Secretário de Relações Internacionais da CUT fala sobre atuação do sindicalismo brasileiro no mundo
"Antigamente, éramos chamados para falar de desgraças; hoje, a CUT é chamada para explicar porque o Brasil está dando certo"
Formado em Desenho e Plástica, Educação Artística e História da Arte pela Fundação Educacional de Bauru, João Felício atua a mais de 35 anos como Professor de Educação Artística na rede estadual de ensino de São Paulo.
Militante político desde 1977, é membro fundador da Central Única dos Trabalhadores – CUT e um dos principais responsáveis pela filiação do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (APEOESP) à Central. É integrante da Diretoria Executiva do Instituto Observatório Social – IOS, foi duas vezes Presidente Nacional da CUT e atualmente exerce o cargo de secretário de Relações Internacionais da entidade, função que ocupa desde 2006.
João Felício falou com o Instituto Observatório Social enquanto preparava sua viagem para Assunção, onde participará nos dias 10 a 15 de agosto do Fórum Social das Américas. Nessa entrevista, o secretário de Relações Internacionais da CUT fala sobre a atuação do sindicalismo brasileiro junto às organizações internacionais de trabalhadores, em especial os contatos com centrais sindicais da América Latina e da África. Discute também a relação da CUT com o governo federal e a imagem do presidente Lula fora de nosso país.
INSTITUTO OBSERVATÓRIO SOCIAL – O mundo atual está marcado pela atuação de grandes empresas multinacionais, que atuam de forma decisiva na economia mundial e na vida de milhões de pessoas. Nesse sentido, qual a importância da solidariedade sindical para a luta global dos trabalhadores?
JOÃO FELÍCIO – Nós estamos vivenciando um período no qual há um deslocamento de empresas como nunca antes na nossa história. Milhares de empresas multinacionais, inclusive algumas de origem brasileira, estão instalando suas filiais pelo mundo todo. E da mesma maneira que o capital se desloca com uma rapidez incrível, o movimento sindical também precisa ter uma articulação mais rápida e ágil. Não apenas pelo estabelecimento de laços de solidariedade entre as centrais sindicais e entre povos, mas com ações concretas também, desenvolvendo campanhas locais com o apoio das organizações sindicais internacionais.
O mundo hoje é muito menor. Antigamente, para você fazer uma campanha mundial era muito mais difícil, as relações eram muito mais distantes… Se quisermos fazer com que haja uma aproximação maior e uma unidade da classe trabalhadora, temos que ter solidariedade concreta entre as centrais sindicais. E acho que a CSA nas Américas e a CSI em nível mundial têm pautado com força esse assunto, compreendendo essa necessidade e agindo em busca dessa articulação solidária entre os trabalhadores.
IOS – Como o senhor descreveria a atuação da CUT nesse sentido?
JF – Nós temos aqui na CUT um projeto chamado CUTMulti, que é um exemplo concreto de como efetivar essa solidariedade criando campanhas de abrangência mundial. O CUTMulti tem uma função que não se resume na consolidação de redes. Queremos também um futuro no qual tenhamos em cada multinacional uma efetiva articulação sindical para que possamos organizar campanhas de abrangência nacional e internacional. Além disso, queremos levar solidariedade a partir dessas redes. Tivemos exemplos de lutas, como a dos metalúrgicos da Gerdau nos Estados Unidos e dos mineiros da Vale no Canadá, onde essa solidariedade foi muito importante. Estivemos recentemente em Angola, levando apoio para os trabalhadores da Petrobras no país… Não dá para você simplesmente emitir uma nota de apoio quando um companheiro está engajado em uma luta, você precisa estar do lado dele de forma concreta e efetiva. E acredito que a CUT está contribuindo bastante para isso.
IOS – Entre as atividades da CUT junto aos movimentos sindicais internacionais, chama atenção a presença junto às centrais sindicais da África. O senhor poderia falar um pouco dessas iniciativas?
JF – A CUT participa da CSTLP, que é uma articulação sindical dos países de língua portuguesa da qual participam não só o Brasil, mas também centrais sindicais de Portugal, Angola, Moçambique, Guiné, Cabo Verde e Timor Leste, entre outros. Não é só a língua que nos aproxima: temos também uma proximidade cultural e histórica, como nas relações que tivemos com Portugal e em toda a influência da cultura africana na formação do povo brasileiro.
A CUT tem experiência nas mais variadas áreas – seguridade social, saúde do trabalhador, organização sindical, defesa de direitos, formação… É uma experiência muito rica, e mesmo com todas as deficiências que ainda possamos ter a CUT é um exemplo de organização sindical reconhecida em todo o mundo. A consciência de quais lutas são para o presente e quais são para o futuro, essa combinação de sindicalismo de base com a defesa integral do cidadão… Todas essas são conquistas nascidas da nossa atuação e é essa experiência que queremos passar para nossos companheiros africanos. E aprender com eles também, é claro. O movimento sindical africano com certeza tem muito a nos ensinar, a partir da experiência que tiveram na luta contra o apartheid e o imperialismo de modo geral.
IOS – É uma experiência diferente do que estamos acostumados a ver em termos de sindicalismo…
JF – Nós tínhamos uma dívida. A CUT sempre teve uma relação muito forte com o movimento sindical da Europa e das Américas, mas faltava uma presença maior junto ao movimento sindical africano e em especial com os países africanos de língua portuguesa. Sempre tivemos boas relações com as centrais sindicais africanas, não só com países de língua portuguesa, mas também com países como a África do Sul. Sempre estivemos presentes em congressos deles e eles presentes nos nossos, temos uma relação muito antiga com a África de um modo geral. Mas uma relação mais efetiva mesmo, de parceria e de projetos comuns, é algo que estamos construindo agora. E é preciso levar em conta que hoje em dia a presença do Brasil na África é muito maior do que no passado. Hoje nós temos relações comerciais muito mais estreitas com o continente africano, inclusive com a presença de multinacionais brasileiras, especialmente em Angola. A CUT tem uma grande experiência de organização sindical nessas empresas aqui no Brasil, de modo que levar essa vivência para os companheiros africanos é não apenas um gesto de solidariedade, mas também compreender a necessidade de articulações políticas profundas com todas as centrais sindicais do planeta.
IOS – O posicionamento internacional do governo Lula tem apontado muito nessa direção também, não só pelas relações políticas e comerciais com países africanos, mas também por iniciativas como a Universidade Luso-Afro-Brasileira. Como a CUT recebe essas iniciativas do governo federal?
JF – Somos favoráveis a essa busca permanente do governo Lula pelo estabelecimento de relações solidárias com os países africanos e com esse esforço de consolidar parcerias com outras regiões do mundo. No passado, o governo brasileiro tinha relações comerciais fortes com os EUA e com a União Europeia, mas muito pouco com a África e com o mundo árabe. Tínhamos relações com a Ásia, o Japão e a Coréia do Sul, mas quase nada com a África. O governo Lula ampliou essas relações e isso certamente teve influência sobre os movimentos sindicais de todos os países.
Quando uma multinacional brasileira se desloca para um desses países e o Brasil estabelece relações comerciais com ele, o movimento sindical local acaba querendo conhecer e ter contato com a CUT e com a realidade do Brasil. Há uma curiosidade natural em saber qual tem sido a influência da CUT no governo Lula, um governo com posições mais à esquerda do que qualquer outro em nossa história. Conseguimos eleger um metalúrgico ex-sindicalista e fundador da CUT como Presidente da República e temos orgulho de todos os acertos deste governo nas questões do trabalho, políticas sociais, direitos humanos… Todo mundo nos pergunta a respeito dessas coisas. Antigamente, nós éramos chamados para falar de desgraças; hoje, a CUT é chamada para explicar porque o Brasil está dando certo. A maioria dos movimentos sindicais do mundo acaba tendo grandes divergências com seus governos locais, e nesse sentido o Brasil é hoje um exemplo mundial.
IOS – E a autonomia da CUT, trabalhando tão próxima do governo? Como fica?
JF – Essa é uma pergunta muito comum, até mesmo nos debates e encontros internacionais que participamos. E eu respondo sem nenhum receio, dizendo que a CUT nunca perdeu a sua autonomia. Nós nunca deixamos de fazer greve, por exemplo. É só analisar a nossa base social e verificar que nunca abrimos mão de nossas características e mecanismos de ação. O funcionalismo público federal, que é em sua maioria filiado à CUT, fez várias greves durante o governo Lula. Bancários do Banco do Brasil e da Caixa Federal e os petroleiros ligados à nossa Central sindical também fizeram greves, independente de quem está na presidência. Você ter compromisso com um projeto político, que é muito mais amplo do que uma agenda sindical, é uma coisa; abdicar do seu direito à luta é outra bem diferente.
IOS – Quais são as expectativas da CUT para o Fórum Social das Américas?
JF – A CUT participa do Fórum Social Mundial desde a sua origem, participando do Comitê Mundial e marcando presença com sua base social em todas as edições do evento. Com certeza, o Fórum é o único espaço de discussão que abrange todos os movimentos sociais do mundo, que abre espaço para todos que lutam por um mundo novo e uma sociedade um pouco mais justa. Em função disso, estaremos presentes também no Fórum Social das Américas, participando dos debates e levando nossa contribuição. O Fórum é uma grande quitanda (risos), e digo isso de forma positiva porque lá realmente há espaço para todas as discussões. E foi uma feliz ideia sediar esse evento no Paraguai, um país que viveu décadas de séria exclusão social e que sofreu muito com a ditadura militar. Fazer um Fórum Social no Paraguai é um sinal importante de que é possível sonhar com uma América Latina diferente. Quem é que, vinte anos atrás, imaginava fazer um Fórum Social das Américas no Paraguai? Isso mostra que a América Latina está mudando, em uma direção que nos parece muito positiva.
Do Instituto Observatório Social