Clipping 5 de outubro de 2021

Manchetes

Apagão global de Facebook e WhatsApp afeta bilhões (Folha)

Pane global expõe dependência de aplicativos do Facebook (Estadão)

Pane global de Facebook e apps afeta negócios e gera perdas (O Globo)

Campos Neto descarta ajuste na meta e diz que foco é 2022 (Valor)

Automotive Business

Com falta de produtos, Fenabrave reduz previsão de vendas

Após quedas em setembro, entidade revisa para baixo previsões para automóveis e ônibus, mas eleva expectativa para comerciais leves e caminhões

Após o fechamento de setembro com falta de carros a entregar nas concessionárias e queda nas vendas, a Fenabrave, que reúne os distribuidores autorizados de veículos, decidiu revisar para baixo sua expectativa geral de mercado para 2021, apresentando na segunda-feira, 4, a terceira projeção deste ano. A última revisão foi feita em julho e agora a entidade puxou significativamente para baixo as estimativas de vendas de automóveis e ônibus, mas aumentou bastante os prognósticos para as compras de comerciais leves e caminhões.

Somando os volumes de automóveis, comerciais leves, caminhões e ônibus, a Fenabrave considerava que seriam vendidos quase 2,3 milhões de veículos este ano e agora cortou sua estimativa para 2,16 milhões, o que reduz para menos da metade a expectativa de crescimento de 2021, que em julho era de 11,6% e agora baixou para 4,8% – ou seja, no ritmo atual não será possível recuperar nem um quarto da queda média de 26% do mercado em 2020, que fechou com pouco mais de 2 milhões de emplacamentos.

ara Alarico Assumpção Jr., presidente da Fenabrave, o setor enfrenta hoje “possivelmente o ponto mais crítico dessa crise de abastecimento de veículos” e só no começo de 2022 haverá maior clareza sobre quando será normalizado o fornecimento de semicondutores para que as fábricas retomem a produção em níveis suficientes para atender a demanda. Contudo, o dirigente admite que a escassez de componentes já comprometeu o resultado esperado para 2021, a projeção anterior não pode mais ser atingida.

“Estamos diante de muitas incertezas e da maior crise de abastecimento de veículos já vivida nos últimos anos. Isso nos fez reduzir as expectativas de crescimento para o ano, infelizmente”, admite Alarico Assumpção Jr.

Automóveis, o maior problema

O segmento que apresenta o maior problema de paralisações de fábricas por falta de semicondutores, e que por consequência está puxando o mercado e as previsões para baixo, é o de automóveis, que atualmente representa 73% das vendas de veículos no País e teve em setembro o pior mês do ano, com apenas 109.077 emplacamentos, resultado quase 9% inferior ao de agosto e expressivos 32% abaixo de setembro de 2020, quando o setor ainda começava a se recuperar da crise trazida pela primeira onda da pandemia de coronavírus no Brasil, mas já conseguia operar em níveis de vendas superiores aos de agora.

Com isso, a Fenabrave, que esperava pela venda de 1,78 milhão de automóveis em 2021, rebaixou sua expectativa em mais de 200 mil unidades, para 1,58 milhão, o que irá representar queda de 2,2% sobre 2020. De janeiro a setembro os emplacamentos de carros somaram 1,15 milhão de unidades, ainda em alta de 7,6% sobre o mesmo período do ano passado.

O subsegmento de veículos leves representado por modelos utilitários, ou comerciais leves, também enfrenta problemas e o desempenho mensal do foi negativo em setembro, com 33.777 emplacamentos, revelando queda de 14% ante agosto e retração de 11,7% sobre o mesmo mês de 2020. Mas na soma de nove meses a performance está bastante acima da média do mercado, com 313,3 mil picapes e vans vendidas, o que corresponde a uma aquecida alta de 40% na comparação com idêntico intervalo do ano passado.

Com esse crescimento ainda folgado sobre 2020, a Fenabrave reajustou para cima sua previsão de vendas de comerciais leves este ano, que era de 379,5 mil unidades e alta 13,2% em julho, e agora subiu para 430,5 mil veículos e crescimento expressivo de 28,4%.

“Com a falta de automóveis, muitos consumidores migraram para os comerciais leves, onde há uma maior disponibilidade de produtos na indústria”, analisa Assumpção Jr., referindo-se especialmente à demanda aumentada por picapes, que são capazes de atender tanto o uso comercial como o de transporte individual e de famílias.

Na soma dos dois segmentos de veículos leves, com os automóveis puxando o mercado para baixo com seu maior peso numérico, a Fenabrave projeta a venda de pouco mais de 2 milhões de unidades, o que representará tímida alta de apenas 3,1% sobre 2020. No acumulado de nove meses de 2021 foram vendidos 1,47 milhão de carros e utilitários, em crescimento de 13,2% na comparação com o mesmo período do ano passado.

Caminhões para cima, ônibus para baixo

No segmento de veículos pesados, a Fenabrave considerou que subavaliou o potencial de crescimento das vendas de caminhões este ano, cuja produção também enfrenta falta de componentes, mas como os volumes são menores o problema é contornado com menos dificuldades. Depois de três trimestres de aquecimento contínuo, a entidade aumentou pela segunda vez, em quase 13 pontos porcentuais, sua expectativa de crescimento, de 30,5% para 43,1 para setor, estimando o total de 127,6 mil emplacamentos em 2021, ou cerca de 11 mil caminhões a mais do que projetava em julho passado. No acumulado de nove meses, a expansão já é de quase 50%, com 93,7 mi, veículos vendidos.

No mercado de ônibus o cenário é oposto, a avaliação da Fenabrave é de ter superestimado o poder de recuperação do segmento que mais sofreu os efeitos adversos da pandemia de coronavírus – e segue sendo afetado pala baixa demanda dos operadores que vêm acumulando prejuízos com a inflação do diesel e remuneração insuficiente para cobrir os custos. O potencial, que já era baixo, só piora.

Foram emplacados 13.660 ônibus de janeiro a setembro, em pequena alta de 4,2% sobre o mesmo período de 2020. Contudo, na visão da Fenabrave, esse desempenho deve cair ainda mais, para fechar o ano com 18.425 emplacamentos e crescimento irrelevante de 1,1% – até julho, a estimativa era de expansão bem maior, de 11,6%, ou 20.150 unidades.

Automotive Business

Por falta de chips, Stellantis fecha fábrica na Alemanha este ano

Crise dos semicondutores também obrigou Ford a paralisar a produção do Fiesta no país por mais um mês

A crise dos semicondutores tem afetado a indústria automotiva na Europa de maneira generalizada ao longo deste ano, mas na semana passada a Alemanha sentiu um golpe maior com a paralisação de uma só vez de duas importantes fábricas no País.

A Stellantis informou que será obrigada a fechar a planta da Opel em Eisenach a partir desta semana até o final deste ano por falta dos chips necessários para a montagem de veículos. Inaugurada em 1992, a unidade produz o SUV Grandland X e tem um quadro com cerca de 1.300 funcionários.

“A produção do Opel Grandland, incluindo a versão híbrida, está programada para reiniciar em Eisenach no início de 2022, se a situação da cadeia de abastecimento permitir”, disse o porta-voz ao site alemão Automobilwoche.

Outra fábrica alemã que também foi afetada com a escassez mundial de chips foi a unidade da Ford em Colônia, que produz o Fiesta. A montadora anunciou na sexta-feira, 1º, que vai estender a paralisação da planta até o fim de outubro.

“Devido à situação ainda tensa no mercado global de semicondutores, gargalos no fornecimento continuam a ocorrer”, disse o porta-voz da Ford. Inaugurada em 1931 e atualmente com 4 mil trabalhadores, a fábrica de Colônia está praticamente parada desde julho.

A Ford disse que ainda não tem certeza de que a produção pode ser retomada em novembro porque a disponibilidade de semicondutores no mercado mundial permanecerá “muito volátil” no futuro próximo, segundo o porta-voz.

Valor (do Financial Times)

Carro elétrico: A revolução finalmente chegou

Num período de tempo relativamente curto, a transformação da indústria automobilística do motor a combustão interna para a bateria elétrica passou da primeira para a quinta marcha

Por Peter Campbell e Joe Miller (FT, de Londres e Munique)

No começo do ano, executivos da fabricante de carros elétricos Polestar traçaram planos de vendas ambiciosos para o Reino Unido. Semanas depois, eles tiveram que rasgá-los. A demanda subia tão rápido que as novas metas passaram a ser 30% mais altas. Hoje, a companhia apoiada pela Volvo realiza 1.000 “test drives” por mês só no Reino Unido. A cada semana, novos espaços são agendados uma hora após serem disponibilizados.

Há quatro anos, a Polestar era especializada em ajustar motores à combustão de alto rendimento. Agora é uma das companhias que tentam atender à crescente demanda por carros elétricos. “Esse não é o mercado de nicho que era dois ou três anos atrás”, diz o presidente da Polestar no Reino Unido, Jonathan Goodman. Esse aumento extraordinário da demanda está sendo sentido em todo o mundo, de Xangai a Stuttgart, de Tóquio a Toronto, e pelas novas marcas a gigantes já estabelecidas no setor.

Isso é particularmente forte na Europa. Um em cada 12 carros vendidos no continente entre abril e junho deste ano só funcionava no modo elétrico. Se contar os modelos híbridos, que usam tanto motor a combustão quanto bateria, isso sobe para um em cada três. As vendas de carros elétricos na Europa devem saltar de 198 mil em 2018 para 1,17 milhão neste ano.

Os veículos elétricos representam só 1% da frota mundial de carros de passageiros, mas as vendas estão crescendo rapidamente. Em quatro anos, 25% dos novos carros comprados na China e quase 40% dos adquiridos na Alemanha deverão ser elétricos, segundo a BloombergNEF. As vendas mundiais de veículos elétricos (EV, na sigla em inglês) devem alcançar 10,7 milhões até 2025 e depois 28,2 milhões até 2030.

Até recentemente para muitos motoristas, o carro elétrico parecia uma coisa do futuro, mas agora é comum eles imaginarem que seu próximo carro será um elétrico. De vez em quando, uma lenta mudança na tendência mundial de repente começa a ganhar força e velocidade. É isso que está acontecendo com os veículos elétricos. Num período de tempo relativamente curto, a transformação da indústria automobilística passou da primeira para a quinta marcha.

Diante da importância da fabricação de automóveis para muitas economias, a sacudida que começa a convulsionar o setor tem implicações enormes para os empregos, o desenvolvimento urbano e até mesmo a geopolítica. Andy Palmer, ex-executivo da Nissan que ajudou a lançar o primeiro veículo elétrico de produção em massa em 2010, o Nissan Leaf, acredita que a mudança será “como passar do cavalo para o carro”. “É aquela coisa sísmica que muda tudo e a tal ponto que os concorrentes que não mudarem com a rapidez necessária, que não investirem, não deverão sobreviver no futuro”, diz ele, que hoje é presidente executivo da Switch Mobility, fabricante de ônibus elétricos.

Grande parte da atenção aos veículos elétricos se concentra no grande sucesso da Tesla ou nas ambições agressivas de algumas empresas chinesas. Mas a outra mudança importante ocorrida nos últimos dois anos, tem sido a resposta das montadoras estabelecidas. Muitas as maiores marcas do mundo, que vão da Ford com seu caminhão F150 Lighting, à Volkswagen (VW) com sua linha ID, agora apostam seu futuro no veículo elétrico.

Em setembro, no Salão do Automóvel de Munique, a primeira grande exposição na Europa em dois anos por causa da pandemia, quase não se viu novos modelos de carros a gasolina. A indústria de carros elétricos e conectados atraiu mais de US$ 100 bilhões em investimentos desde o começo de 2020, estima a McKinsey. Isso é só o começo. As montadoras anunciaram investimentos totais de US$ 330 bilhões em tecnologia elétrica e de baterias nos próximos cinco anos, segundo a consultoria AlixPartners, uma soma que cresceu 40% em 12 meses. “Será esse um ponto de inflexão?”, pergunta Andrew Bergbaum, diretor-gerente da AlixPartners. “Acho que a resposta tem que ser sim.”

Vários fabricantes vêm se preparando para o que antes era impensável: tirar totalmente de linha os motores a combustão interna. Neste ano, a companhia alemã considera responsável pela invenção do automóvel estabeleceu um dos cronogramas considerados mais ambiciosos do setor. A partir da metade desta década, os sistemas usados na fabricação de todos os carros Mercedes-Benz passarão a produzir modelos elétricos. “Estamos num caminho muito acelerado em comparação ao que pensávamos até alguns anos atrás”, diz Ola Källenius, CEO da Daimler, controladora da Mercedes-Benz.

Ar mais limpo

Por que isso está acontecendo agora? Parte da explicação está na política. Há anos as montadoras falam em lançar modelos elétricos, mas a pressão política os está levando a fazer o primeiro esforço real para vendê-los em números significativos. As regras para as emissões de poluentes na Europa levaram à primeira grande onda de vendas de carros elétricos no ano passado. Cerca de 734 mil modelos elétricos foram vendidos no continente em 2020, apesar dos “lockdowns” causados pela pandemia, segundo a LMC Automotive. O dobro no nível de 2019 e mais do que o total dos três anos anteriores combinados.

A pressão regulatória tem aumentado. No fim do mês, governos de todo o mundo se reunirão em Glasgow para a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (CoP 26) e espera-se que muitos anunciem promessas chamativas para reduzir suas emissões de gases de efeito estufa. Expandir o uso de veículos elétricos é uma das maneiras mais óbvias de atingir essas metas. O Reino Unido já anunciou planos para acabar totalmente com a venda de carros a gasolina e diesel até 2035, e a Noruega trabalha com uma data ainda mais agressiva, 2025.

A União Europeia (UE) tem uma proposta própria, de proibição de fato em 2035. A expectativa é que esses compromissos sejam acompanhados de promessas de gastos para ajudar a impulsionar, entre outras coisas, a instalação dos pontos de carregamento necessários para convencer os consumidores a mudar para os carros elétricos. “Os governos começaram a agir em cima de seus discursos”, diz Källenius. “A maior tarefa em que o governo e a indústria podem trabalhar de mãos dadas é o investimento em infraestrutura.”

Não são apenas os governos nacionais que fazem pressão contra as emissões. Várias autoridades municipais têm usados tarifas para tirar os carros mais velhos das ruas de zonas de ar limpo, levando os motoristas nas periferias urbanas a mudarem para veículos mais limpos, e muitos deles optam por modelos elétricos. A própria “zona de emissões ultra baixas” de Londres, que pune motoristas com carros mais antigos, será expandido neste mês para incluir a região entre seus anéis rodoviários, uma área que afeta 2,6 milhões de carros.

Paris, Bruxelas e Amsterdã estão entre as cidades com esquemas semelhantes, e as restrições a modelos a diesel mais antigos estão em vigor em dezenas de centros urbanos alemães. Modelos atraentes. A maior razão para a revolução do veículo elétrico no mercado é a oferta. Já existem modelos para agradar a todos os tipos de compradores. Até há pouco tempo, a falta de um “produto” viável era a principal barreira para que os consumidores passassem para um carro elétrico. Mas as montadoras têm trabalhado a todo vapor para produzir modelos a bateria atraentes.

Após anos apresentando carros conceito em feiras de automóveis, as montadoras agora oferecem um conjunto de veículos elétricos para os clientes escolherem, de pequenos automóveis urbanos a grandes peruas para famílias, e já há dezenas de outros modelos planejados para os próximos anos. Embora muitos ainda sejam mais caros do que os veículos a gasolina, eles apresentam custos de operação muito menores – em especial à medida que os preços internacionais da gasolina aumentam.

Além disso, a maioria dos governos ainda oferece incentivos generosos para sua compra. Hoje existem à venda cerca de 330 modelos de veículos exclusivamente elétricos ou híbridos, que combinam bateria e motor tradicional, segundo a AlixPartners, em comparação com apenas 86 cinco anos atrás. Esse número deve se multiplicar para mais de 500 até 2025, em meio a uma enxurrada de novos lançamentos.

Quando a pandemia começou no ano passado, a maioria das montadoras preferiu conter os gastos com projetos, exceto os essenciais. O desenvolvimento dos motores de combustão foi interrompido, mas os recursos para a tecnologia de veículos elétricos efetivamente aumentaram. “Na verdade, a covid foi uma das melhores ajudas que o setor automobilístico teve nos últimos anos, porque obrigou as empresas a serem disciplinadas”, disse Philippe Houchois, analista da Jefferies.

Mesmo para executivos experientes, a velocidade de aceitação foi surpreendente. Quando o ex-CEO da Renault Thierry Bolloré assumiu o comando da Jaguar Land Rover, em setembro passado, ele começou a traçar planos para a eletrificação, que na época mal existiam. Nos seis meses que levou para finalizar a estratégia, o setor testemunhou tal “aceleração” que as metas iniciais foram abandonadas por outras mais ambiciosas. “Minha equipe me procurou e perguntou se não podíamos andar mais rápido”, diz Bolloré.

Apesar da empolgação, há bolsões de prudência entre as grandes montadoras. Algumas alertam que ir rápido demais traz o risco de alienar os clientes atuais que não podem ou não querem mudar. “Se você disser que 50% do mercado na Europa será exclusivamente elétrico em 2030, ainda teremos os outros 50%, e se você disser que não atenderá [esses outros 50%], está preparando o caminho para encolher”, diz o executivo-chefe da BMW, Oliver Zipse.

A montadora alemã se comprometeu a lançar um modelo a bateria em cada classe de veículo até 2023, mas também fez um grande investimento em modelos híbridos, que podem realizar parte da jornada a bateria e só usar seus motores tradicionais quando estiverem fora dos limites urbanos.

Além disso, embora as vendas de veículos elétricos estejam em forte expansão tanto na Europa como na China, os dois mercados ainda dependem de subsídios. “Na Europa ainda estamos subornando os clientes pesadamente para que comprem veículos elétricos, e na China o suborno é mais moderado”, diz Houchois.

Ganhando experiência

Uma transformação tão rápida é um convite à interferência. Os carros elétricos, mais simples de projetar e fabricar do que os modelos baseados no motor de combustão interna, reduziram as barreiras para a entrada em um setor que antes era inexpugnável. A grande questão para as montadoras tradicionais é se elas podem ter sucesso em construir um futuro contra as ameaças das start-ups – que vão desde a Tesla até novatos recém-chegados – e do grande número de rivais chineses que estão desesperados para garantir participação de mercado.

Embora a Tesla tenha se fortalecido mais nos últimos dois anos, os sinais recentes para as montadoras têm sido positivos. Para começar, elas fizeram grandes avanços tecnológicos. Os primeiros carros elétricos das marcas estabelecidas tinham autonomia limitada e velocidade de carregamento demoradas. O lançamento do Tesla Model S em 2012, com uma autonomia declarada de 416 km entre os carregamentos, estabeleceu o padrão do setor e só recentemente ele foi superado pelos mais novos lançamentos da Jaguar e da Audi.

Mas os modelos mais novos dos grandes concorrentes são muito mais competitivos nos preços, autonomia e desempenho. “A verdade é que um carro elétrico moderno é um carro muito bom de dirigir”, diz Goodman da Polestar. “Quando [o ex-CEO da Renault e da Nissan] Carlos Ghosn disse dez anos atrás que os carros elétricos eram o futuro, ele estava errado. Mas eles são hoje.”

Problemas iniciais, como o grande atraso no VW ID3 – seu primeiro carro elétrico dedicado -, por causa de falhas de software, provavelmente serão resolvidos nos modelos futuros, conforme as montadoras se acostumam a produzir os novos sistemas. “Há uma piada no setor que diz que os veículos elétricos são como panquecas: a primeira não é boa, a segunda é melhor e a terceira está certa”, diz Houchois, da Jefferies.

 Mesmo assim, algumas montadoras sentem que estão entrando nessa competição com uma mão amarrada nas costas. As companhias elétricas puras vêm conseguindo levantar recursos ou abrir o capital com grandes captações e alcançando grandes valores de mercado, enquanto as montadoras estabelecidas são negociadas a múltiplos de lucros deprimidos. Um exemplo é a NIO da China, uma startup ainda no vermelho, avaliada em quase duas vezes mais o valor da Ferrari, uma geradora de lucros que é ícone do setor.

Neste ano houve uma onda de aberturas de capital. A Arrival do Reino Unido, fabricante de vans que ainda não produziu uma única unidade, conseguiu um valor de mercado de US$ 13,6 bilhões através de uma fusão invertida, enquanto a fabricante americana de picapes elétricas Rivian, ainda não testada, buscará um valor de mercado de US$ 80 bilhões quando abrir seu capital no fim do ano. Mas o velho império começou a contra-atacar.

 A Polestar, a nova marca de veículos elétricos derivada da Volvo, será avaliada em US$ 20 bilhões quando abrir o capital por meio de uma fusão invertida, mostrando que há esperança de que montadoras estabelecidas poderão explorar o frenesi do mercado criando novas marcas. Isso representa uma oportunidade para empresas como a JLR, que pretende tornar a marca Jaguar totalmente elétrica até 2025.

Herbert Diess, CEO do grupo VW, diz estar menos preocupado com os novos concorrentes, que ainda precisam lidar com as complexidades da produção em massa e manter os clientes recém-conquistados satisfeitos com os centros de serviços em funcionamento. “É fácil mostrar um estudo de um carro elétrico em um salão do automóvel, mas para construir uma fábrica, a maioria deles será mais lenta do que nós”, diz ele.

A primeira fábrica da startup chinesa NIO foi tão prejudicada por atrasos que a companhia deu entrada nos documentos da oferta inicial de ações (IPO) tendo despachado apenas 400 veículos. Até mesmo a Tesla, que Diess elogiou no passado, precisou de 15 anos para chegar à sua atual posição, respondendo por cerca de 1% das vendas mundiais de veículos elétricos, acrescenta Diess.

Para as montadoras estabelecidas, a maior das ameaças poderá vir não das startups, e sim da China. Marcas chinesas como SAIC e First Auto Works não conseguiram competir com as grandes montadoras na era do motor a combustão interna, mas a mudança para veículos elétricos oferece a elas uma chance para dominar uma área tradicionalmente controlada pela Alemanha, Japão e EUA. Várias empresas elétricas, bem financiadas por governos locais ou grandes montadoras e muitas vezes formadas por engenheiros europeus, entraram no mercado.

Os primeiros carros elétricos feitos na China já se infiltraram nos showrooms europeus, da marca MG, controlada pela SAIC, a novos grupos como NIO e Aiways. Mas não vai demorar muito para esses novatos terem de competir com marcas que já são familiares para os clientes, à medida que as grandes montadoras lançam seus novos modelos.

Em 2020, nove entre cada dez carros que deixavam a revendedora da Volvo em Reading, em Londres, eram totalmente movidos a gasolina ou diesel. Hoje, quase metade possui tecnologia híbrida ou totalmente elétrica. “Os planetas estão se alinhando”, diz John O’Hanlon, presidente da Waylands Automotive, que administra as instalações de Berkshire. “O que percebemos nos últimos seis meses é a crescente conscientização dos clientes. As pessoas estão de fato chegando a perguntando se isso poderá funcionar para elas. E muitas saem daqui achando que podem viver com um [carro elétrico].”

Estadão

Com falta de chips, fabricantes de veículos investem em bateria própria​

Uma nova disputa entre gigantes ocorre no mundo automotivo, desta vez pela liderança global ou regional do mercado de carros elétricos. As legislações com prazos para o fim da produção de veículos a combustão em vários países, obrigando montadoras a desenvolverem produtos com zero emissão, abriram uma frente de investimentos que passa de US$ 250 bilhões de 2025 a 2030, conforme programas já anunciados.

Nessa briga, cada um dos competidores chama para si a responsabilidade de ser número um do mercado, também de olho no que vem lá na frente, que são os modelos autônomos. “A Ford vai liderar a transição da América para os veículos elétricos, dando início a uma nova era de fabricação limpa e neutra em carbono”, diz Bill Ford, presidente executivo da Ford.

A declaração foi feita na semana passada, quando a Ford anunciou a construção, nos EUA, de dois complexos com uma fábrica para as picapes elétricas Série F e três para baterias de íons de lítio. O projeto inclui ainda parque de fornecedores e unidade de reciclagem de baterias. Vai custar US$ 11,4 bilhões.

Segundo a Ford, é o maior investimento em veículos elétricos feito de uma só vez por empresa do setor automotivo americano. A previsão é de gerar 11 mil empregos nos megapolos no Tennessee e em Kentucky, que entrarão em atividade a partir de 2025, em parceria com a empresa coreana SK Innovation. O projeto é parte do investimento de mais de US$ 30 bilhões da Ford em veículos eletrificados. A empresa trabalha para que de 40% a 50% de seu volume global de veículos seja totalmente elétrico em dez anos.

Já a General Motors programou aportes de US$ 35 bilhões em carros elétricos e autônomos, e afirma que seu objetivo é ser líder na América do Norte em carros eletrificados e líder mundial em tecnologias de baterias e células de combustível.

“Estamos investindo em um plano integrado que garanta à GM a liderança do mercado na transformação para um futuro mais sustentável”, afirma a presidente mundial da companhia, Mary Barra. O grupo projeta vendas globais de 1 milhão de carros elétricos em cinco anos. Hoje, quem lidera o mercado americano é a Tesla, que vai investir US$ 12 bilhões nos próximos anos. “A transição do governo Trump para o governo Biden foi o impulso que faltava para os EUA embarcarem nesse movimento, até então mais forte na Europa e na Ásia”, diz Ricardo Bacellar, sócio da KPMG.

O grupo alemão Volkswagen vai investir US$ 41 bilhões em carros elétricos, de um total de US$ 86 bilhões previstos em mobilidade elétrica, tecnologia híbrida e digitalização. O presidente mundial, Herbert Diess, afirma que a empresa já é líder global com suas plataformas elétricas. “Nos próximos anos será crucial alcançar também posição de liderança em software automotivo, para atender a necessidades de mobilidade individual, sustentável e conectada no futuro.” O grupo fará 75 lançamentos de carros eletrificados até 2029 e está construindo grande complexo na China.

A Stellantis, dona da Fiat, Jeep, Peugeot e Citroën, também está no páreo, e reservou US$ 35 bilhões para eletrificação de veículos e software. O objetivo é que, em 2025, 98% de suas linhas sejam de modelos elétricos e híbridos plug-in.

Em 2030, o grupo espera que 70% de suas vendas na Europa e 40% nos EUA sejam de carros eletrificados. “Tudo isto mantendo uma margem de lucro de dois dígitos”, diz Carlos Tavares, presidente global da Stellantis. O grupo terá três fábricas de baterias na Europa e duas nos EUA. Segundo estudos, em 2026 o custo de uso do carro elétrico será igual ao do a combustão.

A meta da Renault é atingir o mix mais verde do mercado europeu em 2025, com 65% de carros eletrificados no total de vendas e 90% totalmente elétricos em 2030, informa o presidente global Luca De Meo. O grupo francês vai investir US$ 12 bilhões em eletrificação, com foco em baratear o custo da bateria.

Valor (opinião)

A persistência da taxa de desemprego em dois dígitos

Difícil imaginar que índice vai ficar abaixo de 10% antes de 2026

LUIZ SCHYMURA

O novo coronavírus aterrissou no Brasil em um momento particularmente ruim para o trabalhador. O país havia sido abalado pela forte recessão de 2014-2016 e tentava ainda tropegamente retornar à realidade do mercado de trabalho pré-crise. Diante dos estragos da pandemia, os cenários traçados para o retorno ao padrão de empregabilidade anterior a 2015 não estão nada animadores. Essa constatação tem implicações importantes para as eleições de 2022 e para a política econômica a ser conduzida até lá, assim como para o próximo governo a partir de 2023.

A taxa de desemprego do Brasil era relativamente baixa na década de 80 e início dos anos 90, com uma média de 5% entre 1981 e 1994. O indicador subiu para uma média de 9,3% entre 1995 e 2014. Com a crise econômica, a taxa de desemprego média cresceu para 11,4%, entre 2014 e 2019. Foi nesse contexto que irrompeu a pandemia. A necessidade do distanciamento social provocou quase que instantaneamente uma mudança na estrutura de funcionamento da economia brasileira. Alguns setores – como o de serviços – foram rápida e intensamente penalizados.

Para surpresa de muitos, no entanto, a taxa de desemprego não apresentou números tão devastadores quanto uma crise das proporções da covid-19 faria supor, atingindo a média de 13,5% ao longo de 2020. Não tardou para que a razão fosse identificada: muitos brasileiros deixaram de procurar emprego pela escassez de oportunidades ou por receio de contrair a doença, o que os retirou das estatísticas oficiais de desemprego.

Os dados podem dar uma ideia mais precisa do ocorrido. A população ocupada (PO) caiu 15% entre fevereiro e julho de 2020. Com tamanho contingente de pessoas parando de trabalhar, era de se esperar que houvesse uma explosão na taxa de desemprego. No entanto, a crise sanitária também levou um expressivo número de brasileiros a desistir de buscar emprego. Com isso, a população economicamente ativa (PEA) registrou o recuo sem precedentes de quase 12%, entre fevereiro e julho de 2020.

Ao fim e ao cabo, a desmotivação das pessoas em correr atrás de ocupação impediu que a taxa de desemprego espelhasse a real condição de anemia e fragilidade do mercado de trabalho. Caso a força de trabalho tivesse se mantido constante em 2020, a taxa de desemprego média do ano passado teria sido de 18,8%, em vez do nível de 13,5% efetivamente computado.

De lá para cá, o enfraquecimento no distanciamento social promoveu recuperação de parte importante das perdas tanto na PO como na PEA. Como exposto acima, com a chegada do vírus ambos os indicadores despencaram, respectivamente, 15% e 12%. Já nas aferições realizadas em julho de 2021, essas estatísticas passaram a registrar uma queda em relação ao período pré-pandêmico menos pronunciada de, respectivamente, 4,4% e 2,8%.

O que esperar daqui para a frente? A projeção da equipe do Boletim Macro do FGV Ibre indica queda acanhada da taxa de desemprego, fechando 2022 em 13%. Frustrante! O nível ainda é historicamente muito elevado.

Na verdade, a vagarosa redução é função de dois fatores. Em primeiro lugar, da tímida retomada da economia. O crescimento estimado para 2022 é desanimador, 1,5%, dando sinais de lentidão no processo de volta à “normalidade”. Nesse contexto, a geração de postos de trabalho fica bastante comprometida.

Por fim, o outro motivo para a morosa redução da taxa de desemprego é a recuperação da PEA – ou seja, com o esmorecimento da pandemia, os brasileiros que haviam abdicado de procurar emprego retornam ao mercado de trabalho e passam a engrossar a fila da procura por emprego. Ainda em relação a 2022, um crescimento improvável de 3,5% levaria o desemprego para 12,6%. Segundo essas projeções, o aumento da taxa de crescimento para o próximo ano de 1,5% para 3,5% gera uma redução de apenas 0,4 ponto percentual na taxa de desemprego.

Frente a essa conjuntura, quaisquer medidas que o atual governo venha a adotar para acelerar a economia no ano eleitoral terão efeito pequeno na taxa de desemprego. Sob que condições conseguiremos retomar uma taxa de desemprego de um dígito? Para isso, é necessária aceleração forte da economia.

Segundo as estimativas dos colaboradores do Boletim Macro do FGV Ibre, para que a taxa de desemprego alcance no longínquo ano de 2026 o nível de um dígito seria preciso crescimento anual de 3,5% entre 2023 e 2026, ritmo difícil de imaginar dado o débil desempenho que o país tem experimentado. Em termos de cenários, um ritmo de crescimento de 1,5% ao ano reduziria a taxa de desemprego para 11,6% em 2026; de 2,5%, para 10,8%; e de 3,5%, para 9,8%.

Diante do difícil quadro para o mercado de trabalho projetado para os próximos anos, é de se esperar que o tema protagonize os debates de política econômica por ainda muito tempo. Para começar, como a solução não virá no curto-prazo e a situação dos mais vulneráveis está crítica, políticas que atendam a essas populações devem ser priorizadas. Por isso, apesar de todos os senões, é urgente a aprovação do Auxílio Brasil.

Em segundo lugar, parece já existir um amadurecimento institucional no que diz respeito à disciplina fiscal. Porém, falta a mesma predisposição em relação à análise de impacto dos recursos dispendidos pelo setor público. Seria importante que caminhássemos rapidamente para tornar os gastos públicos socialmente “rentáveis”.

Nesse contexto, enquanto a economia não dá sinais de recuperação mais vigorosa e com tantos brasileiros necessitados de trabalho, seria oportuno, como destaca meu colega Fernando Barbosa Filho no FGV Ibre, focar em programas de requalificação profissional e de melhora do sistema de intermediação de mão de obra. Medidas dessa natureza poderiam aumentar significativamente a efetividade de um programa como o Sistema Nacional de Emprego (SiNE), e ajudar na redução do desemprego.

Luiz Schymura é pesquisador do FGV Ibre, ex-presidente da Anatel (2002-2004) e escreve mensalmente E-mail: luiz.schymura@fgv.br

Folha de SP

Dono de offshore, Guedes defendeu excluir taxação de paraíso fiscal de proposta do IR

Ministro afirmou que regra complicaria debate; relator diz que analisará reinserção de proposta no projeto

O ministro Paulo Guedes (Economia) defendeu em julho retirar do projeto de lei do Imposto de Renda a regra que tributaria recursos em paraísos fiscais. Para ele, a discussão complicaria o debate sobre o texto. “Ah, ‘porque tem que pegar as offshores’ e não sei quê. Começou a complicar? Ou tira ou simplifica. Tira. Estamos seguindo essa regra”, disse o ministro em debate realizado em julho. O evento foi organizado por CNI (Confederação Nacional da Indústria) e Febraban (Federação Brasileira de Bancos).

Guedes, sua esposa e sua filha são acionistas de uma offshore nas Ilhas Virgens Britânicas, conhecido paraíso fiscal, segundo reportagens publicadas neste domingo (3) por veículos como a revista Piauí e o jornal El País, que participam do projeto do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (o ICIJ). Os documentos fazem parte da Pandora Papers, investigação promovida pelo consórcio.

“Ah, ‘porque tem que pegar as offshore’ e não sei quê. Começou a complicar? Ou tira ou simplifica. Tira. Estamos seguindo essa regra” (Paulo Guedes, ministro da Economia, em 22 de julho de 2021)

Em 2015, a offshore tinha US$ 9,5 milhões (aproximadamente R$ 51 milhões, em valores atuais), detalham as reportagens. Em sua resposta às reportagens, o ministro não deixa claro se enviou recursos à offshore após assumir a pasta.

O ministro deu a declaração sobre retirar a tributação no evento enquanto defendia o projeto que alterava o Imposto de Renda, dizendo que o objetivo era a redução e a simplificação de impostos.

Segundo ele, certas regras apresentadas originalmente haviam deixado “muita gente nervosa”, inclusive o mercado financeiro e investidores de fundos imobiliários —que passariam a pagar imposto sobre rendimentos (hoje, isentos). Por isso, disse, houve alterações.

“Não vamos botar em risco a retomada do crescimento econômico sustentável, que é o que está acontecendo”, afirmou Guedes em seguida, pedindo apoio à aprovação. “Eu sou um democrata, estou tentando ajudar. Não deu, vamos esperar a próxima, fazer outro dia, outra chance, no futuro, talvez, quem sabe”, disse.

O artigo 6º do projeto de lei apresentado pelo próprio Guedes para mudar o Imposto de Renda, enviado originalmente em junho, criava uma tributação sobre os lucros de recursos das pessoas físicas residentes no Brasil alocados em empresas estrangeiras (as offshores) que estejam sediadas em paraísos fiscais. Mas a regra foi retirada após reuniões entre Guedes e o então relator, deputado Celso Sabino (PSDB-PA).

A cobrança seria feita mesmo se o dinheiro não fosse trazido ao Brasil e deveria compor a declaração de ajuste anual do Imposto de Renda. Segundo o texto, até mesmo o rendimento resultante de variação cambial deveria ser tributado por ser considerado ganho de capital.

Atualmente, indivíduos brasileiros não estão sujeitos a essas regras —o que amplia as vantagens tributárias de quem pode enviar e manter recursos no exterior, diminui a receita nacional com impostos, agrava as contas públicas e amplia desigualdades.

“Isso abre uma possibilidade de planejamento tributário muito grande e desigual, porque é muito mais favorável [para os mais ricos] do que para o indivíduo que tem capacidade menor de se globalizar”, disse Zayda Manatta, chefe do Fórum Global sobre Transparência e Troca de Informações para Fins Fiscais da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), em entrevista à Folha em julho.

A OCDE recomenda a aplicação da regra e desde 2015 sugere aos países maior rigor da legislação para taxar o rendimento do acionista (seja pessoa física, seja jurídica) pelos lucros obtidos por entidades em territórios com regime fiscal privilegiado.

Em julho, no mesmo debate com Guedes promovido por CNI e Febraban, o relator defendeu a exclusão da regra. “Combate à elisão [estratégia contábil para fugir de impostos], ao diferimento e até mesmo à sonegação são importantes mecanismos, mas vamos deixar para discutir em uma matéria [separada] relacionada a esse assunto”, disse o deputado na época, sem estimar quando as regras seriam discutidas.

Alguns dias depois, o relator Sabino mudou de planos e chegou a dizer que a regra seria reinserida para gerar arrecadação e por um dever “patriótico”, mas depois recuou e apresentou em agosto uma nova proposta sem a previsão.

Nesta segunda-feira (4), o relator do projeto que altera regras do Imposto de Renda, senador Angelo Coronel (PSD-BA), afirmou que vai analisar uma eventual reinserção das regras eliminadas. “Eu vou entrar nesse tema”, afirmou o senador à Folha. “Se tributasse, seria mais uma fonte de receita para o país”, disse.

O senador afirmou que é preciso levantar principalmente quanto a medida pode trazer de arrecadação e que vai pedir dados para a Receita Federal.”Se você manda o dinheiro lá para fora, mesmo que legalmente, não custa nada pagar um percentual de imposto. É um assunto para estudo e vou me debruçar sobre ele. É importante saber o impacto, o quanto geraria de tributo para o país”, afirmou.

Ele disse que ainda não havia se voltado ao tema e que, dos grupos ouvidos, ninguém havia levantado a questão. Para ele, ainda há dúvidas sobre como seria o mecanismo ideal de tributação. Ele defende não taxar recursos que já pagaram impostos no Brasil, especialmente após a aprovação da taxação de dividendos.

Por exemplo, lucros que foram obtidos a partir de uma aplicação financeira no Brasil, pagaram impostos e, depois disso, foram enviados ao exterior. Mesmo nesses casos, no entanto, ele diz que pretende analisar como poderia se dar a cobrança de imposto a partir dos rendimentos dessas aplicações financeiras.

O senador disse que busca um texto que reúna consenso no Congresso e lembra que, se fizer alterações, elas ainda poderiam ser negadas pela Câmara —já que, em caso de mudanças no texto, a proposta volta para a análise dos deputados.

O governo tem pressa na aprovação do projeto, já que ele serve de embasamento legal —nos planos do governo— para a criação do Auxílio Brasil (substituto do Bolsa Família). Mesmo assim, ele rejeita a pressão. “Vou ouvir todos os segmentos e vamos fazer audiências públicas, porque isso mexe com a vida de todos os brasileiros. Não dá para receber chantagem do Paulo Guedes”, disse.

Procurado, o Ministério da Economia afirmou que “toda a atuação privada do Ministro Paulo Guedes, anterior à investidura no cargo de ministro, foi devidamente declarada à Receita Federal, Comissão de Ética Pública e aos demais órgãos competentes, o que inclui a sua participação societária na empresa mencionada”.

“As informações foram prestadas no momento da posse, no início do governo, em 2019. Sua atuação sempre respeitou a legislação aplicável e se pautou pela ética e pela responsabilidade. Desde que assumiu o cargo de Ministro da Economia, Paulo Guedes se desvinculou de toda a sua atuação no mercado privado, nos termos exigidos pela Comissão de Ética Pública, respeitando integralmente a legislação aplicada aos servidores públicos e ocupantes de cargos em comissão”, disse a nota do Ministério da Economia.

O Código de Conduta da Alta Administração Federal proíbe, em seu artigo 5º, “investimento em bens cujo valor ou cotação possa ser afetado por decisão ou política governamental a respeito da qual a autoridade pública tenha informações privilegiadas”.

Offshore é um termo em inglês usado para definir empresa aberta em outros países, normalmente locais onde as regras tributárias são menos rígidas e não é necessário declarar o dono, bem como a origem e o destino do dinheiro. Não é ilegal ter uma offshore, desde que declarada à Receita Federal, mas a falta de transparência desse tipo de empresa faz com que, frequentemente, elas sirvam para fins ilícitos, como ocultação de patrimônio.

Folha de SP

Como alta do dólar elevou fortuna de Guedes em paraíso fiscal no exterior

Alta da moeda desde 2019 fez com que patrimônio valorizasse pelo menos R$ 14 milhões

Em quase três anos à frente do Ministério da Economia, Paulo Guedes deu uma coleção de declarações polêmicas —muitas delas envolvendo o dólar, que ficou quase 40% mais caro desde o início do governo de Jair Bolsonaro.

Algumas dessas frases foram relembradas nas redes sociais pelos brasileiros neste domingo (3/10), quando veículos de imprensa mostraram que Guedes mantém US$ 9,5 milhões (R$ 51 milhões, no câmbio atual) nas Ilhas Virgens Britânicas, um paraíso fiscal no Caribe.

Os documentos que revelam que o ministro da Economia é dono de uma offshore milionária são parte de um megavazamento de informações que expôs figuras públicas de diversos países, batizado de Pandora Papers.

As reportagens foram feitas no âmbito do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ), do qual fazem parte, no Brasil, a revista Piauí, os portais Metrópoles e Poder 360 e a Agência Pública.

Entre as manchetes compartilhadas nas redes sociais, os brasileiros relembraram um episódio de fevereiro de 2020, quando o ministro afirmou que o dólar alto seria positivo porque “empregada doméstica estava indo para a Disney, uma festa danada”.

Antes disso, em novembro de 2019, Guedes afirmou, em visita a Washington, que os brasileiros deveriam “se acostumar” com o câmbio mais alto, que seria um reflexo da nova política econômica, com juro de equilíbrio mais baixo. “O dólar está alto? Problema nenhum, zero”, disse, na ocasião. Mais recentemente, em junho, já com o dólar consistentemente acima de R$ 5, o ministro repetiu, em fala na Fiesp, que ele e sua equipe queriam os “juros mais baixos e câmbio de equilíbrio um pouco mais alto”.

O dólar hoje representa, indiretamente, uma das principais pressões sobre a inflação, com impacto que vai dos preços de combustíveis aos dos alimentos, passando inclusive pelos produtos fabricados pela indústria nacional, já que muitos usam componentes importados.

A VALORIZAÇÃO DA DREADNOUGHTS INTERNATIONAL

Para quem tem investimentos no exterior, contudo, o dólar mais caro tem um efeito positivo, já que faz crescer o equivalente em reais das aplicações. Foi isso o que aconteceu com os recursos mantidos na Dreadnoughts International, a empresa offshore fundada por Guedes em setembro de 2014 nas Ilhas Virgens Britânicas.

A alta do dólar desde 2019 fez com que o patrimônio valorizasse pelo menos R$ 14 milhões. Hoje, o equivalente em reais dos US$ 9,55 milhões aportados na empresa é de R$ 51 milhões. Como as decisões e declarações do ministro têm impacto direto sobre o mercado de câmbio, muitos especialistas enxergam um conflito de interesses direto entre o cargo público exercido por Paulo Guedes e seu papel como investidor.

As offshores não são ilegais no Brasil, desde que os recursos sejam declarados à Receita. A diferença, neste caso, é o fato de que Guedes é servidor público. O Código de Conduta da Alta Administração Federal proíbe, em seu Artigo 5º, que funcionários do alto escalão mantenham aplicações financeiras passíveis de serem afetadas por políticas governamentais, no Brasil e lá fora.

Em suas manifestações à imprensa, o ministro tem reiterado que cumpriu o que ordena o código de conduta e que, como manda a norma, informou à Comissão de Ética Pública sobre seus negócios no prazo estipulado, até dez dias após assumir o cargo

Nesse aspecto, uma outra questão emergiu por meio do Pandora Papers: o caso só foi julgado no último mês de julho, mais de dois anos e meio depois. A Comissão decidiu arquivar sem divulgar suas razões, sob a justificativa de que o caso seria sigiloso por envolver dados sensíveis.

O advogado Wilton Gomes, mestre e doutor pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), considera “absurdo” o período de dois anos que a comissão levou para avaliar o caso do ministro. Para ele, ainda que exista a questão de sigilo, os motivos que embasaram a decisão são uma questão de interesse público e, por isso, deveriam ser discutidos de forma mais transparente.

Sobre o parecer, ele afirma que a redação do Artigo 5º do Código de Conduta é clara para o caso de Guedes. “O conflito de interesse está instaurado, por mais que não tenha havido ação deliberada para aquela finalidade. Não é preciso comprovar que ele teve alguma atitude que o favorecesse, mas evitar o conflito de interesse.” Assim, para ele, a conduta correta seria que ou o ministro repatriasse os recursos ou, caso decidisse mantê-los no exterior, que se afastasse do cargo.

Depois da repercussão do caso, por meio de nota, a Comissão de Ética Pública da Presidência afirmou que, diferentemente do que dizem as reportagens, a declaração de Guedes foi analisada em maio de 2019 — essas informações, contudo, não constam nas atas e notas disponíveis no site da comissão e às quais a própria nota faz referência.

ALÉM DA QUESTÃO DO CÂMBIO

O potencial conflito de interesses entre o “Paulo Guedes ministro” e o “Paulo Guedes investidor” vai além do câmbio. Uma questão que pode afetar diretamente seus recursos no exterior é a tributação desses valores. Hoje, os rendimentos que pessoas físicas têm com empresas offshore só são taxados quando há saques desses investimentos.

Em uma proposta enviada pelo Ministério da Economia ao Congresso para alterar a tabela do Imposto de Renda e outros tributos estava previsto que essa cobrança sobre ganhos em offshore fosse feita anualmente, em caso de empresas estabelecidas em paraísos fiscais. Depois, porém, isso foi retirado, em comum acordo entre Guedes e o relator da matéria na Câmara, o deputado Celso Sabino (PSDB-PA).

O parlamentar disse no final de julho que pretendia reincluir a mudança, mas projeto de lei foi aprovado no início de setembro na Câmara sem esse ponto e agora está em análise no Senado. A BBC News Brasil tentou ouvir o deputado por telefone em seu gabinete e no celular, mas ninguém atendeu às ligações.

A proposta de taxar anualmente os ganhos em offshore gerou resistência de setores econômicos que mantêm recursos no exterior. Em evento organizado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Guedes disse em julho que a ideia foi retirada no Congresso para não complicar a tramitação do projeto de lei.

“O que estiver certo, acertamos aqui com a indústria… ‘Ah, não, tem que pegar as offshores e não sei quê’. Começou a complicar? Ou tira ou simplifica. Tira. Estamos seguindo essa regra”, afirmou.

“Não vamos botar em risco a retomada do crescimento econômico sustentável, que é o que está acontecendo. Então, quero deixar essa mensagem tranquilizadora. Quero agradecer o apoio de todo mundo que está nos ajudando, levando sugestões, dizendo ‘ó, cuidado que isso aqui está errado'”, continuou o ministro na ocasião.

A advogada Bianca Xavier, professora de direito tributário da Fundação Getúlio Vargas (FGV), reforça que não há ilegalidade em possuir recursos em uma offshore, desde que os valores sejam declarados à Receita Federal e ao Banco Central (no caso de superarem US$ 1 milhão) e que os tributos sejam pagos corretamente em caso de saques.

Segundo a professora, gerir recursos a partir de uma offshore no exterior, em geral, permite ao investidor pagar menos impostos quando se trata das cobranças sobre a empresa. Já quando a pessoa saca esses recursos, explica Xavier, ela terá que necessariamente pagar imposto sobre todos os ganhos de rendimento do período.

A vantagem da offshore, ressalta, é que o investidor não precisa pagar esse tributo regularmente, como ocorre no Brasil, mas apenas ao final da aplicação, quando saca. É o chamado diferimento de impostos.

Na sua visão, o ministro não parece estar agindo de modo antiético com relação a seus investimentos em offshore, já que partiu do próprio governo a proposta original de incluir na reforma tributária a taxação anual desses rendimentos. Para ela, é inevitável que o ministro lide com políticas que o afetem diretamente.

“Se for considerar um conflito ético, nenhum ministro da Fazenda poderia falar de Imposto de Renda. Todos nós somos contribuintes. Teria, então, que ser um ministro muito pobre para não ter nenhum tipo de renda. Acho que ele tem que seguir pela impossibilidade”, afirma a professora.

No entanto, o ministro pode ser beneficiado por outro ponto desse projeto de lei aprovado na Câmara e que ainda está em análise no Senado. O texto que recebeu o aval dos deputados prevê alíquota reduzida de 6% para quem decidir pagar antecipadamente o imposto sobre bens no exterior incluídos na declaração de Imposto de Renda deste ano (ano base 2020).

A alíquota normal no caso de investimentos em offshore varia de 15% a 27,5%. Ou seja, se isso for aprovado também no Senado e Guedes aderir ao pagamento antecipado, poderia economizar parte do tributo devido.

A justificativa apresentada para essa medida é a necessidade do governo aumentar a arrecadação com a antecipação desse e de outros tributos — o projeto de lei também dá desconto para pagamento antecipado sobre ganho de capital com valorização de imóveis.

Bianca Xavier lembra que a gestão Bolsonaro prometeu atualizar a tabela do Imposto de Renda, o que significa aumentar o número de brasileiros isentos da cobrança e reduzir um pouco os impostos pagos pelos demais.

A antecipação de tributos ajudaria a compensar num primeiro momento essa perda de arrecadação — solução considerada controversa por especialistas, já que a receita menor com a atualização da tabela do Imposto de Renda será permanente.

PRESIDENTE DO BC TAMBÉM ENFRENTA QUESTIONAMENTOS

À questão tributária, Pedro Rossi, professor do Instituto de Economia da Unicamp, acrescenta o âmbito regulatório. Paulo Guedes é, junto do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, membro do Conselho Monetário Nacional (CMN), que tem autonomia para aprovar uma série de medidas infralegais que também têm impacto sobre investimentos no exterior.

Campos Neto também foi citado no Pandora Papers. Sua offshore, a Cor Assets S.A, ficava situada no Panamá. À diferente de Guedes, ele encerrou as operações da empresa em julho do ano passado —mais de um ano depois de assumir a liderança do BC, contudo.

“São dois personagens da alta elite financeira, pessoas com milhões de dólares lá fora, beneficiados pela liberalização que eles mesmo promovem dentro dessa institucionalidade frouxa que alimenta conflito de interesses”, diz o economista.

“Ambos têm influência sobre instrumentos de política cambial, fiscal e monetária, e estão conduzindo hoje o maior processo de liberalização financeira desde 1990”, completa Rossi, referindo-se à iniciativa de mercados de capitais, conhecida pela sigla IMK, um conjunto de iniciativas que visa desenvolver o mercado de capitais no Brasil.

Entre as medidas aprovadas pelo CMN no âmbito do IMK ele destaca a ampliação das operações com derivativos no exterior, algo que, na sua avaliação, vai na contramão das discussões sobre redefinição do papel do Estado e controles sobre o mercado financeiro após a grande crise de 2008.

“A política fiscal, por exemplo, é mais democrática, passa pelo processo orçamentário, pelo legislativo. Já a política monetária e cambial depende de um conselho [CMN] que lhe dá diretrizes e que não tem representatividade, que toma decisões pouco democráticas e que é pouco transparente.”

GUEDES E CAMPOS NETO NEGAM IRREGULARIDADES

Em nota enviada à BBC News Brasil, a assessoria de Paulo Guedes afirma que as atividades privadas dele anteriores à sua posse como ministro foram informadas aos órgãos competentes. “Toda a atuação privada do ministro Paulo Guedes, anterior à investidura no cargo de ministro, foi devidamente declarada à Receita Federal, Comissão de Ética Pública e aos demais órgãos competentes, o que inclui a sua participação societária na empresa mencionada”, diz trecho da nota enviada. A nota disse ainda que a atuação de Guedes “sempre respeitou a legislação aplicável e se pautou pela ética e pela responsabilidade”.

Já assessoria de imprensa de Campos Neto enviou nota à BBC News Brasil afirmando que todo o seu patrimônio, no país e no exterior, foi declarado à Comissão de Ética Pública da Presidência da República, Receita Federal e ao Banco Central. A nota diz ainda que Campos Neto não fez nenhuma remessa de recursos ao exterior depois de assumir o Banco Central e que, desde então, não faz parte da gestão das suas empresas.

PANDORA PAPERS NO EXTERIOR

Não foi apenas no Brasil que o Pandora Papers identificou políticos como proprietários ou beneficiários de empresas offshore. De acordo com o consórcio, ao todo, 35 líderes o ex-líderes de países em todo o mundo e outros 300 agentes públicos aparecem nos documentos vazados.

Entre as outras revelações feitas pelo consórcio estão informações sobre o uso de empresas offshore pelo ex-primeiro ministro britânico Tony Blair para a compra de um escritório em Londres e a fortuna avaliada em US$ 94 milhões do rei Abdullah Il bin Al-Hussein, da Jordânia, em propriedades nos Estados Unidos e no Reino Unido.


Folha de SP (Painel)

Ivan Valente denuncia Guedes e Campos Neto à Comissão de Ética Pública

Deputado diz que há conflito de interesses com a manutenção de empresas em paraísos fiscais

O deputado Ivan Valente (PSOL-SP) levou à Comissão de Ética Pública as revelações de paraísos fiscais envolvendo Paulo Guedes (Economia) e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. O parlamentar pede que o ministro e Roberto Campos Neto sejam afastados dos cargos, “tendo em vista a clara situação de conflito de interesses entre o exercício dos referidos cargos e a manutenção de empresas com fortunas em paraísos fiscais.”

Na denúncia apresentada, Valente solicita apuração do caso e que as informações sejam enviadas ao Ministério Público Federal “para fins de instauração de ação de improbidade administrativa, tendo em vista situação configurada no presente caso.”

Neste domingo (3), veículos como a revista Piauí e o jornal El País revelaram que Guedes e o presidente do BC mantêm empresas em paraísos fiscais, situação em que pode haver conflitos de interesses, segundo especialistas. As descobertas fazem parte do projeto do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos, o ICIJ. Os documentos são dentro da Pandora Papers, investigação sobre paraísos fiscais promovida pelo consórcio.

Estadão

“Estamos investigando mortes na empresa”, diz Sarrubbo sobre caso Prevent Senior

Falsidade ideológica, omissão de notificação de doença obrigatória e possíveis crimes contra a vida são as suspeitas investigadas pelo Ministério Público estadual no caso da operadora de saúde Prevent Senior. “Queremos saber em que circunstâncias as pessoas morreram”, disse o procurador-geral de Justiça de São Paulo, Mário Luiz Sarrubbo. Quatro dos nove promotores da força-tarefa que investiga o caso são do Tribunal do Júri. Sarrubbo afirmou que a força-tarefa deve investigar a operadora de saúde Hapvida, que tem hospital em Ribeirão Preto e também é suspeita de impor a médicos e pacientes o “kit covid”. Leia a entrevista.

Quais são os delitos em tese investigados no caso Prevent?

Em princípio são pelo menos três delitos. O primeiro é a omissão de notificação de doença pelos médicos, que estavam obrigados a notificar o Ministério da Saúde, toda vez que diagnosticassem covid e mortes. O segundo é a falsidade ideológica. Há notícias da CPI de que os atestados de óbito eram falsificados; não se noticiava a morte por covid, o que é grave por levar a uma falsa percepção da pandemia quando as autoridades precisam conhecer os índices de contaminação e mortes para tomar medidas preventivas. E queremos saber em que circunstâncias as pessoas morreram, recebendo o tratamento pelos médicos nos hospitais da empresa em razão das informações de que, muitas vezes, utilizavam-se medicamentos e métodos reconhecidamente ineficazes. Esse é só um começo. O trabalho vai envolver o conhecimento das rotinas, dos métodos e do sistema adotado. Tudo terá de ser esclarecido caso eventuais tipos penais surjam, como lesões que se tornaram permanentes em função de tratamentos inadequados.

Estamos falando em lesão corporal gravíssima?

É – se possível –, pois as pessoas muitas vezes saem da covid com lesões gravíssimas. Há notícias de experiências que teriam sido feitas e, a partir daí, queremos saber se essa experiência causou morte, se a experiência causou risco à vida de pacientes. Tudo isso pode ser tipificado no Código Penal.

A ideia de pôr na força-tarefa promotores do Tribunal do Júri é ter pessoas com experiência em crimes contra a vida no caso?

Exato. A ideia é ter um olhar dos crimes contra a vida. Eles são experientes. Não fazemos juízo prévio. A ideia é que a covid envolve risco à vida, portanto, nada melhor do que um grupo de promotores com experiência de lidar com crimes contra a vida. Estamos investigando as mortes que aconteceram dentro de um sistema adotado por essa empresa.

O sr. investiga se houve a ação de uma organização criminosa?

Não dá para se diagnosticar. Precisamos ter calma. O que temos hoje são informações da CPI. São fatos estarrecedores, no sentido de que havia ali um sistema de trabalho, mas não dá para dizer que é uma organização criminosa. É preciso saber por que os profissionais agiam daquela forma. O grande desafio do Ministério Público é ver em que medida os médicos tinham liberdade para aplicar os tratamentos dentro da convicção própria e em que medida romperam a barreira da liberdade de forma imprudente e negligente ou até com intenção de causar danos maiores. Tudo será visto com cuidado, com ajuda de profissionais médicos.

Como definir as responsabilidades de cada envolvido?

Se dirigentes da empresa determinavam prescrições médicas e se o médico conscientemente sabia que as prescrições não eram adequadas, começamos a esbarrar em ilícitos penais graves. Mostra a consciência de que se está colocando a vida de alguém em risco. A responsabilidade penal haverá de chegar a todos: àquele que deu a ordem e àquele que recebeu a ordem e cumpriu com a consciência de que aquilo era ineficaz.

Há um paciente que os médicos queriam passá-lo a cuidados paliativos, porque seria terminal. A família o transferiu de hospital e ele sobreviveu. Em tese, pode haver conduta criminosa?

Sem dúvida. Em tese. A covid é um desafio grande. Pode acontecer de o diagnóstico ser de irreversibilidade e se reverter. A questão é saber se o problema é o diagnóstico que não se confirmou ou se era uma política de liberar leitos. Uma vez constatado que esse diagnóstico não tinha substrato científico, houve erro ou algo intencional, sem sombra de dúvida estamos lidando com crime contra a vida. A pessoa pode ter sofrido um risco caso se constate que o tratamento era ineficaz. A grande questão é essa: insistia-se em algo que a comunidade científica já havia identificado como ineficaz. E aí vem a pergunta: por quê? Qual a razão? Ficção pura e simples, imperícia, negligência ou era uma determinação da empresa com olhares comerciais? Aí, todo mundo que participa responde criminalmente. Precisamos saber o que aconteceu. Agora é a hora da verdade. Vamos investigar de forma profunda, se possível, preservando a instituição que atende muitos idosos, e punir quem geriu mal.

Há outra operadora, a Hapvida, presente no Estado e também questionada porque obrigaria médicos a distribuir o “kit covid”. Ela também será investigada?

Se o método for o mesmo, é nosso dever investigar também. É possível que os colegas investiguem a conduta dessa empresa. Podemos estender a atuação da força-tarefa.

Por que o Ministério Público arquivou em 2020 uma outra investigação sobre a Prevent?

Isso é do primeiro semestre de 2020, quando essa questão, a cloroquina, ainda gerava dúvida. Não era nada consolidado. Os colegas tomaram a decisão correta, pois não havia indícios que justificassem a investigação. Era outro momento. Hoje, temos inúmeras provas novas que ocasionaram o desarquivamento e novas diligências.

Os promotores pretendem verificar os prontuários dos pacientes que morreram na Prevent para saber se o atestado de óbito relata a causa correta da morte?

Todos eu não diria, mas isso vai ser verificado. A prova documental envolve a checagem.

Inexiste no Brasil um tipo penal que puna experiências médicas feitas sem consentimento dos pacientes. Essa lacuna legal deveria ser tratada pelos legisladores?

A última grande pandemia foi no começo do século passado, daí a inexistência de regulamentação legal, de tipos penais que possam absorver determinados comportamentos que envolvem a pandemia. A covid-19 foi uma novidade. Eu não me arriscaria dizer dois anos atrás que estaríamos nessa situação: grande número de mortos, muita gente trancada em casa. A gente ouvia falar da gripe espanhola, daí a ausência da legislação de alguns tipos penais que possam nos ajudar de forma mais segura reprimir, por exemplo, experiencias e até mesmo punir condutas que possam fomentar e aumentar a pandemia. É preciso uma severidade maior. A infração de medida sanitária preventiva é (punida) de forma muito tímida. A declaração de determinadas personalidades no sentido de não use máscara, use aquilo sem conhecimento prévio e seguro do que é gera impacto grande em termos de contaminação e mortes. E a imprensa. Há alguns veículos trabalhando totalmente contrário à lógica que a ciência tem mostrado. Salta aos olhos a irresponsabilidade de certos veículos e autoridades que confiam em informações isoladas e levam a desinformação à população, aumentando a nível de contaminação e até o de mortes. É preciso, a partir dessa experiência, reformar nossa legislação, não só a penal, para que as pessoas tenham responsabilidade.

Estadão

Comissão deve se opor a Bolsonaro e recomendar excluir ‘tratamento precoce’ do SUS

A Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), ligada ao Ministério da Saúde, deve recomendar a exclusão definitiva do uso na rede pública do chamado “tratamento precoce”, defendido pelo presidente Jair Bolsonaro. Formado por técnicos, o grupo se reunirá na quinta-feira para discutir o assunto. Segundo apurou o Estadão/Broadcast, a tendência do colegiado é de se opor à prescrição de cloroquina e outros medicamentos sem eficácia comprovada contra a covid-19.

Auxiliares próximos ao presidente ouvidos pela reportagem preveem que uma decisão da Conitec de aprovar uma diretriz em que a cloroquina não é recomendada poderá ser usada politicamente pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, do Senado, como prova de que Bolsonaro ignora avaliações científicas ao defender de forma reiterada os medicamentos do “kit covid”.

Em maio do ano passado, o Ministério da Saúde divulgou orientação em que recomendava a administração da cloroquina desde os primeiros sinais da doença. Na ocasião, o documento foi a alternativa encontrada pelo então ministro, general Eduardo Pazuello, diante das dificuldades de se criar um protocolo propriamente dito – este sim com poder de ditar regras de atendimento no Sistema Único de Saúde (SUS). Antes de Pazuello, dois ministros – Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich – se recusaram a publicar a recomendação e deixaram o cargo.

Já em maio deste ano, a comissão contraindicou os remédios ineficazes para pacientes internados. Agora, serão definidas as diretrizes para os casos de pacientes que não estão hospitalizados. Na prática, enquanto não há uma orientação oficial, cabe a cada médico decidir se receita ou não esses medicamentos.

Em tese, o Ministério da Saúde não tem obrigação legal de seguir os pareceres da Conitec, mas, geralmente, acata as recomendações do órgão técnico. Quando depôs à CPI da Covid, em 8 de junho, o ministro Marcelo Queiroga confiou à Conitec a palavra final sobre a recomendação ou não do uso do remédio para tratar pacientes contra o novo coronavírus no SUS.

“Infelizmente, hoje ainda, nós não temos medicações com eficácia comprovada para o enfrentamento dessa doença. Então, vamos esperar uma manifestação da Conitec sobre o tratamento da covid em todas as fases. Aí teremos uma política pública consolidada, oxalá com uma harmonização da classe médica sobre esse assunto, e encerramos de vez essa questão, para investir no que é fundamental”, declarou, à época.

Apesar das comprovações científicas da ineficácia, Bolsonaro continuou a defender o chamado “tratamento precoce”, inclusive em seu discurso na Assembleia-Geral das Nações Unidas (ONU), no mês passado. “Desde o início da pandemia apoiamos a autonomia do médico em busca do tratamento precoce. Eu mesmo fui um desses que fez tratamento inicial”, afirmou.

Nas últimas semanas, a defesa do tratamento precoce foi um dos pontos explorados nas investigações da CPI da Covid, no Senado. Agora, os aliados do presidente temem que a decisão em relação ao tratamento ambulatorial da Conitec seja usada pela CPI contra o próprio governo. “A Conitec tem que reprovar isso porque o mundo inteiro reprovou”, afirmou o senador Otto Alencar (PSD-BA), que é médico. “Queiroga está muito fragilizado. Aceitou tudo o que Bolsonaro impôs, mais ou menos igual o Pazuello. Faz o que Bolsonaro quer, então fica”, afirmou o parlamentar.

A possibilidade de o órgão ligado à Saúde excluir a cloroquina de vez da rede pública também entrou na lista de insatisfações da chamada “ala ideológica” do governo com Queiroga. O titular da pasta já é alvo de críticas de aliados por ter liberado a vacinação de adolescentes e por não atuar de forma eficaz para barrar o “passaporte da vacina” – ele mesmo sugeriu o modelo, em abril. Queiroga ainda vem sendo pressionado por Bolsonaro a divulgar um plano para desobrigar o uso de máscaras.

Agora, uma nova decisão da Conitec contrária à vontade da ala ideológica pode ser também creditada a Queiroga e usada para intensificar o processo de fritura. Apesar de não ter influência direta sobre o grupo, coube ao ministro a escolha do presidente do colegiado, o médico Carlos Carvalho, professor titular de Pneumologia da USP.

Carvalho é crítico da cloroquina e esteve entre os signatários de uma carta de profissionais da saúde que recomendava respeito às medidas de distanciamento, de higiene e de uso de máscara, além do combate à desinformação e às más práticas de prevenção e tratamento.

Queiroga voltou ao Brasil ontem após cumprir isolamento nos Estados Unidos por ter contraído covid-19. Ele viajou ao país para acompanhar Bolsonaro no evento da ONU. Antes da viagem, o ministro, que é médico, deu uma “guinada”. Em um aceno ao chefe, no mês passado suspendeu a vacinação de adolescentes, como defendia o presidente. Durante a visita oficial, e chegou a fazer gesto obsceno a manifestantes contrários ao presidente em Nova York. A imunização dos adolescentes foi retomada pela Saúde pouco tempo depois.

A Conitec é formada por um representante de cada secretaria do Ministério da Saúde, do Conselho Federal de Medicina (CFM), do Conselho Nacional de Saúde (CNS), da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Agência Nacional de Saúde (ANS), além de secretarias estaduais e municipais de saúde. É responsável por assessorar o ministério na decisão de quais medicamentos e tratamentos que serão utilizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), a comissão tem até 26 de outubro para se pronunciar sobre o tema. Procurado, o Ministério da Saúde não havia se manifestado até a conclusão desta edição.

Abril de 2020 – Primeiro ministro da Saúde do governo de Jair Bolsonaro, Luiz Henrique Mandetta é demitido após se recusar a recomendar o uso da cloroquina na rede pública. Seu substituto, o também médico Nelson Teich, deixa o cargo menos de um mês depois pelo mesmo motivo. Já sob Eduardo Pazuello, o Ministério da Saúde publica orientação sobre o uso da cloroquina, estendendo a possibilidade de médicos prescreverem a substância a todos os pacientes com covid-19.

Maio de 2021 – A Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) dá aval a parecer de especialistas coordenado pelo Ministério da Saúde que contraindica cloroquina e outros medicamentos sem eficácia comprovada para pacientes hospitalizados. O documento não trata do chamado “tratamento precoce”.

Junho – À CPI da Covid, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, esquiva-se de responder qual é sua posição sobre o uso da cloroquina em pacientes com covid-19. Ele diz que aguarda uma posição da Conitec.

Setembro – O ministro do STF Ricardo Lewandowski dá 180 dias para Queiroga apresentar protocolo e diretrizes sobre os medicamentos do chamado “tratamento precoce” defendido por Bolsonaro.

Outubro – A Conitec marca para a próxima quinta-feira a análise do tema. A pauta diz que estará em discussão uma “apreciação inicial das diretrizes brasileiras para tratamento medicamentoso ambulatorial do paciente com covid-19”.

Folha de SP (Painel)

A parlamentares, Lula diz que quer novas lideranças como candidatos e sugere anistia de dívidas do Fies

Ex-presidente se reuniu nesta segunda (4) por cerca de quatro horas com a bancada petista no Congresso

Em encontro com os integrantes da bancada do PT no Congresso, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu nesta segunda (4) empenho para que o número de parlamentares do partido cresça nas eleições de 2022 e dê sustentação a um eventual governo do petista. O ex-presidente se reuniu por aproximadamente quatro horas com deputados e senadores em Brasília.

Segundo relatos dos presentes, Lula cobrou que isso seja uma prioridade do partido. Afirmou que é importante que se candidatem ex-parlamentares e ex-ministros do PT, mas também que são necessários convites a novas lideranças populares e a puxadores de votos, que renovem os quadros partidários.

O discurso do ex-presidente é de que, caso vença as eleições do ano que vem, faça um mandato que não seja uma repetição dos seus governos anteriores, mas vá além. O tom dado foi de “reconstrução nacional” após a gestão de Jair Bolsonaro (sem partido), que, para ele, é de destruição.

Deputados afirmam que uma das propostas que Lula sugeriu para a sua campanha é a anistia ou o refinanciamento das dívidas do Fies (Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior​), que considera importante para reduzir os custos de quem está desempregado.

Uma das críticas feitas pelo ex-presidente, dizem os parlamentares, foi de que Bolsonaro abandonou o governo e transferiu a responsabilidade a parlamentares aliados, que têm executado obras por meio das emendas de relator, o chamado “orçamento secreto”. A reunião foi fechada a integrantes do PT. Lula passará a semana em Brasília, onde irá se reunir com outros políticos, com militantes e com sindicalistas.

O PT está em trégua há muito tempo, diz Gleisi sobre proposta de Ciro

Mesmo vaiado em ato contra Bolsonaro, presidenciável do PDT propôs a suspensão de ataques entre as legendas de oposição

A presidente do PT, Gleisi Hoffmann (PT-PR), afirma que o partido já está “em trégua há muito tempo”, e que fica feliz com o fato de Ciro Gomes, que tem feito reiterados ataques a legenda, caminhe na mesma direção, propondo um cessar-fogo nos ataques. “Que bom que ele está com esse objetivo também”, segue ela.

O presidenciável do PDT foi vaiado na avenida Paulista, no sábado (2), ao discursar no ato contra Jair Bolsonaro convocado por partidos e movimentos sociais de esquerda. Ciro, no entanto, minimizou o episódio e afirmou estar propondo uma “trégua” para que todos possam se unir em torno do objetivo comum de defender o impeachment de Bolsonaro.

“As minhas diferenças com o PT são cada vez mais profundas e insuperáveis, mas o que eu estou propondo, para toda a militância nossa, é não dar valor a esses incidentes, que são desagradáveis, mas são irrelevantes à luz da gravíssima hora que o Brasil está pedindo de todos nós: serenidade, equilíbrio e foco”, afirmou ele à imprensa depois das vaias. “Estamos propondo uma amplíssima trégua de Natal, como nas guerras. Quando o assunto for Bolsonaro e impeachment, a gente deve esquecer tudo e convergir para esse rasíssimo consenso, que já não é fácil”, completou.​

De acordo com Gleisi Hoffmann, o PT não tem “problemas de debater nas diferenças”. “Estamos fazendo uma política mais ampla, dialogando, buscando uma articulação com os diversos partidos”, afirma ela. A manifestação de domingo (2), que reuniu militantes e lideranças de praticamente todos os partidos de esquerda, seria já o resultado do maior diálogo das forças políticas que fazem oposição a Bolsonaro.

Valor

Na reta final, CPI ouve sócio da VTCLog

Prestadora de servicos logísticos é investigada por supostos pagamentos a ex-diretor da Saúde

Com previsão de votação do relatório final em 20 de outubro, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da covid-19 entra hoje naquela que pode ser sua última semana de depoimentos – a próxima semana, por conta do feriado na terçafeira, deve ser de pouco movimento de parlamentares no Congresso Nacional.

Será ouvido Raimundo Nonato Brasil, sócio da VTCLog, prestadora de serviços ao Ministério da Saúde desde 2018 e que durante a pandemia ficou responsável pela distribuição de vacinas. O depoente, contudo, ingressou ontem no Supremo Tribunal Federal (STF) para ter o direito a ficar em silêncio na sessão.

Os advogados pedem ainda que Nonato não seja obrigado a prestar o juramento de dizer a verdade e lembram que ele se encontra na condição de investigado e teve os sigilos telefônico, telemático, bancário e fiscal quebrados pela comissão.

A VTCLog entrou na mira da CPI pela suspeita de ter feito pagamentos ao ex-diretor de logística do Ministério da Saúde Roberto Ferreira Dias. Também investigado, Dias foi o único depoente a sair preso da CPI e é nome certo na lista de indicados ao indiciamento no relatório final, a cargo do senador Renan Calheiros (MDB-AL).

Renan, aliás, é parte na mais recente divisão entre os integrantes da cúpula da CPI. Ele é um dos que têm defendido a realização de um grande ato de homenagem às vítimas da pandemia, com direito a testemunhos de parentes. A mãe do ator Paulo Gustavo e o ator Tarcísio Filho, primogênito do ator Tarcísio Meira, seriam convidados a falar.

Haveria ainda a exposição de um monumento provisório com 27 lápides em frente ao Congresso – uma representando cada Estado brasileiro. Por fim, seria realizada a execução da música “Aos nossos filhos”, de Ivan Lins, que ficou conhecida na voz de Elis Regina.

Nem todos os senadores, contudo, concordam, defendendo um encerramento formal e sereno, apenas com a votação do relatório final. Amanhã, será a vez do presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Paulo Roberto Rebello Filho, falar ao colegiado. Os senadores pretendem questioná-lo sobre uma eventual omissão do órgão diante de possíveis ilegalidades cometidas pela Prevent Senior.

A realização de uma sessão para ouvir os médicos que fizeram parte do grupo de ex-funcionários que denunciaram a operadora de saúde ainda está em aberto, podendo ocorrer na quinta-feira desta semana. Uma reunião do G7, grupo que reúne a maioria dos 11 integrantes da CPI, ocorreria na noite desta segunda-feira.

Além de bater o martelo sobre a cerimônia, os senadores também iriam buscar acordo sobre a possibilidade de convocar dois ministros do governo do presidente Jair Bolsonaro: o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e o ministro da Economia, Paulo Guedes. Queiroga voltou ao país ontem, após contrair covid-19 na viagem da comitiva brasileira aos EUA, por ocasião da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU). Seria sua terceira ida à CPI. Já Guedes, iria pela primeira vez.

Valor (análise)

Lula veta “salto alto” no PT e cobra diálogo

Andrea Jubé

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva estava bem humorado ontem na reunião com deputados e senadores no salão de um hotel em Brasília. Na fala de abertura do encontro, relembrou os tempos em que era presidente da República e se deparava no dia seguinte com bastidores do governo, que eram de conhecimento de um grupo restrito de auxiliares, estampados nos jornais. Lula questionava os auxiliares sobre o responsável pelos vazamentos à imprensa. Ao fim, dizia em tom de pilhéria que o tagarela só poderia ser o “anão embaixo da mesa”. A galhofa virou piada interna do PT.

Ontem, segundo relato de um dos presentes à coluna, o ex-presidente comentou, irônico, que a imprensa já publicou pelo menos 13 nomes de candidatos que ocupariam a vaga de vice em chapa encabeçada por ele. Nesse momento, citou matéria deste Valor, que informou a criação de um gabinete informal para assessorá-lo na pré-campanha. “Também já tenho não sei quantos coordenadores”, provocou, culpando de novo o “anão embaixo da mesa” pela informação.

Lula está bem disposto, de humor leve, mas “consciente da realidade”, disse à coluna o governador do Piauí, Wellington Dias, que se reuniu com ele na véspera do encontro com as bancadas federais. A primeira agenda de Lula em Brasília foi domingo, com os quatro governadores do PT: Camilo Santana, do Ceará; Fátima Bezerra, do Rio Grande do Norte; Rui Costa, da Bahia, e Wellington Dias. Também participaram da reunião a vice-governadora de Sergipe, Eliane Aquino (PT), a presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann, e o senador Jaques Wagner, pré-candidato ao governo da Bahia.

Lula queria colher a visão dos gestores sobre os problemas do país, como o aumento da inflação, a volta da fome, os rumos da educação após a pandemia e a crise na segurança pública. “Ele quer compreender o ponto de vista dos Estados. Está preocupado, por exemplo, com o aumento da violência, mas, especialmente, com a expansão do crime organizado”, explicou Wellington. “De um lado, existe a violência mais associada ao social”, decorrente do aumento do desemprego e da pobreza. “Mas tem uma fatia, e essa é a maior parte, que é a do aumento do crime organizado, como o narcotráfico”, explicou o governador.

Uma ala do PT considera a falta de propostas para a segurança pública como uma das falhas da campanha de Fernando Haddad em 2018, enquanto o tema foi bandeira de Jair Bolsonaro. No segundo turno, Rui Costa – já reeleito governador da Bahia – desembarcou em São Paulo especialmente para aconselhar Haddad sobre o tema.

Camilo Santana tem manifestado publicamente o desconforto com a escalada do crime organizado no Ceará. No começo do ano, reclamou da liberação pela Justiça de 71 presos em operação da Polícia Civil contra o tráfico de drogas na cidade de Quixeramobim, no sertão cearense. “Absolutamente lamentável! Após meses de trabalho árduo da nossa polícia. Uma derrota para toda a sociedade”, criticou em seu perfil nas redes sociais.

Na esfera educacional, Lula ouviu dos governadores a preocupação com os quase dois anos de ensino à distância, que trarão danos de difícil superação aos mais vulneráveis. “Isso levará prejuízos para toda uma geração”, lamentou o governador.

Wellington negou que exista um clima de euforia interna no PT diante da persistente liderança de Lula nas pesquisas sobre a sucessão presidencial e assegurou que o líder petista sabe que ainda tem muito chão pela frente até a eleição. “[A orientação dele] é para estarmos todos na pauta do povo, cuidar dos mais pobres e buscar alternativas para atração de investimentos para gerar emprego e renda”, afirmou o governador. “Nada de sapato alto, de já ganhou. A hora é de humildade, muito diálogo e trabalho”, concluiu.

Um observador experiente da cena política afirma que Lula faz nova rodada de conversas em Brasília cinco meses após a primeira para mostrar que está se movimentando. Há poucos meses, havia reclamações de alas do PT de que Lula estava “jogando parado” e essa tática estava equivocada para a conjuntura atual. Uma leitura interna, entretanto, é de que a estratégia de Lula neste momento é a da “troca de passes”, enquanto os adversários da terceira via têm de correr para o ataque para se viabilizar no jogo eleitoral.

É nesse contexto que os adversários do petista testam movimentos. Depois de ser vaiado, Ciro Gomes (PDT) pediu uma “trégua de Natal”. João Doria e Eduardo Leite intensificam as articulações para as prévias de novembro.

Sem alarde, com a discrição típica dos mineiros, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM), também se movimentou nas últimas duas semanas. No dia 15 de setembro, participou de evento em Goiânia com o presidente do MDB, deputado Baleia Rossi (SP), e o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM). Uma semana depois, reuniu-se com o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, também do MDB. Na sexta-feira, encontrou-se com o governador do Rio Grande do Sul e presidenciável do PSDB, Eduardo Leite, em evento nacional do Ministério Público na Serra Gaúcha.

O que chamou a atenção no ato político em Goiânia ao lado de Baleia Rossi e Ronaldo Caiado foi o tom eleitoral da manifestação de Pacheco em evento com dezenas de vereadores e prefeitos goianos. Foi um discurso muito além da tradicional fala institucional sobre o respeito entre os Poderes. Ele exaltou a “boa política” como solução para os problemas nacionais, condenou os extremos, pregou a união.

“Não queremos discurso de ódio, de rejeição, de apontamento de defeitos como se fôssemos os donos da verdade”, afirmou. “Precisamos de união do povo brasileiro, o que não significa concordar ou conciliar sempre. Temos inimigos comuns, mas não estão entre nós. É a fome, a miséria, o desemprego, a crise hídrica”, prosseguiu, sob aplausos. Ele concluiu citando um ícone da política mineira e nacional: “tenhamos o que Juscelino Kubitschek nos ensinou: otimismo, entusiasmo”, exortou.

Andrea Jubé é repórter de Política em Brasília.

O Globo (coluna)

Força Aérea abre investigações contra militares filiados ao PT

BELA MEGALE

A Força Aérea Brasileira (FAB) tem investigado a filiação de militares a partidos políticos, em especial aqueles ligados ao PT. A coluna teve acesso a casos de três militares que passaram a ser alvos de um Procedimento de Apuração e Transgressão Disciplinar nas últimas semanas por terem filiações ativas junto ao partido de Lula.

A base dos pedidos cita o artigo 142 da Constituição Federal, que proíbe a filiação de militares da ativa a partidos políticos. Dois pontos relativos a essas apurações têm causado estranheza entre os quadros da FAB. Um deles é que só vieram à tona procedimentos envolvendo filiações a uma única sigla, o PT. Outra questão é o timing desta investigação. Algumas das filiações que passaram a ser questionadas estão ativas há mais de 15 anos, antes mesmo desses militares ingressarem na Força. Os casos estão sendo tratado com extremo sigilo nas Forças Armadas.

Procurado, o Ministério da Defesa se recusou a responder se as investigações envolvem filiados de todos os partidos e se o mesmo procedimento está sendo adotado pelo Exército e Marinha. A assessoria da FAB informou que “o levantamento no âmbito da Força Aérea Brasileira é realizado para todo efetivo e independe de partido político específico, com fito de orientar acerca do assunto, em cumprimento às disposições legais supracitadas”.

O Globo

Doria e Eduardo Leite apostam em dissidências nos diretórios para vencer prévias do PSDB

Paulista e gaúcho angariam ‘traições’ e tentam virar mais votos nos estados que já fecharam apoio na disputa tucana

Além da disputa pelos estados que ainda não definiram quem vão apoiar nas prévias do PSDB, os governadores João Doria, de São Paulo, e Eduardo Leite, do Rio Grande do Sul, têm atuado para converter dissidentes nas regiões onde os diretórios já anunciaram publicamente seu candidato nas primárias.

Para tentar cooptá-los, os dois têm feito viagens a estados que já fecharam questão sobre a votação interna. Foi o caso de Doria, que esteve em Minas Gerais no último fim de semana. O diretório local, que tem forte influência do deputado Aécio Neves, anunciou adesão a Leite. O governador paulista, porém, conseguiu declaração de voto do deputado federal Domingos Sávio, primeiro vice-presidente nacional do PSDB. Doria ainda contou que prefeitos locais se comprometeram a apoiá-lo, mas apenas um deles apareceu nos eventos realizados no estado no fim de semana.

O diretório paulista, que é comandado por Marcos Vinholi, secretário estadual de Desenvolvimento Econômico, fechou apoio a Doria. Mas Leite conseguiu alguns votos no estado. No dia 25, esteve em São José dos Campos, no Vale do Paraíba. Durante o evento, o gaúcho foi elogiado pelo prefeito tucano Felicio Ramuth, que, porém, não definiu a sua posição. Foi também numa viagem a São Paulo que Leite conseguiu o apoio do líder do PSDB na Câmara Municipal paulista, Xexéu Trípoli.

O gaúcho ainda conquistou o voto do prefeito de Santo André, Paulo Serra, e dos ex-presidente do partido em São Paulo Pedro Tobias e Antonio Carlos Pannunzio. Os dois últimos são próximos do ex-governador Geraldo Alckmin, que se tornou adversário de Doria e deve trocar de partido para disputar o governo.

O governador paulista, por sua vez, também conseguiu uma dissidente de peso no estado de Leite. A ex-governadora gaúcha Yeda Crusius anunciou apoio a Doria no último dia 18. Uma outra estratégia é buscar grandes diretórios municipais. Apesar de o de Santa Catarina ter fechado adesão a Leite, o governador de São Paulo anunciou ter conquistado o apoio do diretório de Joinville, maior município do estado, além da adesão do ex-senador Paulo Bauer. A equipe de Doria já identificou dissidências também no Amapá.

A quantidade de dissidências mostra que o apoio do diretório estadual não garante que todos os filiados e detentores de mandato votarão da mesma forma, o que embaralha ainda mais a disputa entre Doria e Leite.

Conforme as regras aprovadas pela executiva nacional do partido, os votantes das prévias tucanas serão divididos em quatro grupos e cada um deles terá participação de 25% na apuração final. Fazem parte da divisão: filiados (grupo 1); prefeitos e vice-prefeitos (grupo 2); vereadores, deputados estaduais e distritais (grupo 3); e governadores, vice-governadores, senadores, deputados federais, presidente e ex-presidentes da executiva nacional (grupo 4).

Doria teve uma vantagem inicial por comandar o maior estado do país, onde está a maior parte dos filiados ao PSDB, um dos quatro grupos do colégio eleitoral tucano. Além de São Paulo, ele ganhou o apoio formal de outros quatro estados: Pará, Distrito Federal, Acre e Tocantins. Por outro lado, Leite já conseguiu o apoio de oito diretórios estaduais: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Minas, Bahia, Alagoas, Ceará e Amapá. Os demais estados ainda não se posicionaram.

O terceiro nome inscrito nas prévias, o ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio afirmou ontem que não pretende abandonar a disputa, como fez o senador Tasso Jeireissati (CE), em apoio a Leite. Virgílio disse ainda que quem perder deve ficar no partido e ajudar na campanha.

O Globo

‘Se ficarmos fracionados, não teremos terceira via’, afirma Doria sobre eleições de 2022

Questionado se abriria mão de se candidatar para Moro ou Mandetta, tucano reconheceu que poderia fazer isso para evitar vitória de Lula ou Bolsonaro

O governador de São Paulo, João Doria, disse nesta segunda-feira que a terceira via não pode chegar “fracionada” às eleições de 2022. Ao ser questionado se poderia até abrir mão de uma eventual candidatura, caso vença as prévias do PSDB, em favor dos ex-ministros Sérgio Moro ou Luiz Henrique Mandetta, o tucano reconheceu que isso poderia evitar vitória de Luiz Inácio Lula da Silva ou Jair Bolsonaro. A declaração foi dada ao programa “Amarelas On Air”, da revista “Veja”.

— Sou um patriota acima de tudo. Não estou na política por um projeto pessoal. Se ficarmos fracionados, não teremos uma terceira via. Teremos Lula ou Bolsonaro sucedendo a esse governo, o que seria um desastre. Se tivermos mais um governo populista o Brasil não vai resistir — respondeu Doria.

O paulista ainda tentou vincular os seus opositores nas prévias do PSDB ao presidente Jair Bolsonaro. Citou que os sete deputados federais tucanos de São Paulo votam sempre contra as pautas bolsonaristas, enquanto os parlamentares do Rio Grande do Sul, estado de Eduardo Leite, seu principal adversário na disputa interna do partido, são favoráveis aos temas de interesse do presidente da República, como o voto impreso.

— Eu quero registrar aqui e não é para fulanizar. O Rio Grande do Sul tem dois deputados do PSDB, os dois votaram a favor do voto impresso. E, infelizmente, sistematicamente têm votado as pautas bolsonaristas, assim como os do Minas Gerais, com exceção de um, Domingos Sávio.

Sávio declarou, no último fim de semana, apoio a Doria nas prévias, enquanto o diretório de Minas, que sofre forte influência do deputado Aécio Neves, aderiu a Leite.

— Todos os demais parlamentares de Minas votam a favor das pautas bolsonaristas e votam contra mim nas prévias. Portanto, esse é jogo. Faz parte do processo ter gente a favor e ter gente contra. Mas vamos olhar quem é contra, qual a identidade dessas pessoas. São aqueles que estão votando com Bolsonaro. E eu me coloco francamente contra Bolsonaro.

Doria, que classifica o governo como o pior da história do Brasil, também disse que ficar “triste” com os deputados do PSDB que apoiam o presidente.

— Queria ter um partido que tivesse um sentimento melhor. A votação do voto impresso não era pelo voto impresso, era contra a democracia.

Apesar disso, o tucano afirmou que não ver condições no Congresso para abertura do impeachment do presidente. Doria ainda garantiu que fica no PSDB mesmo que perca as prévias e que apoiaria Leite.

— Não há a menor possibilidade de eu sair do PSDB nem de apoiar outra candidatura que não seja do PSDB ou a candidatura que puder engradecer a terceira via.

O governador paulista também descartou disputar a reeleição se não for escolhido pelo PSDB para concorrer a presidente.

— Sou contra a reeleição. É constitucional, mas é um erro. A reeleição é um mal.

Doria também disse que o ex-governador Geraldo Alckmin não aceitou disputar o Senado em 2022 e negou ter rompido com o seu padrinho político.

Valor

Vacina contra covid-19: Necessidade de mais duas doses ainda é incógnita

Farmacêuticas e autoridades afirmam que mais estudos são necessários sobre volta da vacinação

Fabricantes de vacinas contra covid-19 usadas no Brasil ainda não têm uma resposta definitiva para uma pergunta que parece simples: quem tomou as duas doses do imunizante neste ano terá de tomar novamente mais duas doses em 2022? A Organização Mundial da Saúde (OMS), autoridades médicas e sanitárias tampouco conseguem responder com precisão.

A posição comum entre todos é que ainda é preciso avaliar de forma mais precisa por quanto tempo o organismo fica protegido com cada uma das vacinas disponíveis. A representação da OMS no Brasil diz que está “monitorando cuidadosamente” a questão, mas ainda não há uma conclusão. “Atualmente, não há evidências conclusivas que apontem que a eficácia da vacina contra covid-19 para casos graves de doença e morte diminua significativamente com o tempo.”

O que parece até agora contar com mais resultados favoráveis, segundo pesquisas citadas pelos laboratórios, é a estratégia de aplicação de uma dose adicional. Vários países, entre eles o Brasil, aplicam essa dose de reforço na população com mais de 60 anos e em pessoas com doenças crônicas e com baixa imunidade. Estudos têm mostrado que a imunidade conferida pelas vacinas diminui nesse público após um intervalo de seis meses.

Para 2022, conforme informou o Valor em sua edição de ontem, o Ministério da Saúde deve apostar em uma revacinação de população, não com duas doses, e sim da dose de reforço. A possibilidade de mais duas doses, no entanto, não estaria de todo descartada. O ministério tem mantido diálogo com os laboratórios sobre 2022. A americana Pfizer é um dos laboratórios que apontam as vantagens de uma terceira dose – e que não têm uma posição pública bem definida sobre mais duas doses.

A empresa iniciou em julho estudo com voluntários dos EUA, África do Sul e Brasil que avalia uma terceira dose, ou dose de reforço. Dados iniciais mostram, segundo a assessoria da Pfizer disse à reportagem, que mais uma dose seis meses depois de encerrada a primeira rodada eleva a proteção do organismo contra o vírus. Nos EUA, a empresa teve aval para aplicação da dose adicional em quem tem mais de 65 anos e em quem tem algumas condições de risco.

A Pfizer (que vendeu 200 milhões de doses ao Brasil neste ano) não respondeu diretamente à reportagem se há indicações que mostrem a necessidade de mais duas doses de sua vacina em quem já recebeu as duas primeiras.

A farmacêutica europeia AstraZeneca – que junto com Pfizer e Instituto Butantan foi um dos maiores fornecedores de vacinas ao Brasil neste ano – não tem igualmente uma posição clara sobre quão necessário seria uma revacinação com duas doses. Sua assessoria no país diz que a empresa acompanha os resultados dos estudos sobre a necessidade ou não dessa estratégia.

Parceira da AstraZeneca no país, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) vai na mesma linha: “Ainda é necessário aguardar e acompanhar os diversos estudos que têm sido realizados no mundo sobre a efetividade e duração da proteção conferida pelas vacinas.” Até o momento, há informações que apontam necessidade de pelo menos uma dose de reforço.

Apesar das incertezas sobre como serão as futuras campanhas no Brasil e em outros países – se com duas novas doses ou apenas uma de reforço -, a Fiocruz começou a produzir nacionalmente insumo básico para a produção de vacinas. A Pfizer e sua parceira BioNTech têm, por seu lado, uma carta de intenção com a farmacêutica brasileira Eurofarma para a produção da vacina de mRNA contra a covid-19 para distribuição no país e na América Latina, a partir de 2022.

Do ponto de vista do negócio, a produção local de vacinas anticovid atenderia a uma demanda por aplicação de doses de reforço ou de duas doses em países que estão atrasados na cobertura vacinal.

O Butantan também olha a demanda por mais doses e está erguendo uma nova fábrica em São Paulo. “O que é apontado pelos pesquisadores, até o momento, é a necessidade de um reforço, em um período de tempo ainda não estipulado, com uma vacina atualizada, levando em consideração as novas variantes descobertas e suas possíveis mutações”, disse a instituição por meio de nota.

O governo federal já indicou que não pretende comprar doses de Coronavac para aplicar doses de reforço. Única fabricante no Brasil cuja vacina requer apenas uma dose, a Janssen cita um estudo que mostrou que uma nova dose do imunizante seis meses após a primeira aumenta em até 12 vezes o nível de anticorpos no organismo.

Valor

OMS diz não ter certeza se vacinação contra covid-19 terá de ser feita ano a ano

Entidade também alerta que vacinas seguras e eficazes por si só não podem resolver a pandemia

A diretora-geral adjunta da Organização Mundial da Saúde (OMS), Mariângela Simão, disse ao Valor que “ainda não sabemos com certeza” se nova vacinação será necessária ao longo dos anos contra a covid-19, que continua se propagando nos países. Essa é uma questão que está no radar das autoridades sanitárias em diferentes regiões do mundo, mas decisões dependem de resultado de pesquisas.

A OMS não descarta a possibilidade de que, no futuro, se justifique vacinação de reforço de alguns grupos específicos da população e/ou em contextos precisos. Um exemplo pode ser o pequeno grupo de pacientes que são imunocomprometidos. No entanto, diz que são necessários mais dados sobre o momento ideal e a dose de reforço, que pode diferir entre as vacinas. Também nota que atualmente não há nenhuma evidência conclusiva estabelecendo que a eficácia de vacina covid-19 contra doenças graves e morte diminui significativamente com o tempo.

A OMS observa, em todo o caso, que futuras variantes do vírus ameaçam a eficácia das vacinas. O rápido desenvolvimento de imunizante eficaz anti-covid-19 é uma das poucas e verdadeiras histórias de sucesso dessa pandemia. “Mas, a menos que as vacinas estejam disponíveis para aqueles de maior risco e medidas de saúde pública continuem a ser implementadas, as variantes futuras podem ameaçar o progresso que fizemos até agora e prolongar a pandemia.”

Também alerta que vacinas seguras e eficazes por si só não podem resolver a pandemia. E que é preciso manter uma vigilância forte apoiada por diagnósticos rápidos, cuidados clínicos antecipados e terapias que salvam vidas. Para a entidade sanitária global, no futuro próximo as pessoas devem continuar usando máscaras, limpando as mãos, garantindo uma boa ventilação dentro de casa, mantendo distanciamento físico e evitando aglomerações.

O CEO de Pfizer, Albert Bourla, disse na semana passada numa televisão dos EUA, que acreditava que a vida voltaria ao normal em um ano. Mas que a covid-19 provavelmente exigiria vacinação anual para enfrentar as variantes que surgem em diferentes regiões do mundo. “O cenário mais provável para mim, porque o vírus está espalhado por todo o mundo, é que continuaremos a ver novas variantes que estão surgindo e também teremos vacinas que durarão pelo menos um ano”, disse ele. “Acho que o cenário mais provável é a vacinação anual. Mas nós não sabemos realmente. Precisamos esperar e ver os dados.”

Ao Valor o diretor-geral da Federação Internacional de Fabricantes e Associações Farmacêuticas (Ifpma), Thomas Cueni, afirmou que “no momento, infelizmente não há nada que indique que o vírus vai desaparecer no próximo ano, especialmente porque precisamos ver as vacinas alcançarem todas as populações necessitadas antes de começarmos a pensar em ter um caminho para eliminá-lo”.

Para Cueni, se as mesmas vacinas que foram desenvolvidas agora serão as mesmas que serão utilizadas em 2022 ou mais além, “depende das mutações e inovações do vírus, que podem ser capazes de prolongar o tempo necessário entre as doses”. Atualmente, as vacinas autorizadas estão se mostrando eficazes contra a maioria dos vírus, destaca o executivo da Ifpma. Exemplifica com estudos que mostram que a versão de duas doses da J&J é 75% eficaz e que a vacina Clover (China) é 67% eficaz contra todas as variantes.

Além disso, mais vacinas estão em desenvolvimento. Segundo o Ifpma, há atualmente oito entre as fases de teste 2 e 3, e 31 na fase de testes clínicos 3. No mês passado, o professor Sai Reddy, da Escola Politécnica Federal de Zurique (EPFZ) e pesquisador do Laboratório de Sistemas e Imunologia Sintética em Basileia (Suíça), mencionou a possibilidade de que surja uma nova variante forte. E sugeriu uma preparação “para várias vacinas nos próximos anos, que podem precisar ser continuamente adaptadas às novas variantes”.

A expectativa é que a produção de vacinas chegue a 12 bilhões de doses neste ano. Nesse ritmo, mesmo que os governos dos países do G-7 decidam vacinar adolescentes e adultos a uma taxa superior a 80% e também as populações em risco, ainda haveria mais de 1,2 bilhão de doses disponíveis para distribuição até o final do ano. Até junho do ano que vem, se não houver grandes estrangulamentos e barreiras comerciais, a produção alcançará mais de 24 bilhões de doses.