aumento dos preços em geral; altas de preços persistentes podem limitar o crescimento econômico, a “retomada” da crise da pandemia. Basta pensar no efeito sobre o custo do aço e de fertilizantes. A falta de gás criou problema até para a produção de gelo seco na Inglaterra, dificultando e encarecendo o transporte de mercadorias refrigeradas.
Os preços do gás e da eletricidade subiram tanto que Itália, Espanha e França estão subsidiando consumidores residenciais. Empresas de distribuição de eletricidade na Inglaterra estão indo à breca, por causa da alta de custos e de preços de venda limitados, em parte. A Espanha propôs um arranjo europeu de compra conjunta de gás, para que a eurozona não fique “à mercê” dos fornecedores. O preço da gasolina aumentou cerca de 50% nos Estados Unidos, em um ano. Alguns comentaristas dizem que esse é um dos motivos da queda de popularidade do presidente Joe Biden.
Falta gás porque: 1) o inverno europeu de 2020-21 foi frio e comprido, o que reduziu os estoques além da conta; 2) países europeus desestimulam a produção de gás ou fecham grandes campos de exploração, como um na Holanda, por motivos variados; 3) o maior fornecedor de gás da Europa, a Rússia, não tem aumentado a oferta, por motivos complicados e ainda não muito bem compreendidos até pelos europeus; 4) a China consome mais gás porque quer limpar o ambiente, usando menos carvão. A Ásia paga caro e leva o gás americano, por exemplo; 5) até Brasil e Argentina entram na lista, pois ora compram mais gás dos EUA, para abastecer termelétricas, que substituem as usinas hidrelétricas secas; 6) as usinas eólicas na Europa, no Reino Unido em particular, estão produzindo menos eletricidade por causa da falta de vento; 7) o furacão Ida prejudicou a produção no Golfo do México.
A reabertura das economias depois do que “passou o pior” da epidemia, contribuiu para a alta dos combustíveis, que tinham ido ao nível de colapso, no ano passado. A escassez de agora dá mais um impulso a essa recuperação de preços. O barril do petróleo (Brent) chegou a US$ 80 nesta terça-feira, maior preço em três anos.
Enquanto não há solução para os problemas do gás, os preços no Hemisfério Norte sobem, pois é preciso fazer estoques para o inverno. Se o inverno no Norte for muito frio, a situação vai piorar, assim como vamos ter problemas por aqui no Brasil se não chover muito a partir de novembro.
Uma crise ainda mais feia de preços ainda parece evitável. A Rússia talvez possa fornecer mais gás. Há um problema enrolado aqui. Os russos acabaram de concluir um gasoduto que parte quase da sua fronteira com a Finlândia e chega na Alemanha, passando pelo Mar Báltico, o Nord Stream 2. A obra foi muito contestada por americanos e alguns europeus; sofreu sanções, por assim dizer. Com o gasoduto novo, os russos podem largar os seus canos de gás que passavam pela Ucrânia. Se a Ucrânia não tem mais essa utilidade, dizem ocidentais, é possível que os russos até invadam o país, entre outros problemas geopolíticos, embora a Alemanha seja a favor do gasoduto. Segundo a especulação diplomática europeia, pois, os russos usam a escassez de gás para obter o fim de sanções a seu gasoduto. É possível também que estejam apenas ou também repondo seus estoques vazios.
Em breve, a Opep pode permitir aumentos adicionais de produção de petróleo. Não resolve o problema de falta de gás natural, mas o atenua ou segura a alta do petróleo. A especulação dos analistas é que o cartel não vai conter a produção (e faturar ainda mais com preços mais altos) até asfixiar os clientes, como fez nos anos 1970. Querem apenas garantir que o preço do barril flutue em uma faixa alta o suficiente para que o rendimento dos poços pague a conta das despesas de seus governos, mas não alta em excesso, que estimularia a entrada de concorrentes no mercado.
Por fim, a certo preço, alguns produtores americanos de gás (“shale”) podem voltar a se interessar em produzir e outros podem investir em centros de distribuição. No entanto, também nos Estados Unidos se procura desestimular o uso de gás, o que é um problema: o investimento para lidar com uma crise de curto prazo pode não dar retorno.
Em tese, o pior da crise é evitável, ao menos no que diz respeito aos gargalos de gás e petróleo mais imediatos. Os gargalos, porém, podem não ser tão breves. Críticos variados do programa de descarbonização (ou do seu ritmo e de seu planejamento) dizem que a Europa se lançou em um programa de desestímulo de produção e uso de combustíveis fósseis sem antes dispor de alternativa confiável para crises ao menos pontuais de oferta de energia. Isto é, tributou os fósseis, criou um mercado caro de permissão de uso de carbono, desmonta unidades produtivas. No longo prazo, tende a funcionar. Em crises de oferta, como agora, piorada pela desordem provocada pela epidemia, pode ter de lidar com uma conta de luz e aquecimento cara e revolta popular.
Valor
Auxílio emergencial prorrogado até 2022 volta a entrar na mira
Proposta está em estudo, mas enfrenta resistências pelo Ministério da Economia
Em meio às dificuldades para viabilizar a criação do Auxílio Brasil, programa que substituirá o Bolsa Família, uma fonte do governo federal confirmou ao Valor que está em estudo a prorrogação do pagamento do auxílio emergencial até abril de 2022. A ideia está sendo avaliada e o martelo ainda não foi batido. “Estudos sempre existem. Estamos avaliando, mas não há nenhuma definição”, disse um auxiliar do governo que acompanha as negociações.
A alternativa passou a ser analisada em meio ao impasse para encontrar uma solução para os precatórios e das dificuldades em emplacar no Senado a reforma do Imposto de Renda. A medida, porém, encontra resistência no Ministério da Economia. A pasta tem “fortes restrições” à ideia, disse o secretário do Tesouro Nacional, Jeferson Bittencourt.
Segundo ele, o auxílio emergencial foi criado num contexto de restrição à mobilidade das pessoas, dificuldade em auferir renda e sob o impacto da pandemia, com elevados níveis de infecção e mortes. “Estamos caminhando para números bem mais positivos.”
O pagamento de uma prorrogação do auxílio emergencial por crédito extraordinário também foi descartado pelo secretário. Para isso, a despesa precisaria cumprir três requisitos: relevância, urgência e imprevisibilidade. As elevadas taxas de desemprego, que têm sido utilizadas como argumento para a prorrogação do auxílio, atendem aos dois primeiros critérios, mas não podem ser classificadas como imprevisíveis, explicou o secretário. A imprevisibilidade está relacionada à impossibilidade de incluir uma despesa na lei orçamentária, e a de 2022 está em discussão no Congresso.
Apesar das resistências da equipe econômica, há uma grande intenção no Ministério da Cidadania e em alas do Congresso de prorrogar novamente o auxílio devido ao apelo social, ao aumento do desemprego e às dificuldades encontradas pelo governo de pôr de pé o Bolsa Família ampliado. Para Bittencourt, a economia está em recuperação, mas há o “incômodo” de parcela da população ainda não se beneficiar com isso. Segundo ele, é preciso “serenidade” para tratar questões estruturais com medidas de caráter estrutural. “Um tratamento extraordinário não é o mais adequado.”
Ele afirmou ainda que o projeto que permite que o governo utilize a reforma do Imposto de Renda para compensar a criação do Auxílio Brasil não reduz as travas da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) para criação de despesas obrigatórias. “Não existe a possibilidade de o programa [Auxílio Brasil] ser criado antes de a medida de compensação estar em vigor. O que rege isso é o parágrafo 5º do artigo 17 da LRF, que não está sendo alterado”, afirmou.
O projeto foi aprovado na segunda-feira pelo Congresso. Bittencourt disse que a mudança aprovada apenas permitiu que o projeto do IR começasse a tramitar antes da medida provisória que cria o novo programa social. Segundo ele, a restrição da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) que dizia que a compensação não poderia vir de medidas em tramitação visava evitar que se pegasse “carona” em propostas em andamento. “Mas não é o caso da reforma do IR”, defendeu, argumentando que, desde que foi apresentado, o projeto já trazia o propósito de servir como compensação para o novo programa social.
Valor
Metade das pequenas empresas não possui reserva financeira. Mas a situação já foi pior
12% afirmam que têm dificuldades para pagar conta em dia
A falta de reserva financeira atinge mais de metade das micro e pequenas empresas brasileiras. São 52%, de acordo com a pesquisa Sondagem das Micro e Pequenas Empresas, realizada pelo Sebrae em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV) e antecipada ao Valor. Desse conjunto, 12% informam que, além de não dispor de poupança, enfrentam dificuldades para pagar as contas em dia. A situação já esteve pior. No ano passado, as reservas em poder das microempresas equivaliam a dois meses de faturamento. Atualmente, correspondem a três meses.
“Sob o aspecto da saúde financeira, o quadro é razoavelmente bom”, avaliou o presidente do Sebrae, Carlos Melles. Ele acredita que as medidas adotadas pelo governo no combate aos efeitos econômicos da pandemia evitaram uma deterioração mais profunda da situação financeira das empresas. Embora tenham “judiado pelo lado fiscal”, com gastos extras de quase R$ 1 trilhão. O quadro à frente é desafiador, reconhece Melles. “Nós nunca tivemos uma convergência de tanta coisa chata num momento tão esperado de recuperação”, afirmou.
Entre os fatores que nublam o horizonte à frente, o dirigente citou o aumento do preço do gás, dos combustíveis, o risco de escassez de energia e o elevado custo da cesta básica. “Esses fatores não são positivos, mas podem ser superados”, afirmou Melles.
Outra pesquisa realizada pelo Sebrae sobre o impacto da alta da energia e matérias primas mostrou que os pequenos negócios também são afetados por esses elementos, mas seguem apresentando indicadores positivos. Por exemplo, menor índice de endividamento e menos empresas registrando queda no faturamento. São dados que, na visão do presidente do Sebrae, não são bons como poderiam. Porém, não chegam a ser negativos.
A recuperação está em curso, mas é desigual, apontou o assessor especial do Ministério da Economia Guilherme Afif Domingos, que presidiu o Sebrae entre 2015 e 2018. Alguns setores conseguiram até aumentar sua renda com a crise sanitária, enquanto outros enfrentam dificuldades. “A pandemia produziu os falecidos e também os falidos”, disse o assessor do ministro Paulo Guedes.
O setor de alimentação fora do domicílio, um dos mais atingidos pela pandemia, ainda opera com dificuldade. Em julho, 64% dos estabelecimentos estava com contas em atraso. “É um indicador de total falta de reservas, falta até de liquidez”, comentou o presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), Paulo Solmucci. Em julho, 37% das empresas do setor informaram operar com prejuízo.
Os estabelecimentos esperam retornar ao seu nível normal de endividamento em dois a cinco anos. De acordo com a pesquisa do Sebrae, 59% das micro e pequenas empresas do setor de serviços estão sem reservas. Entre as do comércio, 44,5% estão nessa situação. Na indústria, são 50,1%. São índices mais elevados do que o conjunto das empresas brasileiras de todos os portes, em que a falta de reserva é problema para 35%.
Entre as empresas que têm reservas, 48% pretendem utilizá-las nos próximos 12 meses. Indústria é o setor em que a intenção de uso de reservas é mais elevada. O destino são investimentos em máquinas, equipamentos e infraestrutura. Já entre as empresas do setor de serviços, 42% pretendem usar suas reservas, principalmente para investimentos em máquinas, equipamentos e modernização.
O pagamento de dívidas está no plano de 23,3% das companhias consultadas. No comércio, 41,5% que pretendem usar os recursos devem investir principalmente na antecipação de compras de insumos e matérias-primas e em infraestrutura. A pesquisa do Sebrae ouviu 1.500 empresas entre os dias 1º e 27 de agosto
O Globo
CPI da Covid: advogada denuncia que Prevent Senior fez ‘pacto’ com governo Bolsonaro para validar cloroquina e frear lockdown
Bruna Morato relata que ‘gabinete paralelo’ usou a rede hospitalar para propalar tratamento precoce e tentar evitar efeitos na economia das medidas de isolamento
Em depoimento à CPI da Covid nesta terça-feira, a advogada Bruna Morato afirmou que o governo federal tinha um “pacto” com a Prevent Senior para validar o tratamento com o chamado “kit covid”, de medicamentos sem comprovação científica contra a doença, como a cloroquina. Morato representa os médicos que trabalharam e denunciaram a operadora de saúde e afirma que existia uma estratégia para que a Prevent ajudasse a equipe que assessorava o governo, conhecida como “gabinete paralelo”, a validar o chamado tratamento precoce.
Segundo a advogada, o gabinete paralelo trabalhava alinhado com o Ministério da Economia para viabilizar estratégias para boicotar o lockdown e medidas de isolamento que prejudicassem a atividade econômica no país. De acordo com a advogada, no início da pandemia, o diretor da Prevent Senior, Pedro Benedito Batista Júnior, tentou se aproximar do então ministro da Saúde, Henrique Mandetta. À época, houve várias mortes na rede hospitalar em razão da Covid-19, o que levou Mandetta a criticar a empresa.
Sem sucesso na aproximação, o diretor da Prevent conseguiu por “outras vias” descobrir um grupo de médicos que assessorava o governo de forma paralela, disse Bruna relatando as informações que foram repassadas pelos médicos que a contrataram:
— Por conta das constantes críticas do ministro Mandetta, a direção tinha que tomar uma atitude. Num primeiro momento, se aproximar do ministério, por meio de um médico familiar de Mandetta, mas Mandetta não deu abertura, fazendo com que procurasse outras vias. O doutor Pedro [Pedro Benedito Batista Júnior, diretor da Prevent Senior] foi informado de que existia um conjunto de médicos assessorando o governo federal e alinhado com o Ministério da Economia — disse Bruna.
A informação chamou a atenção de membros da comissão, mas Bruna explicou que isso não significava envolvimento do ministro Paulo Guedes. Segundo ela, foi dito na ocasião que “existe um interesse do Ministério da Economia para que o país não pare e, se nós entrarmos no sistema de lockdown, teremos um abalo muito grande”.
— Existia um plano para as pessoas saírem para a rua sem medo. Eles desenvolveram uma estratégia. Qual? Através do aconselhamento de médicos. Era Anthony Wong, toxicologista, a doutora Nise Yamaguchi, especialista em imunologia, o virologista Paolo Zanotto. E a Prevent Senior iria entrar para colaborar com essas pessoas — disse a advogada. — O que eles falavam eram em alinhamento ideológico. Tinha que dar esperança para as pessoas irem às ruas, e essa esperança tinha um nome: hidroxicloroquina”, continuou Morato.
Anthony Wong morreu de Covid, informação que foi omitida certidão de óbito, segundo documentos em posse da CPI. Conhecido defensor do “tratamento precoce”, ineficaz contra a Covid-19, ele foi submetido às mesmas drogas cujo uso defendia em um hospital da Prevent Senior.
Nise Yamaguchi e Paolo Zanotto são apontados como integrantes do gabinete paralelo. Em reunião no ano passado com Bolsonaro e outros médicos, Zanotto sugeriu a criação de um “shadow cabinet”, ou seja, um “gabinete das sombras” para tratar do enfrentamento à pandemia.
De acordo com a advogada, cada médico teria uma atribuição específica dentro desse “pacto”. A Anthony Wong caberia “desenvolver um conjunto medicamentoso atóxico”, enquanto a médica Nise Yamaguchi “deveria disseminar informações a respeito da resposta imunológica das pessoas”. Já o virologista Paolo Zanotto deveria trabalhar na comunicação, falando a respeito do vírus e do tratamento “de forma mais abrangente” e “evocando notícias”.
A advogada afirmou ainda que, após os contatos dos médicos do chamado gabinete paralelo, a empresa sentiu segurança de que não seria incomodada por qualquer fiscalização do Ministério da Saúde.
— A informação que eu tive é que uma vez realizado esse pacto ou aliança junto com a… Entre esse conjunto de assessores que depois foram denominados por esta Comissão Parlamentar como sendo o gabinete paralelo, mas que, na época, eram apenas os assessores, é que após esse contato lhe foi transferida certa segurança, então, a Prevent Senior tinha segurança que ela não sofreria fiscalização do Ministério da Saúde ou de outros órgãos vinculados ao Ministério da Saúde.
Em nota, a Prevent Senior negou e repudiou o que chamou de “acusações mentirosas levadas anonimamente à CPI da Covid e à imprensa”. Segundo a empresa, o depoimento de Bruna Morato “confirma que se tratam de acusações infundadas, que têm como base mensagens truncadas ou editadas vazadas à imprensa e serão desmontadas ao longo das investigações”.
A Prevent Senior informou também que “estranha o fato de a advogada manter no anonimato os supostos médicos autores da acusação”. E defendeu sua atuação na pandemia, dizendo que obteve um índice de 93% de vias salvas: “Ao longo da epidemia, a Prevent aplicou cerca de 500 mil testes em que constatou o contágio de 56 mil pacientes. Desse número, 7% redundaram em mortes. Todos os casos foram rigorosamente notificados. A Prevent Senior sempre respeitou a autonomia dos médicos, nunca demitindo profissionais por causa de suas convicções técnicas.”
A advogada disse que o prontuário de Anthony Wong mostra que, de fato, ele foi tratado com remédios sem eficácia para a Covid-19. E rebateu a versão da Prevent Senior de que os dados foram vazados de forma ilegal por um médico. Segundo Bruna Morato, as informações sobre Wong foram entregues pela própria empresa ao Conselho Regional de Medicina de São Paulo.
— O que me choca não é só o fato de ele [Wong] ter feito uso do tratamento preventivo e de ter sido cobaia para determinados tratamentos, mas o fato de ele ter sido admitido em uma unidade cardiológica em meio a outros tantos pacientes, colocando em risco a vida daquelas pessoas que faziam parte, que estavam com ele dentro de uma UTI, que não tinha isolamento para covid — disse a advogada.
Ela também disse que o prontuário de Regina Hang, mãe do empresário bolsonarista Luciano Hang, dono das lojas Havan,mostra que ela teve Covid. O atestado de óbito, porém, não tem essa informação. Regina foi tratada na Prevent Senior.
Folha de SP
CPI vê elo de conselhos de medicina com Prevent e gabinete paralelo na adoção do ‘kit Covid’
Advogada Bruna Morato aponta ‘pacto’ para usar medicamentos sem eficácia com o objetivo de evitar fechamento da economia na pandemia
Senadores da CPI da Covid apontaram que o depoimento da advogada Bruna Morato, que representa médicos que denunciaram irregularidades da Prevent Senior, deixou clara a ligação da operadora com os Conselhos Federal e Regional de Medicina e com o gabinete paralelo na adoção do “kit Covid”, medicamentos sem eficácia contra a doença.
Os membros da comissão aprovaram nesta terça-feira (28) requerimento no qual pedem que as Procuradorias em São Paulo e no DF, além da Polícia Federal, investiguem possível omissão dos conselhos no caso Prevent. Esses conselhos já entraram no radar da CPI anteriormente por não tomar posição mais definitiva em relação ao tratamento precoce e por usar redes sociais para criticar o colegiado.
Morato, que diz representar 12 médicos da Prevent, afirmou à CPI nesta terça que seus clientes tinham medo de denunciar irregularidades na operadora, pois havia uma relação próxima forte entre a empresa e os conselhos de medicina. O grupo representado pela advogada elaborou um dossiê encaminhado à comissão com denúncias contra a empresa.
Morato também apontou que havia um “pacto” entre a operadora e o chamado gabinete paralelo, composto por médicos que aconselhavam o presidente Jair Bolsonaro e incentivavam o uso do “kit Covid”. Um dos objetivos deste alinhamento, segundo ela, seria a elaboração de uma estratégia para evitar o fechamento da economia durante a pandemia, usando o tratamento precoce como “esperança” para a população.
Em uma revelação que chamou a atenção dos senadores, a advogada mencionou que o gabinete paralelo atuava em consonância com o Ministério da Economia, que defendia a estratégia.
A Prevent Senior entrou no radar da CPI após o recebimento do dossiê dos médicos da Prevent, que relatou que hospitais da rede eram usados como “laboratórios” para estudos com medicamentos sem eficácia comprovada para o tratamento da Covid-19, como a hidroxicloroquina. Os familiares dos pacientes não seriam informados de que receberiam esses medicamentos.
A advogada foi insistentemente questionada pelo governista Marcos Rogério (DEM-RO) sobre o nome dos 12 médicos que representa e que teriam feito as denúncias. No entanto, ela alegou sigilo profissional e se recusou a entregar as identidades. Rogério então apontou que Morato compareceu ao depoimento na condição de testemunha e não como defensora, devendo portanto responder as perguntas e revelar os nomes. Inicialmente, a CPI e a própria defesa haviam informado que 15 médicos haviam apresentado as denúncias constantes no dossiê e não apenas os 12 que a advogada afirma representar.
Morato também foi questionada pelos senadores sobre por que os médicos não encaminharam as denúncias para os conselhos de medicina, para que as irregularidades fossem apuradas e, os responsáveis, punidos. “Esses médicos recebiam a informação de que o Conselho Federal de Medicina e de que o Cremesp, de São Paulo, ou seja o Conselho Regional de Medicina de São Paulo, teria relação com a empresa, de modo que eles tinham muito medo de levar essas denúncias ao Cremesp”, afirmou a advogada.
Em nota, o CFM informou que repudia as “acusações falaciosas” e afirma que os acusadores e os senadores desenham “narrativas e teoristas conspiratórias”. O conselho ainda afirma que não é a instância adequada para apurar denúncias contra médicos, o que deve ser feito primeiro localmente. O CFM também acrescenta que sua manifestação no ano passado não foi na defesa de medicamentos administrados fora do prescrito na bula e sim em defesa da autonomia dos médicos.
“Em momento algum, o CFM apresenta a terapia respectiva como medida eficaz ou, de qualquer modo, solução efetiva para a pandemia. Ao contrário, sempre incentivou em suas manifestações a utilização de máscaras, o distanciamento social, a necessária vacinação em massa, entre outras formas de prevenção de contágio”, afirma a nota.
Morato indicou em seu depoimento uma forte ligação da operadora com o governo Bolsonaro, por meio do chamado gabinete paralelo. Segundo ela, a direção da Prevent Senior buscou se aproximar do Ministério da Saúde, após uma série de críticas do então ministro Luiz Henrique Mandetta. A tentativa se deu por um parente de Mandetta, mas a relação não avançou. Os diretores então ficaram sabendo de um grupo que assessorava o governo, em conexão com o Ministério da Economia.
Após a sessão, o vice-presidente Randolfe Rdrigues (Rede-AP) disse que a comissão vai avaliar se convoca o ministro da Economia, Paulo Guedes, ou o secretário de Política Econômica, Adolfo Sachsida. “O que eles me explicaram foi o seguinte: existe um interesse do Ministério da Economia para que o país não pare, e, se nós entrarmos nesse sistema de lockdown, nós teríamos um abalo econômico muito grande, e, então, existia um plano para que as pessoas pudessem sair às ruas sem medo”, afirmou Morato. “Eles desenvolveram uma estratégia. Qual era essa estratégia? Através do aconselhamento de médicos”, disse a advogada.
“Esses médicos eu posso citar também de forma nominal, porque me foi dada essa explicação: o doutor Anthony Wong, toxicologista responsável por desenvolver um conjunto medicamentoso atóxico; doutora Nise Yamaguchi, especialista em imunologia, a qual deveria disseminar informações a respeito da resposta imunológica das pessoas; o virologista Paolo Zanotto, para que ele falasse a respeito do vírus e tratasse a respeito dessa situação de forma mais abrangente, evocando notícias. E a Prevent Senior iria entrar para colaborar com essas pessoas. É como se fosse uma troca, a qual nós chamamos na denúncia de pacto, porque assim me foi dito”, completou ela.
Caberia, portanto, à Prevent Senior fornecer informações positivas sobre o tratamento precoce, indicando que medicamentos como azitromicina e hidroxicloroquina obtiveram resultados para tratar a Covid-19. A operadora então estabeleceu um protocolo com o “kit Covid”, sem que pacientes e familiares fossem informados.
Uma das práticas adotadas seria entregar termos de consentimento genéricos, sem detalhar como seria o tratamento. A advogada descreve que os pacientes eram cobaias. “Eles falavam para o paciente: ‘Olha, você vai passar por um tratamento, muito eficaz, novo. Se você quiser participar desse tratamento, você precisa dar um OK’. E eles davam esse OK, mas eles são parte de uma população vulnerável. Eles não sabiam que seriam feitos de cobaia. Eles apenas sabiam que iriam receber um medicamento”, afirmou.
A advogada disse que os kits com os medicamentos vinham já fechados, com uma receita pronta. Portanto, não havia autonomia dos médicos para não indicarem esse tratamento. Os que se recusavam eram demitidos.
“Chegou a um ponto tão lamentável, que esse kit era composto por oito itens. E aí os médicos, pelo menos na explicação que me deram, os plantonistas pegavam o kit, entregavam ao paciente e diziam ao paciente: ‘Olhe, eu preciso dar a você, porque, se eu não entregar a você esse kit, eu posso ser demitido. Mas eu o oriento que, se você for tomar alguma coisa daqui, tome só as proteínas ou só as vitaminas, porque os outros, além de não terem eficácia, são muito perigosos’”, afirmou.
Morato também corroborou denúncias anteriores de que o uso do tratamento precoce seria para reduzir custos. Ela citou que a Prevent Senior não tinha os leitos de UTI necessários para enfrentar a pandemia. “As mensagens de texto encaminhadas e disponibilizadas à Comissão Parlamentar de Inquérito mostram que a Prevent Senior não tinha a quantidade de leitos necessários de UTI e que, por isso, orientava que fosse feito o tratamento precoce”, afirmou ela.
A advogada confirmou ainda ter ouvido de seus clientes que existia um protocolo para a alteração do código de diagnóstico dos pacientes, para que fosse retirada a Covid-19 dos prontuários médicos após determinados dias de internação.
Ela citou também o caso do médico Anthony Wong, que morreu de Covid, segundo dados do seu prontuário médico, embora a certidão de óbito não cite a doença. A advogada apontou uma situação na qual a internação do médico poderia expor outros pacientes a riscos, já que ele foi colocado em uma área para pacientes sem Covid.
“No caso do doutor Anthony Wong, foi vasta a quantidade de publicações referentes à internação, dizendo se tratar de hemorragia digestiva, e, ao óbito, dizendo se tratar de choque séptico. Na verdade, ele também teve choque séptico, mas foi pulmonar, em decorrência da Covid-19, o que deveria ter sido devidamente colocado na sua declaração de óbito para que constasse na certidão de óbito”, afirmou.
“O doutor Anthony Wong ficou internado na unidade que se chama unidade Itaim, uma unidade não Covid, normalmente para pacientes cardiológicos, o que significa que ele ficou internado com Covid-19 numa UTI em que tinham outros pacientes com outras comorbidades”, disse Morato.
A a advogada Bruno Morato também afirma ter recebido relatos de que a empresa reduzia o nível de oxigenação de pacientes em estado grave. No entanto, pediu que o caso fosse averiguado e aponta que recebeu o relato após concluir o dossiê entregue para a CPI. Por isso o caso não consta na documentação.
“Eu gostaria que essa informação fosse averiguada. Essa informação não consta na denúncia. É uma informação que recebi posterior à denúncia. E o relato foi o seguinte, de que pacientes internados em determinadas unidades de terapia intensiva, cuja internação tivesse mais de 10 ou 14 dias, a esses pacientes o procedimento indicado era a redução da oxigenação, ou seja, eles iam reduzindo o nível dos respiradores”, afirmou a advogada.
“Eu não considero isso como sendo um tratamento paliativo. Isso foge das práticas paliativas. E sinceramente acredito que esses pacientes nem tinham condições de serem encaminhados à enfermaria, esse leito híbrido”, completou.
Bruna Morato também afirmou que a empresa levava com rigor o lema “lealdade e obediência”, que afetaria a autonomia dos médicos para prescrever tratamentos. Ela afirmou que um exemplo desse rigor seriam eventos nos quais os médicos eram obrigados a cantar o hino da empresa com a mão no peito. “A Prevent Senior tem uma política um tanto quanto diferente. Há descrição que nos anos 2015, 2016 e 2017 a Prevent Senior em alguns eventos propagava um hino, o hino dos guardiões. Esses médicos eram obrigados a cantar o hino com a mão no peito”, afirmou a advogada.
Folha de SP (opinião)
Há uma bomba relógio no TSE
Cassar chapa Bolsonaro-Mourão com atraso de três anos é tapetão
ELIO GASPARI
O Tribunal Superior Eleitoral revelou que nas próximas semanas julgará o processo de cassação da chapa de Jair Bolsonaro e Hamilton Mourão. Parece falta de assunto, mas é bom que se diga: trata-se de uma iniciativa retardatária e inoportuna, caso clássico de tapetão.
É retardatária porque não faz sentido cassar uma chapa três anos depois da campanha durante a qual teriam ocorrido flagrantes transgressões da lei.
Tudo indica que as ilegalidades ocorreram, mas se o Judiciário levou três anos para decidir julgar o caso, deveria reconhecer que sua morosidade causou danos ao bem público semelhantes aos das malfeitorias cometidas.
Se o caso envolvesse uma autoridade conduzida a um cargo vitalício, tudo bem, mas cassar uma chapa a um ano do fim do mandato é uma excentricidade.
É inoportuna, porque o país ainda não se livrou da tensão institucional manipulada por Bolsonaro nos seus confrontos verbais com o Judiciário. Uma nova encrenca nesse quintal é coisa desnecessária.
É um caso de tapetão porque, anulando o resultado de um pleito mais de três anos depois de sua realização leva água para o moinho do condenado. É tudo o que precisa um governante ameaçado de perder a reeleição. Ele fica com o argumento de que foi eleito por 50 milhões de pessoas e cassado três anos depois pela maioria de um colegiado de sete sábios. Para Bolsonaro, esse seria um cenário de sonho.
A esta altura, Jair Bolsonaro pode ser afastado da Presidência pelo Congresso, por meio de um processo de impedimento. Se faltam apoios para isso, paciência. Resta a alternativa lisa e límpida da eleição do ano que vem.
O TSE já passou por experiência semelhante em 2017, quando julgou o processo de cassação da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer. A senhora já havia sido deposta pelo Congresso, o vice ocupava-lhe a cadeira e o tribunal rejeitou o pedido. Viveu-se uma tensão desnecessária.
Todas as encrencas que Bolsonaro alimentou com o Judiciário partem da premissa de que ele tenta invadir as competências do Executivo. A cassação da chapa seria uma cereja para esse bolo.
Fica a pergunta do que seria possível fazer para desarmar a bomba relógio. Isso só os ministros do TSE poderão saber. No caso da cassação da chapa Dilma-Temer, seguiram um caminho que resultou na piada segundo a qual a dupla foi inocentada por excesso de provas.
Um dos pilares das denúncias contra Bolsonaro está na exposição do uso abundante de notícias falsas durante a campanha de 2018. Nesse sentido, agora o próprio TSE armou-se para impedir que essa praga contamine a eleição do ano que vem. Há três anos, as notícias falsas eram uma produção nacional. Pelo andar da carruagem, percebe-se que a receita promete ser repetida no ano que vem, com o agravante da internacionalização.
Quando Steve Bannon, o guru de Donald Trump, disse que Lula “é o esquerdista mais perigoso do mundo” sinalizava o que pode vir por aí.
Em janeiro passado, o mesmo Bannon prometia “destruir a Presidência de Joe Biden no berço”. Referia-se à armação que resultou na invasão do Capitólio, no dia 6 de janeiro. Lá, essas coisas não mofam no Judiciário. A turma que armou a insurreição está respondendo pelos seus crimes e muitos deles já admitiram suas culpas e apenas esperam as sentenças dos juízes.
Folha de SP
Senadores dos EUA pedem a Biden ‘sérias consequências’ caso Bolsonaro cause ruptura democrática
Presidente da Comissão de Relações Exteriores diz que ‘apoio à democracia brasileira’ precisa pautar discussões sobre o país na OCDE e na Otan
O presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado americano, o democrata Bob Menendez, e outros três parlamentares enviaram nesta terça-feira (28) uma carta instando o governo de Joe Biden a deixar claro para o presidente Jair Bolsonaro que qualquer ruptura democrática no Brasil “terá sérias consequências”.
Na missiva enviada ao secretário de Estado, Antony Blinken, os senadores advertem que Bolsonaro vem fazendo ameaças de rompimento da ordem constitucional no Brasil, usando-se de uma linguagem “irresponsável” e de gestos de intimidação contra ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
“Dado que o Brasil é uma das maiores democracias e economias do mundo e um dos principais aliados dos EUA na região, a deterioração da democracia brasileira tem implicações no hemisfério e além”, dizem os senadores na carta, a que a Folha teve acesso. “Instamos o senhor a deixar claro que os EUA apoiam as instituições democráticas brasileiras e que qualquer ruptura antidemocrática da atual ordem constitucional terá sérias consequências.”
Menendez, representante de Nova Jersey, é um moderado bastante respeitado em Washington e, à frente da Comissão de Relações Exteriores, tem grande influência sobre a política externa americana. Além dele, assinam a carta os senadores democratas Dick Durbin (Illinois), Ben Cardin (Maryland) e Sherrod Brown (Ohio).
Na carta, o líder do colegiado afirma que o Brasil deveria ser “um baluarte contra atores não democráticos, de China e Rússia a Cuba e Venezuela”, que tentam solapar a estabilidade democrática. “Uma disrupção à ordem constitucional seria uma ameaça à base dessa relação bilateral”, continua o texto. Os legisladores urgem o secretário de Estado a tornar o “apoio à democracia brasileira uma prioridade diplomática, inclusive em discussões bilaterais relacionadas à participação do Brasil em organizações como a OCDE e a Otan”.
O Brasil precisa do apoio do governo americano para ser o próximo candidato a ingressar na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), o chamado clube dos países ricos. Entrar no órgão, o que funcionaria como uma espécie de selo de qualidade para investidores, é uma das prioridades da política externa de Bolsonaro.
O apoio para o Brasil se tornar um sócio global da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), a aliança militar ocidental, por sua vez, foi oferecido durante visita ao Brasil do assessor de Segurança Nacional dos EUA, Jake Sullivan, em agosto —o que gerou críticas no Congresso americano.
Recentemente, parlamentares do Partido Democrata apresentaram uma emenda ao orçamento de Defesa para proibir o governo americano de usar recursos públicos para beneficiar o Brasil em decorrência do status do país de aliado prioritário extra-Otan.
No texto da carta enviada a Blinken, os senadores destacam que Bolsonaro tem feito declarações perigosas sobre as eleições de 2022, dizendo que não vai aceitar o resultado se perder e que, se não houver mudança no sistema eleitoral eletrônico, o pleito pode ter fraudes. Para os americanos, esse tipo de “linguagem irresponsável” é “perigosa” em qualquer democracia.
Os senadores também afirmam que o presidente brasileiro tem feito “ataques pessoais” contra integrantes do STF e disse que estaria disposto a usar manobras fora da Constituição para impedir os ministros de exercerem suas atribuições legais. “Se o presidente Bolsonaro cumprir suas promessas e abertamente descumprir decisões do Supremo, isso irá estabelecer um precedente muito perigoso para outras tentativas de solapar o Estado de Direito.”
Durante o encontro com o brasileiro em agosto, cujo tema principal foi um possível veto à Huawei no leilão do sistema 5G no país, Sullivan havia manifestado a preocupação do governo americano com as ameaças de Bolsonaro à integridade eleitoral e com as alegações sobre supostas fraudes nas urnas, segundo informou um alto funcionário da gestão Biden.
O Globo (coluna)
A disposição que Moro mostra para enfrentar Lula e Bolsonaro em 2022
BELA MEGALE
Senadores e deputados que trabalham para convencer Sergio Moro a se lançar candidato à presidência em 2022 afirmam que o ex-juiz está “muito consciente” que enfrentará uma campanha pesada com Lula e Bolsonaro como adversários.
Em conversas sobre o assunto, o ex-ministro da Justiça costuma dizer que sabe que precisará ser resiliente e que a trajetória será difícil. Parlamentares têm alertado Moro que os debates, em especial com o ex-presidente Lula, que é “muito hábil”, serão testes de resistência.
Os entusiastas da candidatura ex-juiz estão cientes que a fala não é o melhor ativo de Moro. Outro conselho dado ao ex-ministro é que é importante ter um bom plano para a vitória, mas também projetos caso perca as eleições.
Um fato novo tem animado os aliados do ex-ministro. A resistência de mulher de Moro, a advogada Rosângela, à candidatura do ex-juiz à presidência arrefeceu. Moro, que hoje mora nos Estados Unidos, está de passagem pelo Brasil para discutir seu futuro político. Ele se comprometeu a anunciar se pretende ou não concorrer à presidência ou ao Senado até a primeira quinzena de novembro. Moro tem encontros programados com o ex-ministro Mandetta e com o governador de São Paulo, João Doria, para debater a terceira via no Brasil.
Folha de SP
PSOL reforça tendência de apoiar Lula e diz esperar ‘generosidade’ de partidos por Boulos em SP
Após reeleição de presidente do partido, aliança com PT ganha força, mas será reavaliada em 2022; plano B de candidatura própria é mantido
A reeleição de Juliano Medeiros, 36, para a presidência do PSOL neste domingo (26) e a decisão do partido de não lançar uma pré-candidatura ao Palácio do Planalto reforçaram o caminho para o apoio da legenda a Lula (PT) em 2022. Em São Paulo, o movimento da sigla é inverso —o de esperar reforços à pré-candidatura de Guilherme Boulos (PSOL) ao governo.
A decisão da maioria dos delegados do PSOL durante o congresso do fim de semana foi a de priorizar a busca pelo impeachment de Jair Bolsonaro (sem partido) e tentar construir a unidade da esquerda na eleição nacional —o que significa, na prática, formar coligação com o PT e abrir mão de uma candidatura própria presidencial pela primeira vez desde a fundação do partido, em 2004.
À Folha Medeiros, que é historiador e cientista político, afirma haver condições a serem preenchidas para que, de fato, o partido integre uma coligação das esquerdas, mas nega que a adesão do PT, que lançou Fernando Haddad, à candidatura de Boulos ao governo paulista seja uma delas. “Não vamos tratar essa essa situação de São Paulo como um simples toma lá, dá cá”, diz.
“Isso não quer dizer que nós não esperamos, óbvio, generosidade dos partidos para reconhecer o papel importante que o Guilherme Boulos tem cumprido”, completa o presidente do PSOL. Pesquisa Datafolha divulgada na semana passada mostra Haddad com 17% das intenções de voto, contra 11% de Boulos.
“Assim como vamos trabalhar pela unidade das forças progressistas e democráticas em nível nacional, vamos defender que isso aconteça também no estado de São Paulo. Acredito hoje que essa unidade é mais facilmente construída e pode gerar mais frutos se for feita em torno do Guilherme Boulos, que me parece o candidato em melhores condições pra fazer essa disputa, em que pesem as pesquisas recentes”, diz Medeiros.
O dirigente afirma que Boulos representa renovação e vem de “um desempenho extraordinário” na disputa pela Prefeitura de São Paulo, em 2020, quando perdeu no segundo turno para Bruno Covas (PSDB) —Jilmar Tatto (PT) terminou com 8,65%.
“Boulos tem mantido diálogos muito produtivos com outros partidos do campo progressista que têm alguma resistência em apoiar uma candidatura do PT”, pontua Medeiros.
Como mostrou a Folha, o PT tampouco cogita abrir mão da candidatura de Haddad, o que estabelece um impasse na eleição paulista em que a esquerda tem sua melhor chance em anos —com candidatos bem posicionados e com fragmentação de adversários no campo da direita e no polo bolsonarista.
A eleição de Medeiros, com 57% dos votos, era esperada, assim como sua posição pró-aliança com o PT é conhecida na sigla. Mas, de qualquer forma, o congresso deixou espaço para eventual recuo no apoio a Lula, brecha que será aproveitada pela ala minoritária que defende a pré-candidatura do deputado federal Glauber Braga (PSOL-RJ) à Presidência da República.
Ficou acertado que, no primeiro semestre de 2022, o partido fará o que chamou de conferência eleitoral extraordinária para confirmar ou reavaliar sua posição em relação à eleição presidencial. “Nossa prioridade é o ‘fora, Bolsonaro’. Vamos discutir detalhes da tática eleitoral só no ano que vem”, explica o presidente do PSOL.
Apesar da derrota, Braga ressaltou o apoio expressivo de 43% do partido e disse que continuará trabalhando para conquistar maioria pela sua candidatura. Sua esperança é reverter o cenário até a conferência eleitoral.
Questionado pela Folha sobre ainda haver espaço no PSOL para discussão de candidatura própria, Medeiros afirmou que o partido optou por convocar uma conferência em 2022 “porque considera que não é hora de centrar todo o debate na questão eleitoral”.
“Nenhum partido no Brasil tomou, nesse momento, qualquer definição sobre a tática eleitoral. Todos os partidos, de todos os campos ideológicos, estão debatendo o que fazer. Seria, portanto, absolutamente prematuro, eu diria inoportuno até, o PSOL apresentar um nome. É por isso que essa opção foi derrotada no nosso Congresso”, completou.
Medeiros afirma que abrir mão neste momento de um candidato não enfraquece o partido, que nasceu de uma dissidência do PT em 2003 e foi oposição aos governos Lula e Dilma Rousseff (PT) até uma reaproximação no impeachment da ex-presidente.
“Tenho certeza de que quem confia no PSOL e quem acompanha o nosso trabalho compreende que o momento que estamos vivendo é absolutamente diferente, com um governo de extrema direita no poder. Nossas definições sobre a política eleitoral no ano que vem têm que levar em conta, em primeiríssimo lugar, a necessidade de derrotar Jair Bolsonaro e reconstruir o Brasil”, diz ele.
“Se o caminho vai ser, como nós apontamos no congresso, a construção de uma frente das forças democráticas e progressistas ou se o caminho vai ser, no primeiro turno, [ter] uma divisão, isso o tempo vai dizer. Mas o nosso empenho é construir um ambiente político que permita a unidade porque nós não vivemos tempos normais.”
O diálogo, segundo Medeiros, envolve PT, PC do B, PSB, PDT, Rede e até PV e Cidadania —siglas que hoje compõem a Campanha Nacional Fora Bolsonaro, fórum de partidos e movimentos que já realizou cinco manifestações nacionais pelo impeachment do presidente desde maio.
No entanto, se para a ala de Braga o adiamento da questão eleitoral representa uma oportunidade, para Medeiros pode ser uma via de escape caso a unidade progressista não se viabilize.
A resolução do congresso do PSOL deixa claro que “a prioridade, em nível nacional, deve ser a construção da unidade entre os setores populares para assegurar a derrota da extrema direita”, mas com ressalvas: “esse processo de diálogo deve envolver elementos programáticos, arco de alianças e não pode ser uma via de mão única”. “Não queremos simplesmente um governo de ‘salvação nacional’: queremos um governo de esquerda”, afirma o texto.
À Folha Medeiros diz que a negociação não é bilateral, apenas com o PT, mas envolve os demais partidos e três aspectos —o programa da coalizão, o arco de alianças e que os interesses eleitorais de cada partido sejam respeitados.
“A respeito do programa, o PSOL não aceitará qualquer medida que tenha como propósito retirar direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras, restringir liberdade democráticas, fortalecer monopólios ou setores da especulação financeira. A hipótese de haver algum partido de centro em contradição com o bolsonarismo que queira compor uma aliança com as esquerdas é algo que nós vamos analisar, caso aconteça, no momento certo.”
Procurado pela reportagem, Braga afirma não ser “o pré-candidato oficialmente indicado pelo congresso”. “Mas vou, como militante, dialogar com a base partidária até a conferência”, completa. “Se o ex-presidente Lula escolhe [o dirigente nacional do MST João Pedro] Stédile como vice, a nossa tese de pré-candidatura acaba perdendo força, mas se ele escolhe Luiza Trajano ou alguém do mercado, nossa tese ganha força, com a possibilidade concreta de ser majoritária”, resume o deputado.
“Mantido o que vemos hoje, que é a priorização por parte de outros partidos de oposição de alianças com a direita, a minha avaliação é de que vamos ter candidatura própria. Temos que apresentar uma alternativa que as pessoas sintam como alternativa real a Bolsonaro”, diz Braga, mencionando não apenas os acenos do PT ao centrão, mas também os do PDT e PSB.
Outra preocupação levantada no congresso do PSOL é a questão da cláusula de barreira. “É um instrumento que precisa ser observado, porque foi pensado para enfraquecer as legendas ideológicas e fortalecer os partidos do centrão”, diz Medeiros.
Ele estima ser possível aumentar em 50% a bancada federal, de 10 para 15 deputados em 2022. “Isso tem a ver com garantir financiamento adequado para as candidaturas de negros e negras, mulheres, LGBTs. Que têm sido no PSOL o perfil de candidatura com muita força eleitoral, o que também aumenta a representatividade desses setores sociais sub-representados nos espaços de poder”, afirma o presidente, minimizando reclamações de financiamento feitas por candidatos em 2020.
Eleito para a presidência do PSOL em 2017 e agora reconduzido para um novo mandato de dois anos, Medeiros têm como primeira missão, ao lado de outros líderes partidários, a construção da manifestação pelo impeachment de Bolsonaro prevista para o próximo sábado (2).
“Reconhecemos que as forças de esquerda não são suficientes para viabilizar o impeachment. Portanto, precisamos atuar em unidade de ação com todas as forças políticas e sociais que estejam em contradição com o governo para ir criando uma onda, um movimento de repúdio, que possa pressionar a maioria do Congresso e o próprio presidente da Câmara”, diz ele.
Questionado sobre o partido não ter participado do ato da direita pelo impeachment, no último dia 12, Medeiros afirmou que a ida do PSOL a protesto do MBL ou vice-versa não passa por convites mútuos, mas por construção conjunta, algo que, de maneira otimista, ele vê em curso para o dia 2.
“É o dia em que o movimento pelo ‘fora, Bolsonaro’ vai demonstrar uma mudança de qualidade, com a adesão de partidos e movimentos que até agora não estavam de corpo e alma engajados nas ruas. Talvez não seja ainda, em termos quantitativos, a manifestação que vai, no dia seguinte, abrir o processo de impeachment. Mas estou muito otimista de que represente uma virada”, diz o presidente do PSOL. “Há um esforço genuíno de todos para construir um processo que possa ser apropriado por todos. Sem que ninguém se sinta prejudicado. Vamos ver se é possível”, completa.
Folha de SP
Tasso abandona prévias nacionais do PSDB para apoiar Leite contra Doria
Senador chegou a se inscrever na disputa interna, mas saída a favor do gaúcho era certa; agora, buscará FHC, que declarou apoio a paulista
Num movimento esperado por membros do PSDB, o senador Tasso Jereissati (CE) desistiu de sua pré-candidatura à Presidência da República para apoiar o governador Eduardo Leite (RS) nas prévias do partido. Os dois fizeram o anúncio de forma conjunta na tarde desta terça-feira (28), em Brasília.
As prévias tucanas, marcadas para 21 de novembro, estão concentradas em Leite e no governador João Doria (SP). Ambos fazem campanha pelos estados e travam uma corrida apertada até agora. O ex-prefeito de Manaus Arthur Vírgilio também é pré-candidato, mas tem menos chances e, na visão de tucanos, pode desistir antes do final.
No discurso em que declarou sua desistência e seu apoio a Leite, Tasso exaltou qualidades do gaúcho e afirmou que a maioria da bancada do Senado e 80% das executivas estaduais do PSDB estão apoiando essa ala nas prévias tucanas.
“Não sou candidato nas prévias do PSDB, mas isso não quer dizer que não estou na luta. Estou na luta, junto com companheiros, para fazer com que, a meu ver a pessoa que representa o PSDB legítimo, histórico e o PSDB do futuro, que é o governador Eduardo Leite, […] seja o candidato do PSDB à Presidência da República e, se Deus quiser, presidente da República”, disse Tasso durante evento na sede do PSDB nesta tarde.
A reunião teve a presença de parlamentares tucanos que apoiam Leite e da imprensa. Tasso afirmou que sua decisão se deu por uma questão de pragmatismo e pela série de afinidades de pensamento entre ele e Leite.
“Começamos a perceber uma coisa muito clara, que 80% mais ou menos das executivas estaduais ou estavam com Eduardo ou comigo, não estou exagerando. Eu olhava para Eduardo e pensava: esse cara pensa igual a mim. A única diferença é a idade, porque sou mais bonito e mais moço”, brincou Tasso, que tem 72 anos contra 36 do governador. “Vi no Eduardo dinamismo, juventude e força de vontade, que, depois dos 70 anos, a gente procura ter, mas não tem mais. […] O Brasil de hoje espera realmente uma coisa nova”, disse Tasso.
O senador afirmou ainda que, junto de Leite, irá fazer uma visita ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que já declarou publicamente apoio a Doria —a visita irá reabrir a disputa entre os governadores pelo voto do tucano mais importante do partido. “Tenho certeza absoluta de que o presidente FHC está torcendo, no mínimo, pela nossa caminhada”, disse Tasso. O convite partiu de FHC, segundo ele.
Em sua fala, Tasso também criticou o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), afirmando que ele tem viés autoritário e desprezo pela democracia e pela ciência. “O Brasil está na rota de naufrágio em todos os sentidos”, completou. O senador, que esteve com o ex-presidente Lula (PT) durante o giro do petista no Nordeste, afirmou que as pessoas hoje se ofendem e se agridem e que diálogo é preciso.
Leite afirmou receber o apoio de Tasso com orgulho e responsabilidade. “Vejo em Tasso as melhores qualidades que devem inspirar um homem público”, afirmou o governador. Ao exaltar o senador, fez críticas veladas a Doria ao dizer que, como Tasso, vê a “política como missão” e que a política exige “pensar nos outros e não em si”.
Leite disse ainda que o diálogo com outras siglas em busca de apoio não se dará em cima de um projeto pessoal. “Não é sobre apoiar um nome, é sobre apoiar um projeto para o país. Não simplesmente a sustentação a uma pessoa, a um nome, porque não é um projeto político partidário ou um projeto de poder, é um projeto de reconstrução do nosso país.”
Ao falar sobre missão política, Leite disse que compartilha desse sentimento com o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB), que está de saída do partido, após divergência com Doria, para concorrer ao Governo de São Paulo. O gaúcho disse trabalhar para que Alckmin permaneça na sigla.
Tasso, por sua vez, afirmou que Alckmin é alinhado a Leite —a demora do ex-governador em anunciar sua saída do PSDB é atribuída a aliados a uma última missão interna de ajudar Leite nas prévias. “Tenho certeza de que, se ele ficar dentro do PSDB, o perfil dele é absolutamente alinhado com o perfil do governador Eduardo Leite. Considero uma perda inestimável a saída se isso vier a acontecer. A principal característica que o candidato do PSDB tem que ter é a de agregar, não de separar”, disse Tasso em referência a Doria.
Como na semana passada, ao se inscrever para as prévias, Leite buscou um discurso de moderação, tentando se contrapor às críticas contundentes de Doria contra Lula e Bolsonaro. “O movimento deve ser o da união, da convergência, do entendimento. […] O Brasil não precisa de um terceiro polo de radicalização, mas de uma terceira via”, completou.
Outros senadores também discursaram, incluindo José Aníbal (SP), que coordena o processo de prévias e, por isso, evitou declarar seu voto, embora tenha exaltado características que tucanos associam à candidatura de Leite e não a de Doria. Segundo Aníbal, o PSDB deve construir uma “candidatura que seja viável, que dê confiança aos brasileiros, que promova convergência e não polarização, e que nos dê condição de disputar e vencer essa eleição”.
Apesar de Tasso ter feito sua inscrição nas prévias na semana passada, sua desistência era tida como certa. Ele e Leite são aliados de longa data e vinham discutindo juntos as estratégias nas prévias. O senador foi estimulado por alas do partido a concorrer por ser um nome considerado de consenso, mas questões pessoais e políticas pesaram contra. Nesta terça, Tasso afirmou que não deve disputar a reeleição para o Senado e que irá “brincar com seus netos”.
Tasso não chegou a viajar para fazer campanha nas prévias e manteve seu isolamento social em Fortaleza. Tucanos demonstravam preocupação com a disposição e com a saúde do senador para uma campanha presidencial. A assessoria de Tasso afirma que o senador não tem problemas de saúde.
Com o apoio de Tasso, Leite cresce no Ceará e em outros estados do Nordeste, além de ter conquistado Rio Grande do Sul, Paraná e Minas Gerais. Doria, por sua vez, é favorito em São Paulo, estado com maior número de parlamentares e filiados do PSDB. Também fechou apoio de Tocantins, Distrito Federal e Pará.
A disputa entre Leite e Doria se dá no campo da chamada terceira via, que reúne partidos contrários a Bolsonaro e Lula. Ao fazer sua inscrição nas prévias, o paulista optou por ataques diretos ao petista e críticas veladas a Bolsonaro. Já Leite afirmou não querer fomentar a polarização e adotou tom moderado, embora também tenha criticado o petista e o presidente.
O cenário de concorrência apertada entre eles aparece refletido na pesquisa Datafolha deste mês. Tanto Doria quanto Leite marcam 4% das intenções de voto –bastante atrás de Lula (com 44%) e de Bolsonaro (com 26%). Em cenários variados, Doria chega a 6%. O gaúcho, que é menos conhecido da população, leva vantagem no índice de rejeição, que é de 18%, contra 37% de Doria.
Em abril, Tasso, que foi presidente do PSDB e governador do Ceará por três mandatos, chegou a ser descrito por líderes tucanos como Biden brasileiro, numa referência ao presidente americano Joe Biden. A ideia era que, como candidato do partido à Presidência da República, ele aglutinasse apoios da esquerda e da direita, aliando experiência e visão progressista.
Da parte de aliados de Doria, porém, a real candidatura de Tasso e sua disposição em concorrer sempre foram desacreditadas. O governador chegou a anunciar, no mês passado, no programa Roda Viva, que Tasso já havia até desistido —o avanço de sinal gerou mal-estar no partido.
No PSDB, a avaliação é a de que Leite reúne maior simpatia entre membros do partido, mas Doria tem diminuído a desvantagem ao trabalhar de forma mais intensa que o adversário numa campanha interna para superar a rejeição.
Além disso, o paulista tem a seu favor a estrutura e o peso da máquina do Palácio dos Bandeirantes. Em contrapartida, Leite é apontado como o que mais tem capacidade de congregar partidos aliados, enquanto Doria poderia levar o PSDB ao isolamento.
Regras das prévias do PSDB – Colégio eleitoral de quatro grupos, com 25% de peso cada: filiados, prefeitos e vice-prefeitos; vereadores, deputados estaduais e distritais; governadores, vice-governadores, deputados federais, senadores, ex-presidentes do PSDB e o atual. Datas: 21.nov – primeiro turno e 28.nov – segundo turno