Indústria acumula estoques indesejados
A indústria começou o segundo semestre com estoques elevados – e, em alguns casos, crescentes, como no setor automobilístico. O acúmulo de inventários indesejados é mais um fator a apontar para um desempenho fraco da atividade industrial nos próximos meses, que já sofre com a feroz concorrência do importado e com a dificuldade em exportar, devido ao câmbio valorizado, e terá de enfrentar um período de maior incerteza na economia global.
Com informações quantitativas sobre o nível de estoques, os setores de automóveis e de distribuição de aço mostram um quadro pouco animador. Números da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) revelam que, em julho, os inventários atingiram o nível recorde de 367,1 mil unidades, 25 mil a mais do que no mês anterior.
“Isso representa um número crítico, equivalente a 36 dias de vendas”, nota o economista-chefe da corretora Convenção, Fernando Montero. Segundo o economista-chefe da LCA Consultores, Bráulio Borges, estoques normalizados correspondem a cerca de 27 dias de vendas.
Montero diz que esse volume de inventários “obrigará um primeiro ajuste na produção, transitório, que leve os estoques a níveis mais condizentes com as vendas projetadas”. Ele observa ainda que o” fato de os estoques estarem aumentando 25 mil carros por mês significa uma produção rodando esse tanto acima da demanda final [considerando aí as vendas internas e externas, excluindo as importações].” O cenário, segundo ele, é de mais desaceleração. A produção de veículos automotores, que cresceu 24% em 2010, aumentou no primeiro semestre 6,2% sobre igual período do ano passado.
No setor de distribuição de aço, a situação também não é das melhores em termos de estoques. Em junho, os inventários equivaliam a 3,7 meses de vendas, somando 1,213 milhão de toneladas. Segundo o presidente do Instituto Nacional dos Distribuidores de Aço (Inda), Carlos Loureiro, estimativas preliminares apontam que, em julho, esse número caiu para 3,4 meses, ainda assim um nível elevado. “O mais confortável, para nós, é que os estoques sejam equivalentes a algo como 2,5 meses de vendas”, diz ele. Esse é o nível que vigorava em setembro de 2008, quando a economia real ainda não havia sentido com força o impacto do agravamento da crise global e o Brasil crescia de modo robusto.
“Tudo o que o setor não precisa agora é de uma nova crise”, diz Loureiro, observando, porém, que ainda não se sabe a extensão da nova turbulência, por ora bem menos grave que a de 2008. De qualquer modo, a expectativa para os próximos meses é que o setor tente ajustar os inventários, o que acena com desempenho ruim para o segmento. Loureiro estima hoje um crescimento de apenas 5% para a distribuição de aço em 2011. Na virada do ano, ele chegou a projetar um aumento de 15%.
Indicadores qualitativos sobre estoques também apontam para um acúmulo indesejado de inventários nos últimos meses. É o caso do índice da Confederação Nacional da Indústria (CNI), que compara o estoque efetivo com o planejado pelas empresas. Ele subiu de 51 pontos, em maio, para 53 pontos em junho – acima de 50, o número indica que mais companhias relatam ter inventários acima do planejado do que abaixo. O indicador da CNI mostra que o acúmulo de estoques indesejados foi mais expressivo nas empresas de grande porte – o número subiu de 51,4 em maio para 54,2 pontos em junho -, mas também se deu nas companhias de pequeno e médio porte.
Dos 26 setores acompanhados pela sondagem da CNI, 17 registraram um indicador superior a 50 pontos. Houve forte acúmulo de estoques em setores como os de têxteis, calçados, máquinas e equipamentos, material elétrico e de comunicação e material de transporte e outros equipamentos de transporte. Alguns deles são os que têm sofrido muito com a competição do produto importado, como é o caso dos quatro primeiros.
A Sondagem da Indústria de Transformação da Fundação Getulio Vargas (FGV), por sua vez, indicou a continuidade do acúmulo de estoques em julho. A fatia de empresas que informaram ter inventários acima do desejado subiu de 5,3% em junho para 6,6% em julho. Ao mesmo tempo, a parcela das que relatam estoques insuficientes caiu de 3,3% para 2,2%.
O comportamento dos estoques aponta para um terceiro trimestre difícil para a indústria, que pode ficar ainda mais complicado caso a crise de fato se agrave e ganhe proporções maiores. Depois de crescer 10,5% em 2010, a produção industrial deve ter uma expansão muito mais fraca neste ano. Montero considera um número na casa de 2% como factível – no primeiro semestre, houve alta de 1,7% sobre igual período de 2010.
Depois do fraco resultado da indústria em junho, quando houve recuo de 1,6% em relação a maio, feito o ajuste sazonal, o economista Alexandre Antunes, da MCM Consultores Associados, revisou a sua estimativa para o setor de 3,8% para 2,5%. O efeito negativo do câmbio valorizado, o aumento do custo da mão de obra e a fraqueza das economias desenvolvidas apontam para um cenário difícil para a indústria, que terá de lidar com estoques elevados.
Do Valor Econômico