“Quem faz a crise são os bancos”, diz Sérgio Nobre

Em entrevista do Diário do Grande ABC, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC afirma que o Brasil tem condições de passar bem por esta crise financeira internacional. "Estamos vivendo uma crise que não vai durar para sempre. Neste momento (a principal preocupação do sindicato) é a defesa do emprego."

Raquel Camargo


“O sindicato só sobrevive onde as pessoas são solidárias”

O metalúrgico da Mercedes-Benz e atual presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Sérgio Nobre, visitou a redação do Diário do Grande ABC e comentou sobre a situação atual do País. Para ele, o Brasil tem condições de passar bem por esta crise financeira internacional e os ânimos da população ainda não foram afetados pela mídia, já que mantêm o consumo. As dificuldades existentes, para ele, vêm somente dos bancos que não oferecem crédito. “Os bancos não têm liberado os financiamentos para poder investir em compras de títulos”. Comentou também sobre o papel do Sindicato. Para ele, o sindicalismo de antes era muito pautado na briga pela democracia, mas hoje a luta é outra. “Eu acho que é desafio do sindicalismo melhorar o salário, lutar por melhorias na comunidade. O sindicato precisa olhar o trabalhador na fábrica e onde ele vive.”

DIÁRIO – Um sindicalista americano falou nesta semana que uma montadora dos Estados Unidos pode falir por causa da crise financeira internacional. O que o senhor acha disso?
SÉRGIO NOBRE – A tendência ali é de fusões. Mas tem de ter o socorro governamental. Seria bom se o Obama assumisse logo.

DIÁRIO – A Volkswagen tem uma política na Alemanha de não demitir…
NOBRE – Eles têm o principio da não demissão. Mas o Brasil tem condições de atravessar o período de crise bem. Na verdade, o setor automotivo nesses três anos cresceu muito e este ano só conseguiu atender à demanda porque as montadoras trabalharam de domingo a domingo. O que não é bom, porque você cria um estresse. Mas os fornecedores não estavam agüentando mais, estavam no limite. De qualquer maneira, estávamos esperando uma freada para fazer investimento de ampliação de capacidade.

DIÁRIO – Com ou sem essa crise haveria uma freada?
NOBRE – Haveria. A indústria brasileira não conseguiria atender à demanda.

DIÁRIO – Do jeito que estava, a produção cairia?
NOBRE – Com certeza, porque não teria condições de continuar trabalhando da maneira que estava. As montadoras até conseguiam, mas muitas autopeças não tinham mais condição. Já estavam comprometendo a qualidade. De qualquer maneira, independente da crise, era preciso dar uma desacelerada. Mas a grande questão do setor é que, apesar da crise internacional, os ânimos dos consumidores não foram alterados. Eles continuam querendo comprar. O problema é que não conseguem financiamento.

DIÁRIO – O sr. não acredita em demissão aqui na região?
NOBRE – Eu acho que até o final deste ano não. Qualquer análise para 2009 é especulação. Eu acho que as coisas vão ficar claras em março.

DIÁRIO – As montadoras não demitiram ainda, mas há empresas de autopeças que demitiram?
NOBRE – Demitem porque têm facilidade em demitir. Aqui não se demite porque há reação.

DIÁRIO – Os bancos vislumbram desemprego no começo do ano. O sr. acha que, em 2009, deve haver inadimplência grande?
NOBRE – Com que base eles chegam a essa avaliação? A inadimplência continua no mesmo patamar de antes. As montadoras e autopeças estão dizendo que vão manter seus investimentos para 2009. Eu acho que eles (bancos) ganham dinheiro em outros investimentos. Seria muito mesquinho admitir que compram títulos.

DIÁRIO – O sr. não acha que, com a globalização, os bancos acreditam numa avalanche?
NOBRE – O que eles alegam é que buscam recursos lá fora para trazer para cá e financiar a sociedade. Você não tem recurso lá fora e o que têm aqui é insuficiente para atender à demanda interna. Mas tem um consenso que diz que eles estão comprando títulos mesmo e estão segurando o dinheiro. O governo tem de apertar para manter o crédito funcionando.

DIÁRIO – O discurso dos presidentes dos sindicatos, há 30 anos, era completamente diferente. O que o sr. vê de evolução no seu cargo?
NOBRE – São períodos diferentes. Nos anos 1970 até no final dos anos 1980, o grande desafio do movimento sindical popular era conquistar a democracia. Naqueles anos, mais que salários e empregos a reivindicação era o direito à negociação. Aquela fase passou. Conseguimos consolidar a democracia no Brasil. Agora conseguimos eleger o prefeito, governadores. Nosso presidente era operário, oriundo do movimento sindical. Acho que a gente avançou na questão política, mas ainda falta avançar na questão econômica. O nosso operário trabalha muito. Ele continua acordando às 4h da manhã, mas continua morando na favela, sem saneamento básico, sem escola de qualidade. Eu acho que é desafio do sindicalismo melhorar o salário e lutar por melhorias na comunidade. No caso do metalúrgico do ABC melhoramos muito dentro da fábrica. Acho que o sindicato precisa olhar o trabalhador na fábrica e onde ele vive.

DIÁRIO – Já existem ações sociais no sindicato?
NOBRE – No congresso da nossa categoria um dos grandes temas é este. Educação e formação profissional estão presentes cada vez mais dentro na agenda do desenvolvimento social.

DIÁRIO – Vocês têm se mobilizado para que as empresas invistam nos trabalhadores?
NOBRE – Eu acho que a empresa tem um papel social a cumprir. Esse é o grande debate. Ela tem de ajudar a comunidade a se desenvolver.

DIÁRIO – Qual a sua principal bandeira?
NOBRE – Tem problemas que a conjuntura te coloca. Estamos vivendo uma crise que não vai durar para sempre. Nesse momento é a defesa do emprego. Mas o sindicato não pode olhar só para o problema e ter uma estratégia. Se queremos olhar o trabalhador dentro da conjuntura temos de investir em comunicação. Temos de trabalhar temas como formação profissional.

DIÁRIO – O sr. acha que o trabalhador na porta da empresa escuta as questões sociais? Será que os metalúrgicos abraçam essas idéias?
NOBRE – Abraçam. O problema é que vivemos numa sociedade que, cada vez mais, estimula o individualismo. O sindicato só sobrevive onde as pessoas são solidárias.

DIÁRIO – O sindicato tem o papel de sair da fábrica e cobrar ações de políticos?
NOBRE – Os sindicatos não podem atuar como partidos políticos. Eles têm de ter alianças. Principalmente com aqueles com quem têm afinidades.

DIÁRIO – Vocês têm conseguido avançar nesse sentido?
NOBRE – Sim. Aqui na região os fóruns regionais que surgiram foram criados muito em função disso. Uma pena que apareceram no momento de crise, nos anos 1990, como Câmaras setoriais, o Consórcio Intermunicipal que foram frutos deste entendimento. As empresas, movimentos sindicais e poder público se juntaram para encontrar saída.

DIÁRIO – O que sr. acha da terceirização?
NOBRE – O conceito é bom. O errado é que viram nisso a possibilidade de precarizar o trabalho. Não registram o trabalhador, pagam metade do salário. O trabalhador terceirizado acaba se tornando de terceira categoria. Mas não é esse o propósito da terceirização.

Do Diário do Grande ABC