Indústria reduz estoques, mas ajuste ainda não terminou
Passo fundamental para que a indústria volte a crescer com mais força, o processo de redução de estoques se arrasta desde o segundo semestre do ano passado, e ainda não está claro se chegou ao fim. Números da Fundação Getulio Vargas (FGV) indicam que a maior parte dos 14 setores da indústria de transformação pesquisados terminou março com estoques ajustados, uma situação que vem desde janeiro – têxteis, produtos farmacêuticos e veterinários e mobiliário são as principais exceções.
Já a sondagem da Confederação Nacional da Indústria (CNI) retrata uma indústria ainda muito estocada – de 28 setores da indústria de transformação, 17 ainda mostravam estoques acima do planejado em fevereiro, apenas 2 a menos do que os 19 nesta situação em janeiro. Para completar, os inventários do setor automobilístico – que têm dados quantitativos – voltaram a subir em março.
O coordenador de sondagens conjunturais da FGV, Aloisio Campelo, acredita que os estoques não são mais obstáculo à melhora da confiança dos empresários e, por tabela, da recuperação da produção da indústria. Segundo ele, a redução dos inventários tem contribuído para o maior otimismo no setor, havendo uma grande correlação inversa entre estoques e nível de confiança – quando há acúmulo de inventários indesejados, a confiança cai, e vice-versa.
Para Campelo, a melhora da confiança tem sido modesta, porque a demanda externa segue se enfraquecendo, ao mesmo tempo que a demanda interna se recuperou apenas moderadamente.
Em setembro de 2011, o nível de empresas que relatavam estoques excessivos na indústria de transformação era de 10,2%, enquanto 2,2% tinham inventários insuficientes. No terceiro trimestre, vários setores estavam bastante estocados, como metalurgia, material de transporte (onde se encontra o setor de veículos automotores), têxtil, calçados, vestuário, produtos alimentares, produtos de matérias plásticas e celulose e papel.
Naquele momento, a demanda teve uma desaceleração expressiva, ficando abaixo das estimativas dos empresários. O consumo das famílias recuou 0,1% sobre o trimestre anterior, feito o ajuste sazonal, enquanto o investimento caiu 0,4%. O efeito defasado do ciclo de alta dos juros iniciado em janeiro e das medidas de restrição ao crédito adotadas desde o fim de 2010 segurou a atividade econômica, que também sentiu o impacto da deterioração do cenário externo, com incerteza crescente sobre o futuro da zona do euro. Para Campelo, além da demanda mais fraca, a forte concorrência dos produtos importados roubou espaço da produção local, colaborando para a formação de estoques excessivos.
Com isso, as empresas desaceleraram a produção, para escoar os produtos em excesso. Pela sondagem da FGV, o quadro já está bem mais ajustado desde o começo deste ano. Em março, 5,3% das empresas da indústria de transformação informavam estoques indesejados e 1,8%, insuficientes.
O pior resultado é do setor têxtil, com 27,3% das companhias se queixando de inventários excessivos e apenas 2,3% informando que eles estavam abaixo do esperado. Além disso, os segmentos de produtos farmacêuticos e veterinários e o de mobiliário mostram um quadro não muito favorável. A prévia da sondagem industrial de abril indicou nova redução de estoques excessivos, diz Campelo, embora sem detalhar os números.
Já a sondagem da CNI traz um quadro mais desalentador, ainda que os últimos números se refiram a fevereiro. O gerente-executivo de pesquisa e competitividade da CNI, Renato da Fonseca, acredita que o ajuste de estoques deve se encerrar apenas no segundo trimestre, retardando a recuperação mais firme da indústria. Em fevereiro, o indicador de estoques da CNI para a indústria geral estava em 52,1 pontos – acima de 50, a leitura é de que os estoques estão acima do planejado. Dos 28 setores da indústria de transformação pesquisados, 17 ainda informam que os estoques superam o desejado, entre eles máquinas e equipamentos, com o indicador a 54,4 pontos, calçados (56,9), celulose e papel (56,8), química (52) e veículos automotores (54,4).
Para Fonseca, o ajuste demora porque a indústria enfrenta a concorrência do importado e também de serviços. Segundo ele, pessoas que compraram bens duráveis nos últimos anos estão mais endividadas e com menos apetite para comprar esses bens, usando uma parcela maior dos recursos que sobram para consumir mais serviços.
Para o economista-chefe da LCA Consultores, Bráulio Borges, o fato de as pesquisas da FGV e da CNI serem qualitativas, retratando a avaliação dos empresários sobre se os estoques superam ou não o planejado, explica a discrepância. Como não refletem dados quantitativos, surge espaço para essas divergências. O universo de empresas consultadas também varia. Borges acredita que o processo de ajuste de estoques ainda não terminou, sendo afetado por uma demanda externa fraca, que prejudica as exportações, e pelo fato de que o nível de endividamento do brasileiro está em níveis historicamente altos, diminuindo a disposição do consumidor para novas compras.
O economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, também avalia que uma parcela razoável da indústria ainda está mais estocada do que gostaria. A situação deve estar resolvida apenas no segundo semestre, diz ele. Para Vale, os problemas de competitividade do setor, que tem dificuldades para exportar e para concorrer com o importado no mercado interno, num cenário de câmbio valorizado, tornam complicado o ajuste de estoques, atrasando a retomada da produção a um ritmo mais forte.
Os números da Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) também indicam um quadro pouco favorável. Depois de caírem de quase 400 mil unidades, em agosto de 2011, para 313,5 mil em fevereiro deste ano, os inventários voltaram a subir em março, para pouco menos de 350 mil, o equivalente a 35 dias de vendas, bem mais que a média de 22 dias, registrada nos três anos anteriores. A combinação de produção forte e vendas fracas elevou os veículos nos pátios. Para o primeiro trimestre, a alta da indústria estimada pelos analistas é de algo próximo a 0,5% sobre o trimestre anterior, feito o ajuste sazonal.
Nesse quadro, a expectativa é que a retomada da indústria seja mais firme no segundo semestre, quando o impacto do ciclo de queda dos juros iniciado em agosto do ano passado será mais intenso. Além disso, já estará em vigor a desoneração da contribuição previdenciária de mais 15 setores, que será substituída por uma alíquota sobre o faturamento – e, até lá, espera-se que os estoques estejam definitivamente ajustados.
Do Valor Econômico