Reunião de cúpula do Brics começa nesta terça-feira, em Fortaleza

Passada a Copa do Mundo, o Brasil será cenário de outro evento internacional, no qual desponta uma tabela entre Rússia e Argentina – mas no âmbito diplomático e econômico. Não por acaso, foi a Rússia quem convidou a Argentina para participar da 6ª Cúpula do Brics, em Fortaleza, num momento de extrema tensão vivido pelos dois países, cada qual em seu hemisfério e com suas peculiaridades.

O Brics (em inglês, “bricks” significa “tijolos”), grupo que representa os países emergentes como forma de se contrapor às potências, é integrado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

Tanto Argentina quanto Rússia precisam colocar tijolos na construção de um condomínio capaz de lhes dar sustentação em um momento de fragilidade.

No caso argentino, trata-se de buscar apoio na crise com os credores especulativos que lhe cobram judicialmente 100% do valor dos títulos não renegociados de sua dívida externa – são 7% do total de credores (os outros 93% aceitaram a reestruturação, mas poderão vir a cobrar o mesmo, alegando isonomia).

No caso russo, a tentativa é de amenizar o isolamento ao qual o país se submeteu durante o confronto na Ucrânia.

— A cúpula do Brics será um palco para que Putin (presidente Vladimir Putin, da Rússia) e Cristina (a presidente Cristina Kirchner, da Argentina) falem ao mundo e se mostrem dentro de uma zona de influência que não depende dos grandes do Ocidente — diz a professora Deisy Ventura, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP).

Deisy considera o encontro estratégico, em especial, para a Argentina, curiosamente o país que não integra o grupo – ao menos por ora, uma vez que a China defende seu ingresso, possivelmente com o apoio de peso da Rússia. Essa possibilidade se tornou mais clara no sábado, quando Putin visitou Cristina em Buenos Aires, na vinda para o Brasil, e ambos falaram em “aliança estratégica”.

— Para a Argentina, em especial, é uma luz no fim do túnel, porque o Brics deve anunciar finalmente o acordo sobre seu banco de desenvolvimento, que, se der certo, poderá trazer novo equilíbrio entre as instituições financeiras que hoje existem — estima a professora da USP.

Há anos a Rússia defende a inclusão argentina ao grupo. Com a crise da dívida, esse apelo ganhou em urgência e arrebanhou a China. A questão não se resume ao apoio para o país sul-americano, que busca um plano de pagamento o mais indolor possível.

Há o temor de que a vitória dos “fundos abutres” na Justiça dos Estados Unidos tome um caráter sistêmico, atingindo mais adiante outros países que tiveram a economia irrigada pelo capital especulativo.

A reunião do Brics deverá dar prioridade às discussões em torno da criação do banco de desenvolvimento dos cinco países, o que lhes daria uma coesão hoje inexistente. A meta é que seja uma alternativa ao Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (Bird), o Banco Mundial. Além do capital de US$ 100 bilhões a que pretende chegar, a palavra “alternativa” é música aos ouvidos argentinos.

E será esse mesmo o tom do encontro em Fortaleza. Diante do fraco desempenho econômico de Brasil e Rússia, os presidentes dos países do Brics tentarão mudar o tom para sublinhar, em vez da importância dos emergentes na recuperação global depois da crise, a opção representada pelo grupo, combinando crescimento com redução da desigualdade. Será essa, aliás, a principal mensagem na declaração da cúpula.

Foco principal é mostrar crescimento com inclusão

Na largada para a campanha de reeleição, a presidente Dilma Rousseff terá a oportunidade de defender, com apoio de quatro das maiores economias do mundo, a ideia de que aquilo que está sendo feito no Brasil é o melhor, mesmo sem crescimento elevado.

Como anfitrião, o Brasil tem poder de influenciar o tema central da cúpula e a declaração final. Mesmo que os assuntos centrais do encontro sejam a implementação do banco de desenvolvimento do Brics e a criação do Arranjo Contingente de Reservas (CRA, na sigla em inglês), o tema proposto pelo Brasil é “Crescimento inclusivo, soluções sustentáveis”.

A intenção é mostrar que há outros modelos de desenvolvimento e que o Brics não é apenas um simples acrônimo (palavra que junta iniciais, muitas vezes de forma aleatória) ou um agrupamento de economias emergentes em rápido crescimento. Seria uma alternativa de países que conseguiram crescer diminuindo desigualdade e pobreza, mesmo que os índices ainda sejam altos. A plenária dos presidentes, amanhã, deverá ser centrada na ideia de que os cinco Brics são um exemplo de “fazer melhor para mais gente”.

A AGENDA

• A cúpula começa nesta segunda-feira, 14, no Centro de Eventos do Ceará, com reunião da área econômica.

• Na terça, 15, às 10h, os chefes de Estado fazem a primeira sessão de trabalho.

• Às 15h, está prevista a assinatura de atos e discurso dos líderes.

• Às 18h, seguem para Brasília, onde a cúpula termina na quarta-feira.

Um banco para unir cinco países com vocações diferentes

O Brics criará seu banco de desenvolvimento, com funções semelhantes às de outras instituições internacionais do gênero. O nome: Novo Banco de Desenvolvimento (NDB). Esse será o principal anúncio da cúpula que se inicia hoje. A instituição terá sede em Xangai ou Nova Délhi, com aporte inicial de US$ 10 bilhões.

O subsecretário de assuntos políticos do Ministério de Relações Exteriores, o embaixador José Alfredo Graça Lima, enfatizou que o banco de desenvolvimento e também o fundo de socorro que serão criados pelo Brics durante a cúpula em Fortaleza são resposta à falta de mudanças no Fundo Monetário Internacional (FMI).

— Os países do Brics têm propostas de reforma do FMI que não estão sendo atendidas por razões conhecidas. De certa maneira, a criação do Arranjo (o Arranjo Contingente de Reservas, CRA, instituição de socorro) e do banco atende a essa necessidade — disse Graça Lima. – Mas não apenas isso. À medida que o banco e o arranjo são espelhos do Banco Mundial e do FMI, mostram a capacidade do Brics de não depender dessas instituições.

Em 2010, o FMI aprovou reformas que visam dar maior peso a países emergentes, em detrimento das economias desenvolvidas, que perderam espaço no cenário mundial com a crise de 2008. A aprovação das mudanças, porém, encontra resistência justamente nos países que perdem espaço.

Para a Rússia, o tema financeiro é relevante, já que a crise ucraniana isolou o país. Excluído do G-8, Moscou está à beira da recessão devido à ameaça de sanções internacionais que pairam sobre sua economia. Graça Lima adiantou que a Declaração de Fortaleza, documento resultante do encontro, terá cerca de 50 parágrafos, e sua versão preliminar já está em análise pelas lideranças que representam cada país junto ao grupo. A ideia é que hoje, quando os ministros da área econômica farão reunião de trabalho, já haja a versão final.

O desafio é mostrar unidade e pujança. O Council on Foreign Relations (entidade americana, com sede em Nova York, destinada a monitorar a política internacional) nem sequer previu a reunião no seu calendário de eventos. O Brics não tem mecanismos de consulta para tomar decisões comuns. São países de naturezas, envergaduras e interesses diferentes. O NDB seria o catalizador.

Do Portal ZH