Filho de Jango acredita que morte de ex-presidente visava a retardar abertura no país
Covas Neto, relator, João Vicente e Natalini, presidente da comissão: indícios de conspiração
João Vicente Goulart, que esteve recentemente com o novo procurador-geral da República, espera que Ministério Público avance nas investigações. ´A exumação não é o fim das averiguações´, afirma
Filho mais velho do ex-presidente João Goulart, deposto em 1964, João Vicente Goulart, 57 anos, acredita que a morte de Jango, em 6 de dezembro de 1976, fez parte de um processo para minar a abertura política brasileira. “Ele representava o rei caído e a restituição da democracia. O golpe não foi dado contra Jango, mas contra a Constituição”, afirmou, durante depoimento dado hoje (11) à Comissão da Verdade paulistana, na sede da Câmara Municipal. A família de Jango quer que o Ministério Público Federal aprofunde as investigações sobre as circunstâncias da morte do ex-presidente – esse pedido foi feito em 2007 e reforçado agora, ao novo procurador-geral, Rodrigo Janot. “Estou com muita esperança que na sua gestão possamos avançar”, disse João Vicente. Segundo ele, o pai fazia planos para retornar ao Brasil.
Para o filho, a apuração não acaba com o resultado da exumação do corpo de Jango, no final do ano passado, seja conclusivo ou não. “A exumação não é o fim para que consigamos averiguar o que aconteceu. Há outras providências que ainda não foram tomadas pelo Ministério Público.” Entre essas medidas, ele quer que agentes norte-americanos que teriam monitorado Jango no exílio sejam ouvidos pelas autoridades brasileiras. E espera resposta ao pedido de desclassificação de documentos ainda secretos nos Estados Unidos – a desclassificação equivale à liberação para consulta. Atualmente, a investigação está a cargo do MPF no Rio Grande do Sul, por meio da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão.
O pedido de apuração – feito não pela família, mas em nome do Instituto João Goulart – foi estendido em 2011 à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Para João Vicente, a exumação só foi possível pela intervenção da Comissão Nacional da Verdade, instalada dois anos atrás. Antes disso, segundo o filho de Jango, houve dois pedidos de arquivamento e até uma sugestão de ouvir um agente da CIA (a agência de inteligência norte-americana) por Skype. “A gente precisa de uma resposta clara e uma vontade específica de nossas autoridades competentes.”
João Vicente lembrou que Jango vinha mantendo contato com o também ex-presidente Juscelino Kubitschek. Os dois, juntamente com o ex-governador Carlos Lacerda, formariam a chamada Frente Ampla, uma união de forças contrárias à ditadura. Jango, JK e Lacerda morreram em intervalo de meses, entre 1976 e 1977, em circunstâncias consideradas misteriosas até hoje. Recentemente, a Comissão da Verdade paulistana concluiu que a morte de Juscelino foi causada por um acidente provocado, em agosto de 1976, na rodovia Presidente Dutra.
Divisão
“Muita gente diz que o regime foi obrigado a abrir brechas para a redemocratização”, diz o presidente da comissão, o vereador Gilberto Natalini (PV). “De certa forma, eles ´aplanaram´ a situação para que o processo (de abertura) se mantivesse sob controle.” Ele cita momentos como as ofensivas contra o PCB e PCdoB, em 1975 e 1976, com assassinatos de dirigentes e militantes, em ações que atingiram também políticos considerados liberais, casos do ex-presidentes. Havia ainda certo conflito entre a chamada linha-dura e o núcleo do governo Ernesto Geisel – em 1977, por exemplo, esse conflito tornou-se aberto na figura do ministro do Exército, Sylvio Frota, que acabou exonerado.
“Existia no Brasil uma grande divisão entre o endurecimento do Frota e a distensão do Geisel”, diz João Vicente. “Era um momento de pré-abertura do sistema político. Acho que este país ainda tem muito a avançar no que tange a esses fatos da ditadura.” Ele declarou ter obtido documento no qual se demonstra que Frota não só sabia que Jango pretendia voltar ao Brasil, como havia determinado sua prisão imediata.
Parte da suspeita de assassinato do ex-presidente baseia-se em depoimento do ex-agente uruguaio Mario Neira sobre a chamada Operação Escorpião, que consistiria na morte de Jango por meio da troca de um dos remédios usados pelo ex-presidente, que sofria do coração. Em seu depoimento à comissão, João Vicente citou uma reunião que teria ocorrido em agosto de 1976, em Montevidéu, reunindo o delegado brasileiro Sérgio Paranhos Fleury, o general Luis Vicente Queirolo, chefe da inteligência das forças armadas uruguaias, Frederick Latrash, chefe da CIA no Uruguai, o médico Carlos Milles, o “Capitán Adonis”, e mais dois agentes, para decidir sobre a operação contra Jango. Apenas uma das pílulas teria sido trocada, “para não deixar rastros”, diz João Vicente.
Nesse mesmo ano, imediatamente após o golpe de estado na Argentina – onde Goulart vivia – o governo brasileiro solicitou informações sobre vários “subversivos”, incluindo o ex-presidente. João Vicente conta que foi recentemente à embaixada argentina. “Quero saber qual foi a resposta dos argentinos.”
Ainda segundo o filho do ex-presidente, Jango vivia preocupado com sua segurança e e dizia que naquele momento os espaços para a democracia na América Latina estavam cada vez menores. “O monitoramento (por parte dos órgãos de inteligência) sempre existiu, mas depois da Frente Ampla e da derrubada de todas as democracias latino-americanas, como política de Estado norte-americana, evidente que isso se fez muito mais forte.” Era o período da Operação Condor, de colaboração entre ditaduras na região. “Existe ainda uma grande autoproteção sobre esses fatos”, afirma.
Ele destaca ainda a presença de um “agente B”, brasileiro, que teria furtado correspondência pessoal de João Goulart. “Se ele pode subtrair cartas do criado-mudo do meu pai, não pode substituir um remédio?”
O prazo para o resultado da exumação, segundo João Vicente, é de seis meses a um ano.
Da Rede Brasil