Para metalúrgicos do ABC, crise é passageira

Jornal Valor Econômico acompanhou palestra do economista Luiz Gonzaga Belluzzo promovida pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, na noite desta segunda-feira (17), e perguntou à categoria o que acha da crise. Ouviu que os trabalhadores estão confiantes

Raquel Camargoi

Belluzzo fez um prognóstico do impacto da crise sobre as montadoras

A chuva forte da manhã, substituiu o fim de semana ensolarado na grande São Paulo, e cedeu lugar à velha garoa, fina e constante. A instabilidade do clima, semelhante a dos mercados financeiros, fez companhia aos humores dos metalúrgicos da base sindical de São Bernardo do Campo na noite de segunda-feira. Aos poucos, alguns prevenidos chegavam com seus guarda-chuvas e jaquetas, outros não ligavam para a mudança do clima e uma camiseta já era suficiente para ficar a vontade.

O economista Luiz Gonzaga Belluzzo foi falar sobre a crise financeira e seus impactos sobre o Brasil. Metalúrgicos das grandes montadoras (Ford, Volkswagen, Mercedes Benz) e das autopeças lotaram a sala reservada para o evento. Na platéia, muitos estão com férias coletivas marcadas, mas a maioria apenas para o fim do ano, como é tradicional na base do sindicato. Os semblantes eram menos nublados do que se poderia esperar. E as preocupações também. Nas autopeças, o temor de demissões é maior; nas montadoras, os trabalhadores mantém os planos de consumo para o Natal, esperando que os brasileiros também continuem comprando carros novos.

De camisa pólo branca, Benigno José Domingues, conhecido como “Maluf” por conta de algumas semelhanças com o político, chegou com 20 minutos de antecedência. Aos 53 anos, trabalha no setor metalúrgico desde 1977, quando começou na Volkswagen. Desde 1996, está na Delga Indústria e Comércio, empresa de autopeças, como operador de empilhadeira.

Domingues conta que há vários anos não ouvia falar em férias coletivas, medida anunciada nos últimos dias na empresa em que trabalha. Ele diz que ficará parado por duas semanas (a partir de 22 de dezembro), mas não vê riscos de que a crise afete a fábrica onde está empregado, pois espera que a partir de janeiro a situação melhore. Para o período que ficará parado planeja a pescaria. “A gente tem chumaço (isca), vamos descer até o riacho e pescar um pouquinho” brinca o operário. Apesar da tranqüilidade que manifesta, está atento. “Não dá para ir para muito longe, a gente fica preocupado, o dinheiro que a gente pega é preciso guardar e segurar, a gente não sabe, né?”, pondera o metalúrgico.

Raquel Camargo

Os semblantes eram menos nublados do que se poderia esperar. E as preocupações também

Objetivo e com um bloquinho de anotações, ele foi à palestra à procura de uma “orientação”. “É muito importante participar desses debates para o nosso dia a dia, temos que fazer tudo com o pé no chão” observa Domingues. Ele admite estar preocupado com o cenário para as autopeças. Sempre atento ao que acontece com as montadoras, ele descreve que o clima entre os funcionários na empresa é de preocupação, principalmente por conta de demissões noticiadas em outras autopeças de Diadema, na base do sindicato. Ontem, em Campinas, novas demissões foram anunciadas na Foxconn, de eletroeletrônicos.

Outro operário do setor de autopeças que apareceu para conferir as análises da crise, foi José Augusto, de 38 anos. Na Welcon Fasteel, fábrica em que trabalha há cinco anos e sete meses como operador de máquina no departamento de estamparia, Augusto faz parte da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (Cipa) e do Comitê Sindical da Empresa (CSE).

Na empresa foram anunciadas férias coletivas para o início de dezembro para acompanhar o calendário das montadoras, o que reforçou, no início, o clima de preocupação entre os trabalhadores, conta Augusto. “O pessoal ficou meio surpreso no começo, mas agora já estão assimilando melhor o fato, embora a maioria tema demissões”, acrescenta.

Se para os trabalhadores das autopeças as dúvidas pairam e criam nebulosidades, para os jovens colegas de trabalho e ponteadores da Ford, Sandro Randal Alves, 31 anos, e Jairo de Souza Franco, de 25, o céu cinzento da mudança não provocará diferenças.

Alves completou o ensino médio e decidiu investir em cursos do departamento de Formação Sindical. Fez dois, um de Ergonomia e outro de Formação para Formadores. Orgulha-se das oportunidades e empenha-se em acompanhar de perto tudo o que está ligado às questões trabalhistas.

A Ford informou que as férias coletivas começarão a partir de 15 de dezembro. Para Alves, a parada representa uma pequena diferença na programação dos anos anteriores, mas não implica na desaceleração na produção, e pode ser explicada como uma necessidade de adaptação dos estoques.

Para os seus companheiros de produção, contudo, a notícia não foi recebida com tanta frieza. Alves conta que há muitos trabalhadores apreensivos, mas responsabiliza a mídia pelo clima de desconfiança. Para o Natal, com sua esposa e as duas filhas, ele não pretende alterar os hábitos em comparação com outras festas. Nas férias coletivas, vai aproveitar para descansar e estudar.

Com voz de locutor de rádio e poucas palavras bem cuidadas, o companheiro de trabalho de Alves, o tímido mineiro Jairo concorda com a análise de que o setor não sofrerá grandes adaptações. Em São Paulo desde os 12 anos, quando veio morar com a tia para estudar e depois trabalhar, Jairo planeja uma visita à mãe em Minas Gerais nas férias coletivas. E não teme perder o emprego na volta.

Na Volkswagen, o clima é um pouco mais apreensivo entre os funcionários, segundo o coordenador do comitê sindical, Reinaldo Marques. As notícias de carros parados nos pátios trazem preocupação e levam os operários a questionar as medidas que a empresa pode tomar nos próximos dias.

Do Valor Econômico