Corrupção e falhas de gestores públicos custam R$ 1,8 bilhão por ano ao Estado
Desde a entrada em vigor da Lei de Improbidade Administrativa, em 1992, Justiça paulista examinou 764 ações e bloqueou R$ 5,9 bi
Atos de improbidade por parte de autoridades, incluindo enriquecimento ilícito, má gestão e prejuízo ao Erário, custam ao Estado de São Paulo pelo menos R$ 1,8 bilhão por ano. Só a Promotoria do Patrimônio Público e Social cobra R$ 32,1 bilhões de gestores públicos, com base em 764 ações, de dezembro de 2002 até dezembro de 2009. Por conta delas, já há R$ 5,94 bilhões bloqueados pela Justiça para ressarcir o Tesouro.
Os dados constam de documento divulgado pela Procuradoria Geral de Justiça de São Paulo e levam em conta exclusivamente ações abertas na capital, com base na Lei 8.429/92. No entanto, o texto não aponta os nomes de alvos que a promotoria fustigou nos tribunais.
Os promotores cobravam anteriormente R$ 34,2 bilhões, mas esse valor foi reduzido porque 25 ações que miravam R$ 117,4 milhões foram extintas sem julgamento de mérito e também porque a Justiça declarou improcedentes definitivamente outras 59, que tratavam da recuperação de R$ 1,89 bilhão. Estão em curso 337 ações que pleiteiam R$ 22,7 bilhões.
Sobre essas ações ainda não há decisão judicial. São 211 as ações consideradas procedentes, mas ainda não de forma definitiva, e elas apontam para uma cifra de R$ 8,26 bilhões. Outro R$ 1,1 bilhão envolve 33 ações em execução e 71, julgadas improcedentes não definitivamente.
O relatório foi apresentado na abertura do 1.º Congresso do Patrimônio Público e Social do Ministério Público de São Paulo, evento da Procuradoria Geral de Justiça e da Escola Superior do MP, que reúne promotores e magistrados que se dedicam a combater a corrupção e desvios na administração. “Esses números nos dão um quadro da gravidade da situação que enfrentamos no desempenho de nosso papel constitucional de guardiães da lei e da moralidade pública”, declarou o procurador-geral, Fernando Grella Vieira. Para ele, a instituição “tem feito um esforço muito grande no sentido de combater as práticas ilegais e imorais dos agentes públicos, buscando a punição dos responsáveis, na forma da lei, de forma a desestimular a malversação do dinheiro público e inibir futuras posturas de improbidade administrativa e de corrupção”.
O dossiê foi preparado pelos promotores Saad Mazloum e Silvio Antonio Marques, secretários executivos da Promotoria do Patrimônio, braço do Ministério Público que investiga improbidade. Mazloum e Marques são especialistas nessa função. Nos últimos dez anos, eles e seus colegas conduziram as principais investigações contra prefeitos, secretários municipais e estaduais, presidentes de autarquias e ex-governadores.
Cadastro
O relatório divulgado por Grella mostra que, em São Paulo, há 510 processos cadastrados vinculados ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). O total de condenações perante a Corte paulista é de 1.048. São resultados das ações propostas pelo Ministério Público Estadual. Ainda de acordo com o dossiê apresentado pelo procurador-geral, o número de processos vinculados ao Tribunal Regional Federal da 3.ª Região (TRF-3), oriundos de ações ajuizadas pelo Ministério Público Federal em São Paulo e Mato Grosso do Sul, chega a 7. O total de condenações pelo TRF-3 soma nove.
Do total de condenações por ato de improbidade administrativa na esfera estadual, 1.299 tiveram enquadramento no artigo 11 da lei, que trata sobre os atos que atentam contra os princípios da administração pública – honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições. As condenações pelo Artigo 10, dedicado aos atos que causaram prejuízo ao Erário, somam 1.299. Por último, aparecem as 652 condenações pelo Artigo 9 – auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade.
´O foro privilegiado é porta para a impunidade´
Para promotor Silvio Marques,do Ministério Público de São Paulo, ainda há entraves que levam à lentidão nos processos, como exigência de citação e excesso de recursos
Aos 18 anos, ela precisa mudar. Artífice do Ministério Público na batalha contra políticos e administradores sob suspeita de enriquecimento ilícito e desvio de recursos do Tesouro, a Lei de Improbidade Administrativa esbarra na morosidade da Justiça e se revela insuficiente para levar os réus ao veredicto final.
“Existem vários problemas que precisam ser superados, especialmente com relação ao processo, que é muito demorado por imposições do Congresso”, alerta o promotor Silvio Antonio Marques.
Ao Estado, disse que a lei continua sendo forte aliada, mas sugere alterações no texto para suplantar artimanhas de acusados que contam com os préstimos de bacharéis contratados a peso de ouro.
O que tem de mudar?
Em 2001, o governo editou medida provisória e o Congresso aprovou uma alteração fundamental da Lei 8.429. Incluíram no texto previsão que obriga a Justiça a notificar os acusados, antes da ação, para que se manifestem acerca da acusação contida na petição inicial do Ministério Público. Somente depois da notificação é que o juiz pode decidir pela abertura ou não do processo. Leva tempo demais a execução desse procedimento.
Cite um caso concreto
Em 2004, propusemos ação contra o ex-prefeito Paulo Maluf (1993-1996) por remessa de valores para a Suíça (Maluf nega). Só agora a ação está ingressando na fase de citação de todos os acusados. A citação não pode ser feita sem que se formalize a notificação. Esse ritual prejudica o resultado das ações. E prejudica também o processado que é inocente porque fica anos a fio sob suspeita. É ruim.
O que essa demora causa?
Há testemunhas que esquecem os fatos; algumas morrem no curso do processo. Há casos em que réus também morrem no meio da ação. Um exemplo é o Pitta (ex-prefeito Celso Pitta). Isso leva à impunidade ou mesmo à extinção do feito antes mesmo de o processo ser julgado. O problema é que as leis são feitas por políticos que têm interesse nesse tipo de situação. Infelizmente, só vamos atingir um grau de desenvolvimento quando a classe política for mais responsável.
O superpromotor americano Adam Kaufmann, que atua em Nova York contra o colarinho branco, se disse impressionado com o fato de ações no Brasil se arrastarem por até 20 anos…
Kaufmann tem toda a razão. Por exemplo: é mais fácil quebrar sigilo bancário no exterior. Como se não bastasse o procedimento, que é absolutamente emperrado, ainda existe a atuação de advogados que agem para atrasar o processo para que não transite em julgado.
Sente-se frustrado?
De forma nenhuma. Apesar dos entraves, os resultados estão aí. O Brasil é o único país que tem legislação avançada para coibir a impunidade.
Dezoito anos da lei de improbidade… O que deve mudar?
A lei é forte, mas merece reparos. Primeiro, enxugar o procedimento. Deixá-lo mais célere. Segundo, aumentar o prazo de prescrição, que hoje é de apenas 5 anos. Tem administrador que fica 8 anos no cargo. Quando ele sai, é difícil obter as provas. O tempo para investigar é excessivamente curto. O MP só pode propor ação até 5 anos após o encerramento do mandato para cargos eletivos e comissionados. O prazo de prescrição deve ser mais elástico.
Isso basta?
Seria muito importante dar a delação premiada. Não se pode fazer acordo nos casos de improbidade, só no crime. Então, que haja possibilidade de beneficiar aqueles que colaboram com a investigação, revelando autorias e trajetória de valores.
E o foro privilegiado para políticos. Qual a sua avaliação?
É uma porta aberta para a impunidade.Os dados oficiais mostram que a atuação dos tribunais superiores nessa área é absolutamente insignificante em termos de processos abertos. O foro privilegiado é nocivo ao interesse público. QUEM É Promotor de justiça desde 1991, há 15 anos caça gestores que se apropriam de vantagens ilícitas. Embarca nesta quarta-feira para um curso na Sorbonne (França) sobre cooperação jurídica. Quando retornar, esperam por ele 150 inquéritos – e todos tratam de violações aos princípios do artigo 37 da Constituição – moralidade, economicidade, honestidade.
De O Estado de São Paulo