África do Sul revoga decisão polêmica de processar mineradores
A promotoria nacional da África do Sul voltou atrás na sua polêmica decisão de processar 270 mineiros pela morte de 34 colegas manifestantes baleados pela polícia em agosto. O anúncio ocorreu em face da indignação que esquentou a política do país.
Num reconhecimento da crise que se abateu sobre o governo do presidente Jacob Zuma após os confrontos na mina da Lonmin PLC, a diretora interina da Autoridade de Promotoria Nacional, Nomgcobo Jiba, disse que retiraria provisoriamente as acusações de homicídio, mesmo que elas houvessem tido mérito legal. Jiba disse que novas acusações seriam apresentadas só depois que a investigação da comissão judicial terminar. Ela disse ainda que os presos que têm um endereço conhecido serão agora libertados.
“A Autoridade de Promotoria Nacional vê com muita seriedade a violência pública que causou ferimentos e a morte de tantas pessoas”, disse ela ontem. Jiba disse que a decisão de retirar no momento as acusações foi tomada depois de deliberações “intensas” com os promotores e a polícia.
Zuma disse no fim de semana que não poderia interferir na decisão da promotoria. Em vez disso, o presidente afirmou que estava aguardando uma recomendação proveniente da investigação da comissão judicial que ele formou depois de a polícia ter atirado nos manifestantes. Os resultados dessa investigação devem ser conhecidos em quatro meses.
Os protestos na terceira maior produtora de platina da África do Sul, e o tiroteio subsequente, geraram críticas severas ao governo Zuma. Os críticos dizem que o presidente demorou para responder e não puniu os aliados políticos que não souberam lidar com os protestos e a ação da polícia. Ao mesmo tempo, Zuma parece disposto a garantir que a crise não prejudique sua candidatura a um segundo mandato como presidente da África do Sul.
As conclusões da investigação só serão reveladas depois de uma conferência decisiva do ANC, como é conhecido o partido governista Congresso Nacional Africano, ainda este ano. Se Zuma for endossado na conferência como líder do partido, ele praticamente garantirá o segundo mandato como presidente, já que o ANC controla o parlamento sul-africano.
A controvérsia jurídica que se seguiu ao tiroteio na mina foi deflagrada quando os promotores procuraram manter presos 270 manifestantes baseando-se na chamada doutrina do propósito comum. Essa lei havia sido usada para reprimir a dissidência durante o apartheid porque permitia aos promotores acusar de um mesmo crime vários membros de um grupo grande. No caso atual, a promotoria apresentou acusações de homicídio e tentativa de homicídio contra aqueles que haviam sido presos durante os confrontos com a polícia em 16 de agosto, na mina de platina Marikana, da Lonmin.
Membros do ANC exigiram explicação para o fato de mineiros estarem sendo acusados pela morte de colegas manifestantes. A maior federação de sindicatos do país, a Cosatu, aliada do ANC, disse que era ultrajante acusar os manifestantes de homicídio e colocar em risco o inquérito organizado pelo presidente. Na sexta, o ministro da Justiça da África do Sul, Jeff Radebe, exigiu explicação do promotor estadual, dizendo que elas haviam causado “choque, pânico e confusão”.
Outros altos líderes do ANC também entraram na briga.
Mathews Phosa, o tesoureiro geral do partido, disse que “acusar os participantes diante de uma Comissão de Inquérito é […] irresponsável, inconcebível e quase absurdo – as consequências […] horríveis demais para imaginar”. O líder da bancada do ANC no parlamento, Mathole Motshekga, disse ontem que estava satisfeito com a decisão, ainda que apoiasse a independência das equipes de promotores.
Embora Jiba tenha defendido ontem as acusações como legalmente justificáveis, ela colocou a culpa da decisão no chefe da promotoria da região Nordeste, Johan Smit, onde fica a mina Marikana. Smit continuava defendendo sua posição, dizendo também que havia mérito legal.
A greve na Lonmin começou em 10 de agosto, quando três mil perfuradores de rocha recusaram-se a descer aos subterrâneos da mina sem um aumento de salário. Conflitos entre os trabalhadores deixaram dez mortos, inclusive dois policiais dias depois.
Em 16 de agosto, a polícia diz ter dado o último de vários avisos antes de fechar o local dos protestos com arame farpado. A polícia diz que um grupo de manifestantes avançou para cima dos policiais e que estes responderam com balas de borracha e jatos d´água, mas não conseguiram repeli-los. Os guardas então recorreram às balas reais, diz a polícia.
Desde então, a agitação no setor de mineração se espalhou. A segunda maior produtora de ouro da África do Sul, a Gold Fields, informou na sexta-feira que estava enfrentando uma greve de 12 mil empregados que na quarta-feira haviam fechado parte da sua mina KDC. A Gold Fields afirmou que os grevistas não fizeram exigência oficial. Mas, baseada nas suas comunicações com alguns funcionários, afirmou a empresa, ela acredita que os empregados podem estar procurando uma nova liderança sindical, semelhante ao que aconteceu em Marikana entre sindicatos estabelecidos e emergentes.
Nas últimas duas semanas, greves ilegais também eclodiram na mina Thembelani, da Anglo American Platinum, onde centenas de empregados se recusaram a descer aos subterrâneos, e uma na mina pertencente à Royal Bafokeng Platinum, que suspendeu brevemente as operações.
No centro dos protestos está a insatisfação com salários e o ritmo lento das mudanças nas condições de trabalho desde o fim do apartheid. O novo sindicato Associação dos Mineiros e Sindicato da Construção aproveitou as reclamações para roubar membros do maior sindicato de mineiros do país, o Sindicato Nacional dos Mineiros. Isso provocou violentos confrontos como o da Lonmin.
Do Valor Econômico