“Podemos lucrar e crescer no Brasil. Vamos manter os recursos aqui”

Presidente da GM vem ao Brasil para anunciar novos planos e diz que a filial brasileira vai reinvestir os dividendos no País

No comando da General Motors há apenas sete meses, Fritz Henderson, escolhido para comandar o processo de reestruturação da empresa no período pré e pós concordata, viu a empresa onde atua há 25 anos fechar seis fábricas e demitir 18 mil trabalhadores somente este ano na América do Norte. Ele admite que o gigantismo da companhia, exaltado em décadas passadas, não trouxe resultados positivos, principalmente em meio à crise que afeta os Estados Unidos. Presidente da filial brasileira entre 1997 e 2000, Henderson repete que o “Brasil foi um bom professor” e promete novidades para a filial em novembro, quando visitará o País. Ele afirmou que a empresa vai continuar mantendo no País os lucros obtidos com a operação local, para investir no País. “Estamos investindo pesadamente. Podemos lucrar e crescer no Brasil, por isso vamos manter os recursos aí”, disse. De Nova York, onde participava de uma reunião com executivos de finanças do grupo, Henderson conversou com o Estado na terça-feira, por telefone. Disse que a nova GM já não se importa com a perda do título de número um do mundo automotivo. “O importante é ter resultados, fluxo de caixa e boa participação no mercado.” A seguir, os principais trechos da entrevista:

Como o sr. vê a filial brasileira dentro da nova GM?

Nossas operações brasileiras este ano estão bem, os resultados estão melhorando. Estamos investindo pesadamente. O mercado até o momento está razoável. Temos confiança no Brasil e as condições são boas para investir em produtos, na marca, em aumento de capacidade produtiva, como estamos fazendo na fábrica de Gravataí (RS). Já lançamos o Agile e temos uma previsão muito boa para o mercado.

Até quando a filial brasileira está liberada de enviar dividendos para a matriz para poder reinvestir no próprio negócio?

Temos recursos suficientes para investir aqui (EUA), e queremos focar nossos recursos obtidos no Brasil no próprio País. Podemos lucrar e crescer no Brasil, por isso vamos manter os recursos aí. Não há prazo para mudar essa política.

Qual o próximo projeto para a GM brasileira?

Em novembro estarei no Brasil e vou falar sobre nossos planos futuros para o País

Como é presidir uma empresa que há até pouco tempo era a maior montadora de veículos do mundo e hoje, muito menor, está nas mãos do governo americano e luta para sobreviver?

Foi um processo difícil para nossos investidores, credores, funcionários, aposentados, concessionárias, para as marcas fechadas. Foi muito difícil para todos, mas necessário para fazer a reestruturação das operações.

Para onde caminha a GM hoje?

Gostaria de falar sobre três pontos: custos, endividamento/balanço financeiro e vendas. Sobre custos, estamos trabalhando de acordo com nosso plano de reestruturação das operações norte-americanas e estamos alcançando os resultados previstos. Sobre endividamento, fizemos muito durante a concordata e já temos reservas necessárias. O mais importante é nosso plano de vendas daqui para frente. Vamos focar todos os nossos esforços nas quatro marcas mantidas na nova GM – Chevrolet, Cadillac, Buick e GMC. Estamos lançando novos produtos em cada uma dessas marcas. Estamos investindo pesadamente em propaganda para dar novo enfoque e fortalecer nossas marcas. Para vencer no futuro, precisamos de um equilíbrio nos três pontos e em breve vamos falar do que já avançamos.

O que ainda falta fazer para escapar de vez de seguidos prejuízos?

Vamos falar sobre nossos resultados em novembro, quando divulgaremos o balanço do terceiro trimestre. Hoje não posso falar, só quando tivermos os números.

Serão números bons?

Não posso falar.

Com a venda ou fechamento de quatro marcas (Hummer, Pontiac, Saab e Saturn) e o fechamento de fábricas, será difícil voltar a ser a número um no mundo. O grupo já aceitou essa nova realidade?

Essa questão realmente não é muito importante. Nossos resultados foram terríveis em termos de lucro, prejuízos, nível de endividamento. Ainda hoje somos uma montadora global e temos muitas oportunidades futuras. Ser número um não é tão importante para mim. O importante é ter resultados, fluxo de caixa e, claro, boa participação no mercado.

Como está a questão da venda da Opel?

Esperamos assinar o acordo em breve, mas a conclusão do negócio só deve ocorrer no fim de novembro ou dezembro, pois precisamos fazer algumas revisões com a União Europeia sobre questões de competição e ajuda pública.

O que implicará para a GM se o acordo não for assinado?

Temos outro plano, mas temos confiança de que vamos fechar o acordo com a Magna (fabricante canadense de autopeças). Mas estamos prontos para enfrentar alternativas, embora não acreditamos que será necessário.

O outro plano é ficar com a Opel?

Se precisarmos ficar, trabalharemos muito para fazer uma reestruturação das operações e mantê-la competitiva.

Como o sr. vê o mercado hoje?

O mercado este ano nos EUA será de 10,5 milhões de veículos, nível equivalente ao do período da Segunda Guerra, de depressão. Para o ano que vem, a previsão é de 11,5 milhões de unidades. É maior que a deste ano, mas, ainda assim, horrível. A recuperação do consumo está ocorrendo, mas devagar. Este ano, as empresas diminuíram os estoques em 500 mil unidades nos EUA. Significa que a produção é muito menor do que as vendas. Fora dos EUA, vejo a Europa ainda fraca, mas mercados como China, Brasil, outros países da América Latina e Índia estão crescendo. Este ano, a China vai atingir um mercado de 12 milhões de veículos, maior que os EUA, pela primeira vez na história. Em minha previsão inicial, isso só ocorreria daqui a dez anos.

Qual será a participação da GM nesse novo mercado?

Nos EUA, este ano, devemos fechar com mais ou menos 20% de participação, ou um pouco menos, 19,8% talvez. Essa posição ainda é relativamente forte. Precisamos focar nossos recursos nas quatro marcas do grupo, o que será muito mais simples do que cuidar de oito marcas. Vamos focar esforços em produto, investimentos, engenharia e propaganda para reconstruir nossos negócios. Fora dos EUA, temos posição boa na China, na América Latina e em outros mercados emergentes. Em termos de Europa, ainda teremos participação de 35% na Opel e a Magna e o Sberbank serão nossos parceiros no negócio. Também vamos crescer com a Chevrolet na Europa.

Foi um erro ter várias marcas, ser tão grande, no passado recente?

Talvez num mercado de 17 milhões de veículos, não. Mas num mercado de 10 milhões, 11 milhões de veículos, é impossível. Nos EUA tínhamos marcas excessivas, mas em outros mercados, não. No Brasil, por exemplo, temos uma marca, a Chevrolet. Na China temos a Buick, Chevrolet, Cadillac e comerciais leves (GMC).

Quando o governo americano iniciará a venda da participação que tem nas ações da GM?

Não há previsão específica. Ainda precisamos passar por vários processos para preparar a companhia para uma abertura de capital (IPO). Primeiro, precisamos obter resultados e adequar nossas normas contábeis. Minha previsão é de que na segunda metade de 2010 vamos estar preparados para o IPO. Temos quatro grupos (governos dos EUA e do Canadá, o fundo Veba e investidores) e todos querem vender parte de suas ações. Acho que o governo dos EUA não fará o processo de uma vez só, mas em um prazo de três ou quatro anos, pois quer obter retorno de sua ações e será muito cuidadoso.

O sr., o Rick Wagoner (ex-presidente) e Ray Young (chefe de finanças) ganharam posições importantes na GM depois de presidirem a filial brasileira. Sempre foi dito que o Brasil foi uma espécie de escola para os srs. Hoje, é possível avaliar se houve falhas nesse processo de aprendizagem?

O Wagoner teve de deixar a companhia e há boatos na imprensa de que Young também pode sair.

O Brasil é um bom professor. Os anos de 2008 e 2009 aqui nos EUA foram muito difíceis. Temos experiência em enfrentar crises, mas aqui a crise é cinco ou seis vezes maior que em outras partes. Mas temos experiência para refazer nossos planos, determinar ações, enfrentar a crise. Para mim, as aulas do Brasil ainda são importantes e relevantes.

O Ray Young deixará a empresa?

Não. Ele está trabalhando muito e é muito importante para nós. São só rumores.

O sr. certamente sofre pressões para encontrar uma saída favorável para a GM. Como é lidar com isso diariamente?

É difícil. Este ano tive dois dias de férias. Foi um ano complicado. Mas minha família me dá muito apoio. Ontem (segunda-feira) fui jantar com minha filha mais velha que estuda na Universidade de Nova York. A gente tem de manter o equilíbrio nessas situações, porque a pressão é grande. Mas temos uma equipe boa e temos um novo board que está trabalhando comigo. Para driblar um pouco, faço exercícios físicos e fico com minha família.

Do O Estado de S.Paulo