Carro elétrico avança no país mesmo sem ajuda oficial
Ao final de cada dia, o gerente comercial Koji Shimomae Bara precisa de três tomadas para carregar equipamentos imprescindíveis para o seu trabalho, no dia seguinte: notebook, celular e o carro. Os dois primeiros, obviamente, não causam surpresa a mais ninguém. Mas puxar o fio do carregador do automóvel em plena garagem de um prédio comercial na avenida Paulista sempre atrai olhares curiosos dos vizinhos.
Há seis meses o executivo trafega por São Paulo em um I-Miev, o elétrico da Mitsubishi. O carro pertence à frota da empresa onde ele trabalha. Bara não é, porém, o único a testar a novidade. A Nissan, interessada na venda de modelos movidos a eletricidade, está promovendo uma caravana de test drives pelo país para fazer o brasileiro dirigir o seu modelo Leaf.
Um ano após o governo federal ter desistido de criar um programa de incentivo ao uso do carro elétrico, o assunto continua em debate. Está ainda limitado a ações isoladas. A diferença é que agora, além das montadoras interessadas, começa a aparecer apoio da área acadêmica e de financiamento à pesquisa. A discussão está longe dos gabinetes de Brasília e também da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos (Anfavea), a entidade que representa o setor. Como se esse tipo de veículo fosse algo novo, distante do tradicional ambiente da indústria automotiva.
Não é apenas na garagem do escritório que Bara tem chamado a atenção. Pelo menos três vezes por semana ele vai com o carro elétrico até o aeroporto buscar clientes. “As pessoas na rua dão até tchauzinho”, diz. O público sabe que se trata de um elétrico porque o fabricante faz questão de colocar um grande adesivo na lateral. Bara não tem queixas do carro, que tem autonomia de 160 quilômetros. Ele elogia as “arrancadas” e acostumou-se tanto ao silêncio que o motor do seu carro particular já o perturba. Entre as coisas que não podem faltar hoje no porta-malas: uma extensão de tomada.
Bara trabalha na divisão de comércio exterior da Mitsubishi Corporation. Embora pertença ao mesmo grupo japonês, no Brasil essa empresa não tem nada a ver com a fabricante dos veículos da marca. O escritório onde Bara trabalha comprou o carro em razão do “compromisso de seu fundador com a questão ambiental”.
Vale a pena pagar R$ 200 mil por um compacto que nem é de luxo? As montadoras sabem que não. Por isso, não lançaram esses modelos no país. “Faltam dois passos básicos: regulamentação de tributos e incentivos”, diz o supervisor de engenharia e planejamento da Mitsubishi montadora, Fábio Maggion.
No modelo elétrico incide a mais alta carga tributária dos automóveis vendidos no Brasil. O maior dos impostos é o IPI, de 25%, cobrado em modelos de luxo e na categoria “outros” (que abrange o elétrico). Como esses carros são feitos fora do país, há ainda o Imposto de Importação de 35%.
O Leaf, da Nissan chega por R$ 190 mil. O valor razoável para atrair demanda seria, nos cálculos da Carlos Murilo Moreno, diretor de marketing da Nissan, algo em torno de R$ 60 mil. Na Califórnia, graças a incentivos do governo, o Leaf é vendido por US$ 22 mil.
É consenso entre os envolvidos no tema que as cidades também precisam ser preparadas. Moreno lembra que em Paris e Londres já há vagas nas ruas com pontos de recarga. Além disso, já estão sendo feitos nesses países acordos entre as distribuidoras de energia, a exemplo do que fazem as operadores de telefonia celular quando há deslocamento de área.
A Nissan tem acordo de intenção com a Eletropaulo. “Estamos analisando leis e impacto de uma frota elétrica”, diz Moreno. Nissan e Mitsubishi têm apresentado seus modelos para autoridades em diversos Estados. E a Nissan seguirá com os test drives até maio.
Até 2010, o governo federal tinha uma comissão para o programa do carro elétrico, ligada à Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda. Mas o fórum não está mais ativo, informa o governo. Na Anfavea também não há nenhum grupo de trabalho com esse objetivo. Fontes do setor confirmam que não há consenso sobre o tema entre as montadoras.
Um dos mais fortes argumentos dos que não querem ver no Brasil tecnologia já disponível no Japão, EUA, Inglaterra, França, Portugal e Israel, é que o país tem o etanol como alternativa. “É engano imaginar que o etanol seria prejudicado”, diz James Wright, coordenador do Profuturo, programa de estudos da FIA (Fundação Instituto de Administração), que analisa a viabilidade e desenvolvimento da frota de elétricos. O programa conta com engenheiros, administradores, físicos e economistas da área acadêmica e tem apoio do CNPq. Para Wright, o elétrico serviria a um nicho de mercado, como solução para grandes centros urbanos.
“O Brasil deveria ser o primeiro a adotar essa solução porque é altamente urbanizado, com problemas de congestionamento e poluição em muitas cidades”, afirma. Ele sugere, ainda, envolver as motocicletas elétricas, como fez a China, que proíbe motos movidas a combustão em centros urbanos.
Wright considera que um projeto assim pode ser “a oportunidade de o país criar uma indústria genuinamente brasileira”. O professor da Fia refere-se às ações já em curso para o financiamento de tecnologia para motores e baterias, peças-chave nesse tipo de veículo. Ele sugere até adotar novas culturas de transporte, como o uso urbano de aluguel, por meio do qual o mesmo carro seria compartilhado por mais de um motorista.
Boa parte dos acordos para o financiamento à pesquisa do veículo elétrico é sigilosa. A Finep – Financiadora de Estudos e Projetos -, vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, também se envolveu. Mas seu objetivo maior é apoiar projetos para o transporte público. Segundo o secretário de energia e biocombustíveis da Finep, Laércio de Sequeira, foram feitas reuniões com consórcios de empresas de ônibus. “Podemos começar com testes piloto. O envolvimento será imperativo diante da questão ambiental.” Mas, como ele mesmo diz, o mais difícil “será fazer o casamento do que já está acontecendo”.
Do Valor Econômico