CUT fortalece questão trabalhista na Marcha da Consciência Negra em SP

Central defende convenções 100 e 111 da OIT, igualdade racial e pede fim do extermínio da juventude negra nas periferias

A X Marcha da Consciência Negra, com o tema “Por um Brasil sem racismo: A juventude quer viver”, ocupou a região da Avenida Paulista e Rua da Consolação, nesta quarta-feira, 20 de novembro, com palavras de ordem e discursos sobre políticas públicas para igualdade racial.

Seguindo para o Vale do Anhangabaú, o evento reuniu a CUT e outras centrais sindicais, movimentos populares, organizações civis, estudantes e a população em geral. “A CUT se soma ao conjunto do movimento negro no Brasil, reforçando a luta que é de todos nós”, afirmou Maria Júlia Reis Nogueira, secretária nacional de Combate ao Racismo da CUT. A juventude, para a dirigente, precisa de atenção especial do poder público. E, para isso, é importante enfrentar os setores conservadores da sociedade, que não tem isso como primeira pauta.

“Os setores conservadores desse país ainda se mantêm fortes quando o assunto é população negra. Podemos demonstrar isso, por exemplo, pelo ato do Banco Central, que obriga os seus funcionários a trabalhar em um dia considerado feriado na cidade de São Paulo, desrespeitando uma conquista do movimento. É por isso que precisamos nos unir e continuar mobilizando para a luta”, complementou a dirigente.

Conquistas são muitas, mas não bastam

Citando os avanços conquistados na última década, como a política de cotas raciais em Universidades Federais, a proposta de cotas no serviço público federal e a Lei 10.639, Maria Júlia destacou a importância da militância se manter em alerta. “Temos muito o que comemorar, mas não podemos baixar a guarda. Porque os reacionários desse país não querem avanços para a população negra e tentarão usurpar mais uma vez nossos direitos. E isso nós não podemos permitir”.

A opinião de Flávio Jorge, membro da executiva da Coordenação Nacional de Entidades Negras (CONEN), dialoga com a de Maria Júlia. Citando a política de saúde para a população negra, o Estatuto de Igualdade Racial e a criação da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Jorge afirma que isto não basta. “Quando você cria consciência, você estimula a querer mais. Os quase um milhão de jovens negros e negras que têm acesso à educação em nosso país, por meio do PROUNI, por exemplo, agora não querem que seus amigos da periferia morram. Lutam por melhores vidas não apenas para eles, mas para todos”, declarou.

O servidor público Cícero Almeida foi à marcha com sua esposa, Paula, e o filho de dois anos, Davi, como forma de ampliar a discussão na família e inserir desde cedo a criança em atividades que valorizem a igualdade. Para ele, a grande conquista é a construção de uma geração que quebre o ciclo de preconceitos estabelecidos historicamente. “Tenho um sobrinho com três anos”, contou Almeida. “Uma vez o levei em uma atividade desse tipo e ele me falou: ‘Tio, por que aquela pessoa tá pintada de preto?’. Ele não tinha tido contato com o diferente. Para mim, quanto mais cedo você coloca a nova geração entendendo as diferenças, mais você quebra o preconceito na sociedade”, explicou.

Mundo do trabalho

As centrais sindicais tiveram ala especial para simbolizar questões trabalhistas. Para Rosana da Silva, secretária de Combate ao Racismo da CUT SP, a CUT é fundamental na promoção de lutas pela igualdade racial no trabalho.

Entre as pautas defendidas pela Central, estão o respeito à convenção 100 da OIT (que trata da igualdade de condições de trabalho e salários entre homens e mulheres) e à convenção 111 (pelo combate à discriminação racial no ambiente de trabalho), além da formação do mercado de trabalho para receber a população negra. “Precisamos formar recursos humanos, formar empresas para receber o negro sem racismo. Assim vamos mudar esse mercado, que é racista. Esse é o papel da CUT”, destacou, lembrando que o racismo é enraizado de tal forma que também se torna urgente a luta pela democratização da comunicação e pela qualidade da Educação. “Nós temos a questão da visibilidade negra. Nossos jovens precisam criar uma identidade do que é ser negro”, pontua.

A diretora executiva do Instituto Sindical Interamericano pela Igualdade Racial (Inspir), Jana Silverman, considerou “importantíssima” a mobilização, principalmente por ser realizada em uma data histórica para o País.  E constatou que muitos dos problemas relacionados a negros e mercado de trabalho são internacionais. “Me lembra muito o que temos em meu país [Estados Unidos]. Lá, os negros também estão nos trabalhos mais precários, com os piores salários, concentram os maiores taxas de desemprego e mais subemprego. É uma desigualdade histórica e internacional”, detalhou a diretora. Para ela, a solução é mobilizar e conscientizar a população sobre a temática. Somente com pressão popular a situação pode ser melhorada.

A questão da mulher negra no ambiente de trabalho também é importante na discussão do movimento. Rosana Sousa de Deus, diretora executiva da CUT Nacional, lembrou que, além  dos problemas de remuneração, ainda há o sexismo. “A mulher negra no Brasil ainda ganha os menores salários e estão nos trabalhos mais precários. Inclusive, sofre abusos sexuais, pela imagem da mulher negra que é vendida pela mídia, tanto internamente como no exterior. É uma luta modificar a imagem que a mulher negra brasileira tem no mundo”.

Ocupação de espaço público

Sandra Mariano, da Coordenação Nacional de Entidades Negras (CONEN), lembrou que por dois anos a marcha não esteve na Avenida Paulista. “Voltamos para a Paulista nesse décimo ano de marcha, e queremos dialogar com a sociedade sobre a juventude. Chega de genocídio da juventude negra”.

 Para Paulo Cayres, presidente da Confederação Nacional dos Metalúrgicos, a ocupação de espaços públicos é natural e deve ser cada vez mais incentivada. “De fato, o negro está ocupando seu espaço de direto. Esse ato em que estamos é a reafirmação dos seus direitos”, afirmou.

Entre as reafirmações do direito da população negra, a diretora da APEOESP e coordenadora do Coletivo Nacional de Combate ao Racismo da CNTE, Anatalina Lourenço, destacou o que seria a principal pauta da população negra no momento: o extermínio da juventude negra. “Sempre trazemos questões sobre Educação, que são fundamentais. Este ano, o tema é muito forte: o extermínio da juventude negra, que está sofrendo os maiores ataques nas regiões mais pobres. Não é só o movimento que está dizendo. É a ONU, a Unesco, o governo brasileiro, quando institui o projeto Juventude Viva. É a realidade”, declarou.

Juliane Cintra, militante da área da Educação, concorda com o destaque dado ao extermínio da juventude nas periferias. Para ela, um aspecto fundamental no fato de haver mobilização é o estímulo à abertura de debate com a sociedade. “Percebi que estão tendo mobilizações na periferia também, acho que o momento é muito rico. E a grande pauta, hoje, é o extermínio da juventude negra na periferia. Não tem como negar, o assunto está dado”, declarou.

Segundo o 4º Boletim de Análise Político-Institucional (Bapi), do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), divulgado em outubro, um jovem negro tem 3,7 vezes mais chances de ser vítima de homicídio do que um não-negro. Ainda segundo o estudo, a expectativa de vida de um brasileiro negro é menor que a de um branco.

 Anatalina questionou os discursos dos que afirmam que os negros deveriam mudar o nome da marcha para algo mais genérico, para abranger “toda a humanidade”. “Digo e reafirmo que essa marcha é negra. Racismo é inerente ao capitalismo? Sim. Mas vai mais além. A classe trabalhadora tem cor e diferença de remuneração. E é só pegar a pesquisa do Dieese, que não nos deixa mentir”. Segundo a pesquisa citada pela coordenadora, a região metropolitana menos desigual em relação a salários é a de Fortaleza, onde negros recebem até 75,66% do salário de não negros. Na região metropolitana de Salvador está a maior disparidade: negros recebem, em média, 59,86% do que os não negros.

Pano rápido pelo caminho

Política

A Polícia Militar acompanhava a marcha, formando um corredor que tinha seu centro ocupado pelos militantes. Os presentes se manifestaram contra a presença da polícia. “Nos atacam na periferia e dizem que vem nos proteger na Paulista?”, questionou um jovem.

Para Rosana Sousa de Deus, diretora executiva da CUT Nacional, a forma como a polícia estava organizada é simbólica. “Somos negros, simbolizamos o estereótipo da periferia. Por isso aliam a imagem a um perigo iminente. A forma de organização deles nessa marcha, diferente de como é em outras manifestações, é simbólica”, declarou.

Após negociação das lideranças da marcha com os militares, a polícia aceitou se retirar e se reservou à função de parar o trânsito para a passagem do movimento.

Solidariedade

Um trabalhador derrubou o isopor em que carregava água e outras bebidas em meio à manifestação. A marcha parou e os militantes ajudaram a recolher tudo. “Ainda bem que o pessoal ajudou o trabalhador. Se fosse em outras manifestações, teria gente correndo com a bebida”, afirmou o vendedor.

Mídia

As redes de televisão que cobriam a marcha durante a caminhada ouviram reclamações de um grupo de manifestantes que repetia em coro: “Cadê a repórter preta? Cadê o fotógrafo preto?”

Da CUT Nacional