Montadoras apostam em carros mais leves para reconquistar consumidor

Com crise, clientes passaram a priorizar carros mais baratos e econômicos. Novo Fiat Uno entra na geração de modelos com materiais alternativos.

A crise econômica mundial trouxe à indústria automobilística um duplo desafio, o de manter o lucro mesmo com as vendas em queda e o de resgatar antigos clientes, perdidos com a reviravolta da economia global. No pós-crise, é consenso entre as montadoras que os clientes passaram a priorizar carros mais baratos na hora da compra e mais econômicos na hora de abastecer. Para as fabricantes, a saída está na redução do peso dos automóveis, que começam a receber materiais mais leves.

A necessidade de desenvolver carros economicamente viáveis e ambientalmente atrativos dominou os debates do seminário organizado pela Sociedade de Engenheiros da Mobilidade (SAE Brasil), em São Paulo, nesta semana. A conclusão dos especialistas é que, para se adaptar às novas exigências do mercado e às necessidades dos projetos de engenharia, a grande mudança nos carros começará pela troca de materiais – alterações que também atingirão os carros híbridos e elétricos, que sofrem sobrecarga com o peso das baterias.

Não por acaso, hoje fazem parte das linhas de produção matérias-primas que há pouco tempo eram raras: fibras naturais, plásticos e borrachas produzidas por meio de nanotecnologia, alumínio no lugar do aço, adesivos em substituição a soldas, além de cada vez mais compostos reciclados.

No topo da lista de novos recursos está a nanotecnologia (manipulação da matéria em dimensões de 1 a 100 nanômetros), que abre um leque extenso no setor automobilístico, do estofado do carro à limpeza do ar-condicionado. No quesito “peso”, a principal ajuda da revolucionária ciência está nos plásticos. A espessura do pára-choque, por exemplo, pode ser reduzida de 4 mm para até 1,8 mm. Apesar da mudança milimétrica, de acordo com o gerente de engenharia avançada e de materiais da Plascar, Marcio Tiraboschi, a redução de peso é significativa e o custo com materiais diminui bastante.

E quem questiona se a alteração da espessura afetará a qualidade do plástico, a nanotecnologia também traz a resposta. O plástico é manipulado com nanopartículas de argila, que aumentam em até 45% a resistência das peças, inclusive a riscos. Devido a essa propriedade, o “novo” plástico tem sido aplicado no acabamento interno do veículo, como em painéis e consoles. Outra vantagem, é que a alteração garante aspecto mais refinado ao material.

Os pneus ganham papel fundamental na redução do consumo. Com recursos da nanotecnologia é possível diminuir o peso dos pneus e possibilitar menor resistência aos rolamentos, o que também colabora com a economia de combustível. É esse pneu mais “leve” que equipa o Novo Uno, da Fiat.

A inovação na larga aplicação de materiais feitos a partir da borracha e do plástico reduziu o seu peso. O Uno tem 895 kg, sendo que um automóvel médio pesa 1.200 kg. Com a ajuda de alterações também no motor, o modelo chega a fazer 15 km/l de combustível em trechos urbanos e 20 km/l na estrada, de acordo com a fabricante. “É um conjunto de elementos. Estudamos mais para frente a aplicação de fibras naturais nos painéis, entre outras tecnologias”, afirma o gerente de engenharia da Fiat Automóveis, Robson Cotta.

Paralelo à nanotecnologia, o uso de materiais verdes têm conquistado espaço nos centros de desenvolvimento de produtos das fabricantes de autopeças. A nova tendência é reduzir a dependência em relação ao petróleo como matéria-prima e partir para recursos “mais verdes”, como o óleo de mamona e as fibras de cana e sisal. Plástico reciclado, como o de garrafa PET, já é transformado em teto para carros. A pintura também pode se tornar menos poluente com o uso de solventes naturais, derivados da cana-de-açúcar.

Solventes naturais, fibra de sisal, materiais reciclados e “bioplásticos” são as principais apostas do grupo PSA Peugeot Citroën. De acordo com o diretor de engenharia industrial e técnica do grupo PSA no Brasil e Mercosul, Luis Zamora, a meta da companhia para 2011 é ter 20% de seus carros composto por materiais verdes. A porcentagem deve passar para 30% em 2015. “O Peugeot 208 terá 35 kg de materiais verdes. Hoje, nosso carro mais ecológico tem 15 kg. É uma tendência”, ressalta Zamora.

Apesar de todos esses materiais substituírem cada vez mais os metais, o carro continuará sendo feito, principalmente, de aço. Por isso, a espessura da lataria começa a diminuir para ajudar na redução de peso. Novas ligas de aço e o maior uso do alumínio, especialmente no cabeçote dos motores, também são alternativas já adotadas por muitas fabricantes, inclusive no Brasil. No caso do alumínio, embora mais leve, ainda é um material caro. Por esse motivo, o uso do metal em maior escala será somente nos carros de luxo. Nos outros segmentos, o material deverá substituir o ferro fundido no cabeçote dos motores.

Outra solução para tornar os veículos mais leves é a substituição dos pontos de solda na carroceria pelos chamados adesivos estruturais de epóxi. Com a mesma propriedade da solda, eles colam as partes de aço ou alumínio, mas não agregam peso ao conjunto. “Outra propriedade positiva do produto é a alta resistência a impactos. Os adesivos também têm custo menor”, afirma o gerente de indústria da Dow Automotive Systems, Pedro de Lima.

Fabricantes reclamam da ausência de incentivos para viabilizar a pareceria com centros de pesquisa e universidadesApesar da nova onda tecnológica e de o Brasil ter matéria-prima suficiente para inovar neste campo de materiais alternativos, o país ainda sofre com as barreiras de falta de escala de produção – que barateariam custos com novas tecnologias – e pouco investimentos em pesquisa. O que as fabricantes mais reclamam é da ausência de incentivos para viabilizar a pareceria com centros de pesquisa e universidades.

Um exemplo da dificuldade do acesso a recursos, em 2008, o governo brasileiro disponibilizou R$ 70 milhões em crédito para pesquisas na área de nanotecnologia. Em 2009, o valor investido caiu para o patamar de R$ 40 milhões, de acordo com o coordenador geral de micro e nanotecnologia do Ministério da Ciência e Tecnologia, Mário Baibich. A redução da verba foi justificada pela crise mundial, a mesma que, mais tarde, virou argumento para mais investimento tecnológico no resto do mundo.

Da redação com G1