Gesto de Esperança
A humanidade não terá muito o que comemorar neste final de década, de século, de milênio. Para nós, brasileiros, em especial. Além do crescimento da miséria e da violência, da repetição cansativa das chacinas impunes, não faltam cpis, escândalos, e todo tipo de indicadores que servem apenas para jogar desânimo nas nossas festas de fim de ano. Os números divulgados na semana passada pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) já seriam o bastante para desandar nossa maionese de Natal: 21 milhões de brasileiros, com menos de 18 anos de idade, vivem em lares onde a renda per capita é igual ou menor que meio salário mínimo.
Felizmente, no entanto, o leitor poderá identificar no meio do noticiário – de forma um tanto apagada, é verdade – pequenos sinais, pequenas chamas que mostram que ainda há esperança, há um pouco de humanidade esparramada na face do planeta. Centros de defesa de crianças vítimas de violência, creches comunitárias, núcleos de apoio à profissionalização de jovens, esforços voltados à erradicação do trabalho infantil, campanhas como “Criança no lixo, nunca mais”, a “Criança, prioridade número um” (da Câmara Regional do ABC) e assim por diante. Mas eu quero falar aqui de uma nova iniciativa nesta mesma direção, um projeto que poucos leitores devem conhecer. Uma iniciativa especial porque é resultado de um gesto de solidariedade coletivo, envolvendo parte significativa dos 290 mil trabalhadores da Volkswagen esparramados pelo mundo.
Através da campanha “Uma hora pelo futuro”, os trabalhadores da Volks vão doar o valor do seu salário correspondente à última hora trabalhada no milênio, em benefício das crianças de rua. Aqui no ABC, as doações de 17 mil trabalhadores da Volks que aderiram ao projeto – acrescida da contribuição da empresa e de parte do dinheiro arrecadado pelo Comitê Mundial de Trabalhadores da Volkswagem em todo o mundo – serão investidos no Centro Cultural Afro-Brasileiro Solano Trindade, um projeto criado em 1998, a partir de iniciativa de grupos de militantes do movimento negro, agentes pastorais negros, sindicalistas ligados à CUT, cipas e comissões de fábrica da região.
O projeto terá como eixo de ação prioritário a adequação e ampliação da oferta de serviços sociais, capazes de assegurar a proteção efetiva às crianças e adolescentes de rua na região do ABC como condição para a sua reintegração na comunidade, na família e na escola.
É verdade que é tradição da história dos Metalúrgicos da região seu compromisso com a solidariedade e com as lutas populares, como a luta contra a carestia, contra a miséria e a fome, por moradia, em apoio ao Movimento de Alfabetização, ao Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, aos flagelados pela seca no Nordeste e em favor das crianças e adolescentes. Mas poucas iniciativas que tomamos no passado tiveram o mesmo valor simbólico que a desta campanha dos trabalhadores da Volks pelo futuro das nossas crianças.
É importante, no entanto, não perder de vista que, campanhas como esta de dedicar “uma hora para o futuro” não podem substituir a responsabilidade do Estado no enfrentamento do problema. O problema da Criança e do Adolescente no Brasil não pode mais ser visto com o mesmo olhar de 30 anos atrás. É preciso combinar a denúncia das práticas que conduzem à reprodução da pobreza, em particular a falta de investimentos públicos nas questões sociais, com ações concretas que possam contribuir para alterar esta realidade.
Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC
e Coordenador do Mova Regional