Ipea e IBGE atrelam trabalhos ao planejamento estratégico do país

Especialistas avaliam que institutos retomaram capacidade de "tomar pulso" das necessidades do país, transformando-se em instrumentos voltados ao

A demanda do Brasil por planejamento a longo prazo vem mudando o papel de duas instituições fundamentais para que o Estado possa vislumbrar o horizonte. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) passaram a ter seus estudos voltados a balizar políticas públicas.

A principal demonstração das alterações está no orçamento das duas entidades. O IBGE recebia, em 2002, R$ 583 milhões, contra R$ 2,8 bilhões previstos para este ano. O Ipea, por sua vez, saltou de R$ 107 milhões para R$ 253 mi no mesmo período.

Mas a qualidade das pesquisas não se garante exclusivamente por cifras. Pedro Paulo Martoni Branco, diretor-executivo do Instituto Via Pública e ex-presidente da Fundação Seade, lembra que o IBGE foi desmontado no governo de Fernando Collor, chegando a realizar apenas em 1991 o censo populacional tradicionalmente feito no ano “zero” de cada década. “Hoje o IBGE é uma instituição que retoma essa capacidade de tomar pulso da sociedade brasileira, tem feito pesquisas importantes”, avalia.

Giorgio Romano Schutte, professor da área econômica da Universidade Federal do ABC (UFABC), pondera que o fortalecimento do Ipea ao longo dos últimos anos dará ainda mais frutos ao longo da próxima década com a formação de quadros mais sólidos e maiores de pesquisadores. “Uma questão muito importante é poder planejar a curva demográfica. Isso muda enormemente a política de saúde, de habitação, de emprego. O que se pode afirmar é que uma característica dos países desenvolvidos é ter o trabalho de planejamento.”

A possibilidade de ações a longo prazo, com um projeto mais claro de país e a estabilidade econômica, também contribuiu para a mudança de caráter dessas instituições. Nas décadas em que o Brasil andou de crise em crise, sempre com problemas econômicos, o Estado tinha pouca capacidade de tomar medidas estratégicas e, por consequência, Ipea e IBGE dedicavam-se mais a análises conjunturais e menos a apresentar propostas de políticas públicas.

A principal diferença nesse sentido está no posicionamento do Ipea sobre assuntos na ordem do dia. Alguns dos exemplos mais recentes são o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL) e, num espectro mais amplo, o projeto Perspectivas do Desenvolvimento. Este último, nascido em 2008, reuniu mais de 230 pesquisadores do próprio instituto e de outras partes do país para debater o desenvolvimento em um amplo espectro, desde as questões macroeconômicas até os fundamentos sociais básicos.

O cientista político Gabriel Cohn, professor aposentado da Universidade de São Paulo (USP) e participante do projeto, afirmou a uma publicação do Ipea que o trabalho deixa de lado a perspectiva de apenas remediar problemas. “Retoma a dimensão histórica na reflexão sobre a sociedade e a grande tradição de pensar desenvolvimento como um processo complexo com dimensões que se articulam. Isso é um subsídio essencial para um Estado que tem o dever de voltar a planejar.”

O presidente do Ipea, Marcio Pochmann, ressalta que a entidade tem retomado suas linhas clássicas, fazendo pesquisas atreladas à agenda do país em cada momento. “A sociedade brasileira, em consequência o Estado brasileiro, é de uma complexidade enorme. Pegando qualquer área é um mundo de problemas e desafios. Nós operamos em forma de convênio com os ministérios, cada um tem um acordo-cooperação que diz lá o que vai fazer, quanto tempo, o recurso envolvido”, destacou em entrevista à revista Caros Amigos de agosto.

“Se a gente comparar, por exemplo, com a Argentina, está anos-luz à frente deles porque avançamos no quesito de transparência. Não é só ter indicadores, mas dar transparência a eles”, acrescenta Marcelo Néri, do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas.

Momento
Os dados coletados pelo IBGE e analisados pelo Ipea, exatamente por serem divulgados amplamente, ajudam a suscitar o debate na seara política e na sociedade civil. Por exemplo, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) é importante para debater a prioridade que se dará a obras públicas.

Nesta semana, o IBGE divulgou o estudo “Indicadores de desenvolvimento sustentável”, um amplo painel sobre as mudanças do país ao longo das décadas. A pesquisa detectou que o Produto Interno Bruto (PIB) per capita do Brasil cresceu 21,7% nos últimos 14 anos, mas revelou também que persiste disparidade regional. Ao mesmo tempo, indicou a necessidade de criar unidades de conservação para frear o alto ritmo de devastação do Cerrado.

Martoni Branco destaca que é preciso aproveitar o momento que atravessa o país para aprofundar o planejamento de estudos deste formato. “Essas instituições têm de ser fortalecidas para capturar todas essas circunstâncias, os indicadores, para aperfeiçoar a oferta de informações para os atores da sociedade, já que neste momento o país retoma o hábito de pensar a médio e a longo prazo, pensar o futuro.”

Pochmann, no entanto, adverte que a colocação em prática do planejamento passará fundamentalmente por fazer as reformas que vêm sendo evitadas há tempos. Ainda na entrevista a Caros Amigos, o presidente do Ipea pondera que o Brasil tem hoje uma estrutura fundiária mais concentrada que há 60 anos e conta com péssima distribuição tributária. “Nós estamos iniciando o século XXI com problemas do século XIX, estamos ainda com problemas de países subdesenvolvidos, pois país desenvolvido não tem pobreza, pobreza extrema, tem pobreza relativa, tem outras formas de manifestação da pobreza”, exemplifica. Ele acrescenta que é preciso resolver essas questões para que o país não fique a gerir “o ovo da serpente”.

Da Rede Brasil Atual