Poupança doméstica deve sustentar o crescimento, diz presidente do BNDES

Nos 12 meses até outubro, o rombo nas transações comerciais e de serviços e rendas do país com o exterior - a conta corrente - totalizou 1,3% do PIB, número que pode mais do que dobrar no ano que vem

A trajetória projetada para o déficit em conta corrente, que pode superar 3% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2010, é “preocupante”, avalia o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luciano Coutinho. “Eu tenho reiterado sempre que um déficit muito superior a 1,5% do PIB não é muito saudável”, disse ontem Coutinho, destacando a importância de o país estimular o aumento da poupança doméstica e de resistir a uma “excessiva apreciação” da taxa de câmbio.

Nos 12 meses até outubro, o rombo nas transações comerciais e de serviços e rendas do país com o exterior – a conta corrente – totalizou 1,3% do PIB, número que pode mais do que dobrar no ano que vem. O Bradesco projeta um déficit de 3,1% do PIB. “Nós deveríamos buscar condições para que o déficit não ultrapassasse certo nível, de tal maneira a não tornar vulnerável o que nós temos hoje, que é um colchão firme de reservas e um processo controlado de aumento de passivos externos”, afirmou Coutinho, que participou ontem do seminário “Perspectivas do Investimento no Brasil”, organizado pelo Valor, com apoio da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e do BNDES.

Segundo ele, a solidez das contas externas foi um dos fatores que permitiram ao Brasil reagir bem ao impacto da crise global. A poupança externa é bem-vinda, mas é preciso tomar cuidado para não alimentar uma dependência exagerada dos fluxos externos, que são mais voláteis, disse Coutinho. “Nós temos que criar fortes incentivos à ampliação da poupança doméstica, concentrando um grande esforço para que ela seja o principal esteio do crescimento brasileiro daqui para a frente, e não a poupança externa.”

Para ele, há vários instrumentos que podem ser adotados nessa estratégia. “O primeiro é ampliar os incentivos à poupança das famílias, como a vinculada à aquisição da casa própria, até porque o Brasil tem um imenso potencial de desenvolvimento do setor imobiliário”. Coutinho destacou a importância da poupança das empresas, lembrando que o lucro das companhias é a principal fonte para financiar os investimentos.

Segundo Coutinho, também é necessário “tornar o setor público mais eficiente, de modo que ele possa prover os serviços públicos que são fundamentais, como educação, saúde e segurança, mas com mais eficiência, com crescimento da produtividade, para que a poupança fiscal possa subir.” Coutinho disse considerar impossível que o gasto público não cresça, mas se mostrou favorável a uma redução do ritmo de expansão das despesas correntes. “Já o investimento público precisa aumentar”, ressaltou ele, observando que a poupança institucional do sistema de fundos de pensão, da previdência complementar, também “devem ser estudadas e incentivadas no Brasil.”

Questionado sobre a trajetória da taxa de câmbio, Coutinho afirmou que o país precisa resistir à apreciação excessiva do real, para não pagar uma “conta desproporcional do ajuste global”. Ele lembrou que o patamar do câmbio “reflete um conjunto de fatores, como os juros zero nos EUA, taxas muito baixas no mundo inteiro, o excesso de liquidez global e a desvalorização global do dólar.” Como alguns países como a China atrelaram as suas divisas à moeda americana, as pressões por valorização “desembocam em um conjunto limitado de moedas, entre elas o real”.

Coutinho disse que a cobrança do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) de 2% na entrada de capital estrangeiro para a bolsa e a renda fixa “quebrou a expectativa” de que o dólar cairia a R$ 1,60, observando que a moeda tem oscilado mais perto de R$ 1,75. “Eu diria que o IOF é um início, um primeiro passo”, afirmou ele, que destacou ainda a atuação do BC no mercado de câmbio. Para ele, as intervenções da autoridade monetária têm sido consistentes.

Do Valor Econômico