40 anos de luta, resistência e conquistas na Mercedes
Celebração reúne gerações para honrar primeira Comissão de Fábrica e reafirma força coletiva que segue guiando conquistas e enfrentamentos

Na manhã do último sábado, 29, a Sede do Sindicato, em São Bernardo, tornou-se um grande espaço de memória compartilhada ao reunir várias gerações para celebrar os 40 anos da primeira Comissão de Fábrica eleita na Mercedes. Entre fotos, abraços e relatos emocionados, a atividade resgatou a trajetória iniciada nos anos 1980, um percurso marcado por coragem, enfrentamentos e construção de um território de direitos e democracia dentro da fábrica.

O presidente do Sindicato, Moisés Selerges, destacou a importância de reconhecer quem abriu esse caminho coletivo. “Pobre do país que não respeita aqueles que vieram antes e construíram o caminho para que a gente pudesse estar aqui. Todos os períodos foram difíceis. Os que vieram antes enfrentaram uma ditadura assassina. Imaginem organizar trabalhadores com medo de serem levados aos porões, torturados, mortos”.
“Tudo o que os mais velhos enfrentaram, como conquistar Comissão, criar partido, resistir à ditadura, foi para construir uma sociedade melhor. E é isso que continuamos fazendo aqui”, completou.

O coordenador da representação na Mercedes, Amarildo Marques de Souza, falou sobre o desafio diário no chão de fábrica. “Acredito que todos os membros têm um peso enorme na nossa trajetória. Estar lá dentro é muito difícil. Fazer debates, enfrentar contradições, buscar diálogo muitas vezes parece quase impossível. Mas, com a base que essa casa dá e com o apoio que recebemos dos trabalhadores e trabalhadoras, a gente se desafia todos os dias”.
Caminhada

Na análise histórica e política, o presidente da CUT, Sérgio Nobre, ressaltou a complexidade de cada etapa. “Só uma construção muito sólida resiste a tudo o que vivemos. Na pré-conquista, enfrentamos a ditadura; depois, vieram a perseguição e as tentativas de impedir a consolidação. Mas vencemos porque houve firmeza e apoio da companheirada”. E alertou para o presente: “A extrema direita espalha ódio entre trabalhadores. Fazer sindicalismo hoje é muito difícil. Por isso, derrotá-la em 2026 é decisivo”.

O ex-dirigente Valter Sanches evocou Paulo Freire ao lembrar que ninguém sabe tudo sozinho: cada um aprende e ensina ao longo da caminhada. A reflexão sintetizou o sentido da celebração, uma luta feita no coletivo, no diálogo e na passagem de bastão entre gerações. “É uma corrida de revezamento. Cada geração entrega o bastão para a próxima. Quando saí da fábrica, passou um filme na cabeça e eu só lembrei das vitórias. Enfrentamos períodos duríssimos e ainda temos muito a enfrentar. Mas seguimos porque aprendemos a ouvir e a construir juntos”.
Homenagem

A memória dos 40 anos ganhou forma na exposição de 64 fotos organizada pelo Sindicato, que também será exibida na montadora. “Temos muitas imagens de luta e foi muito difícil escolher. Mas conseguimos mostrar mobilização, negociação e a luta política que sempre marcou a Comissão de Fábrica”, explicou o ex-dirigente Tarcísio Secoli. A mostra pode ser vista no terceiro andar da Sede do Sindicato.

O deputado federal e ex-presidente do Sindicato, Vicentinho, agradeceu emocionado. “Um dos maiores orgulhos da minha vida é ter sido companheiro dentro da Mercedes. Tudo o que conquistei só foi possível por causa de vocês. É emocionante ver as novas gerações honrando essa história”.
Entre os momentos mais marcantes, a CSE (Comitê Sindical de Empresa) Priscila Rozas propôs um minuto de silêncio pelos companheiros já falecidos, dirigentes ou anônimos, que ajudaram a construir a história celebrada ali. “Sem eles, nenhum de nós seria nada”, disse, emocionando o público.

A celebração dos 40 anos mostrou que a Comissão de Fábrica sempre foi mais que um mecanismo de representação: é a expressão concreta de um projeto coletivo de dignidade. O que começou em meio à repressão hoje se afirma como compromisso diário com justiça, diálogo e coragem para enfrentar novos desafios.
Da greve à democracia no chão de fábrica na Mercedes
Mobilização nos anos 1980 inaugurou um caminho de conquistas contínuas, consolidando representação, identidade coletiva e história que segue viva entre os trabalhadores até hoje
A conquista da primeira Comissão de Fábrica na Mercedes, em São Bernardo, eleita em março de 1985, nasceu da coragem que tomou conta da greve de novembro de 1984. Por três dias, trabalhadores e trabalhadoras cruzaram os braços para exigir abono de emergência, equiparação salarial, suspensão de demissões e o direito de criar um canal legítimo de representação. Em um Brasil que respirava o fim da ditadura e a força das Diretas Já, aquela mobilização virou símbolo de um novo tempo para os Metalúrgicos do ABC.

O início dos anos 1980 foi duro: recessão, salários corroídos e incerteza nas fábricas. Na Campanha Salarial de 1984, a categoria reivindicou 83,3% de reposição, vitória arrancada na pressão. Mas, no final de novembro daquele ano, enquanto a maioria aprovava o acordo, os metalúrgicos na montadora decidiram continuar lutando, e venceram. Em dezembro, o estatuto da Comissão foi definido, consolidando a conquista histórica.

A luta seguiu firme. Em 1989, enfrentaram o Plano Verão e participaram de uma grande ação solidária na manutenção de ônibus da Companhia Municipal de Transportes Coletivos de São Paulo. No início dos anos 1990, resistiram às terceirizações, defenderam correções pelo INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) e ocuparam a Via Anchieta em 1993. No ano seguinte, estiveram em um ato nacional com 80 mil pessoas.
Conquistas
Em 1995, veio um divisor de águas: a Mercedes tornou-se a primeira montadora da base a garantir acordo de PLR (Participação nos Lucros e Resultados). Em 1998, protestos denunciaram a morte de um companheiro e, em 1999, começou a luta pelas 40 horas semanais.
Nos anos 2000, a mobilização ganhou novo fôlego com visitas presidenciais, paralisações e marchas por reajustes e direitos. Entre 2015 e 2016, a categoria protagonizou greves decisivas que barraram demissões em massa, inclusive com acampamento na porta da fábrica.
Luta que segue

A história recente mostra a mesma força: em 2023, a planta recebeu o vice-presidente da República, Geraldo Alckmin; em 2024, trabalhadores aprovaram reajuste de 5,29% e garantiram avanços importantes para mensalistas, como o home office.
Essa trajetória revela que a Comissão de Fábrica na Mercedes não nasceu apenas de uma greve: nasceu do sentimento profundo de pertencimento de quem nunca desistiu. Cada assembleia, enfrentamento e vitória reforçaram a certeza de que trabalhadores e Sindicato construíram um espaço democrático que lhes pertence. A Comissão é mais que uma conquista, é identidade, raiz e memória viva de uma luta que segue pulsando dentro da fábrica.