O que é e o que quer a Chery brasileira

As centenas de convidados que compareceram à cerimônia de assentamento de pedra fundamental da unidade Chery em Jacareí, SP, foram recepcionadas por larga comunicação visual que trazia o logo da empresa sobre a frase: Chery, Agora Brasileira!. Tal estampa repetiu-se largamente por toda área do evento, inclusive em três grandes balões postados na área em que será erguida a fábrica.

Porém boa parte destes convidados, especialmente os ligados a fornecedores e entidades, deixaram Jacareí com certa dúvida: até que ponto a Chery é, de fato, Agora Brasileira?

Isso porque o evento, apesar de sem dúvida prestigiado e organizado, deixou mais incertezas do que exatamente dados concretos. A única impressão que pareceu de fato clara é que a Chery está, no Brasil, em processo muito mais embrionário do que se poderia supor antes desta cerimônia.

Cabe comparação com iniciativa contemporânea, a da Hyundai, deste fevereiro. A fabricante sul-coreana também promoveu cerimônia de assentamento de pedra fundamental no Interior paulista, mas com as obras em estágio avançado. E com seus executivos da matriz afirmando claramente: vamos fabricar 150 mil/ano, depois 300 mil/ano, queremos ser a quarta do mercado. E ponto. Pode até parecer plano megalômano, mas é um plano estabelecido.

No caso da Chery havia ao redor da área do evento nada além de mato. Duas escavadeiras faziam papel cenográfico e os três balões compunham visual. E só. O contrato de doação do terreno foi assinado durante a cerimônia.

Talvez exatamente por isso as afirmações dos executivos chineses pareçam confusas – típicas de algo ainda em gestação, em planejamento. Bom exemplo: em uma mesma coletiva de imprensa Yin Tongyue, presidente da operação automotiva da Chery, afirmou que a unidade terá produção de 150 mil unidades/ano enquanto Luis Curi, CEO da operação brasileira, dizia que serão 170 mil/ano. Depois Curi atribuiu a diferença a “ajuste de capacidade de produção quando a unidade estiver em operação”.

Tongyue inicialmente afirmou que fornecedores chineses se instalariam ali para fornecer à Chery, cerca de vinte. Depois, disse que “estudaria para compreender a viabilidade”: procuraria fornecedores nacionais próximos à região da fábrica e só indicaria vinda de chineses caso não exista produção local daquela peça. “Se tiver, digo para não vir.” Parece improvável, entretanto, que a empresa de Tongyue não consiga encontrar seja qual parte ou sistema for no maior parque produtor de autopeças do País, o Interior paulista e suas adjacências, ainda mais para linhas de veículos de pouca sofisticação tecnológica. Teria o executivo chinês, então, certo desconhecimento da realidade da indústria automotiva brasileira?

Há mais dúvidas. De acordo com os executivos o primeiro estágio da fábrica, setembro de 2013, prevê produção de 50 mil unidades/ano com apenas 30% de índice de nacionalização – o que, na prática, significaria um processo de montagem SKD e não de produção. Em segundo estágio, 2015, o índice chegaria apenas a 50%, diz Tongyue. Como as regras do Mercosul exigem nacionalização de pelo menos 60%, estes Chery Made in Jacareí pagariam em 2015 tanto imposto de importação para chegar à Argentina, por exemplo, quanto os Made in China.

A última dúvida refere-se à linha de produtos. De acordo com a Chery serão produzidas na segunda fase em Jacareí “duas plataformas que darão origem a dois modelos cada, ou seja, quatro modelos”. Conta arriscada: seriam apenas e no máximo 170 mil unidades/ano para duas plataformas, ou, em cálculo simples, 85 mil unidades/ano por plataforma. É índice baixíssimo perante a média global e que vai, em tese, contra a fórmula de rentabilidade das fabricantes: a maior parte dos executivos do setor indica que uma fábrica deve produzir pelo menos 200 mil unidades/ano de uma única plataforma para tornar-se viável.

Tudo isso aumentou a aflição dos fornecedores que gostariam de constar da lista das empresas que entregam produtos à Chery brasileira – e não eram exatamente poucos os presentes à cerimônia em Jacareí. Mas nem mesmo o esperado Chery Day, prometido pela empresa junto ao Sindipeças, tem data prevista para acontecer. Curi argumenta que “a prioridade agora é iniciar a construção da fábrica”.

A fala do executivo, que prometeu ainda filiar a Chery à Anfavea em mais dois anos, mostra bem o estágio da empresa aqui: falta, apenas, construir tudo. O que vier depois é a conferir, senhoras e senhores.

Da Autodata (Crédito do vídeo: Jornal da Band / TV Bandeirantes)