Desemprego leva jovens de volta às salas de aula na Espanha

A crise na Espanha está gerando um fenômeno novo no país: em vez de deixar os estudos em busca de vagas em um mercado de trabalho aquecido, como ocorria nos anos de boom, jovens estão voltando para as salas de aula para tentar fugir do desemprego.

Um levantamento do Instituto Nacional de Estatísticas da Espanha (INE) revela que o número de desempregados entre 20 anos e 24 anos que estudam passou de 193,3 mil no primeiro trimestre de 2011 para 239,1 mil no mesmo período de 2012.

A tendência de buscar saída por meio da formação é atestada também pela queda na evasão escolar entre estudantes de 18 anos a 24 anos, que teve uma redução de 4,7% nos últimos três anos e hoje é de 26,5%, segundo o Ministério da Educação.

A taxa de evasão escolar entre os jovens se mantinha constante antes da crise, com uma média de 30% entre 1997 e 2007, e havia chegado a 31,2% em 2009.

A tendência é estimulada por uma realidade que fica clara nos números. Dados da Eurostat, divulgados em abril, indicam que 51,5% dos jovens entre 15 e 24 anos estão desempregados, o que deixa a Espanha com a segunda taxa de desemprego juvenil mais elevada da Europa, atrás apenas da Grécia.

Qualificação profissional
Sheila Barco Zarroca, de 19 anos, é uma das jovens na crescente lista de desempregados na Espanha. Como não encontra trabalho e se vê sem perspectivas imediatas de emprego, decidiu se dedicar aos estudos. Acaba de se matricular em um curso de formação de pessoas adultas, equivalente a um pré-vestibular. Ela pretende cursar a faculdade de Assistência Social.

Quando terminou o ensino básico obrigatório (similar ao ensino médio), Sheila começou os estudos que precedem os cursos superiores, mas, em dois meses, abandonou as aulas para trabalhar em uma loja de brinquedos. Recentemente, fez um curso de formação de auxiliar administrativo e um estágio remunerado, mas ficou sem trabalho e recebe seguro-desemprego.

“O problema é que as empresas estão exigindo cada vez mais experiência e formação. Fazem contratos mais curtos, mas exigem muito do candidato”, critica a jovem, que durante um verão trabalhou no serviço de limpeza do zoológico de Barcelona. “Para esse tipo de trabalho, também exigem mais formação”, disse à BBC Brasil.

Sheila acredita que as empresas deveriam facilitar a experiência e incentivar o aprendizado dos jovens. “Em vez de somente receber o seguro-desemprego e ficar parados, devíamos ter um novo posto de trabalho”, sugere.

Para os próximos cinco anos, a jovem espera poder se dedicar à universidade. “Quero conseguir os melhores resultados possíveis para atender os requisitos do mercado de trabalho”, justifica. Ela revela que seu sonho profissional é atuar em centro de menores abandonados, ajudar famílias desamparadas e pessoas na prisão.

Para mudar esse cenário e também como forma de combater a crise, faculdades e cursos privados focam nessa grande parcela de jovens desempregados e desenvolvem cursos específicos de qualificação voltada para o mercado de trabalho.

A vida toda
Para Ernesto Villalba-Garcia, especialista em Educação Comparativa do Centro Europeu para o Desenvolvimento da Formação Profissional (Cedefop), esse fenômeno social é uma consequência natural da crise. “Como não encontram alternativa de emprego, a única opção para os jovens é voltar a estudar. Na Espanha, essa mudança é mais marcante do que em outros países”, compara.

Villalba-Garcia acrescenta que a crise e o desemprego são mais severos com as pessoas que têm pouca qualificação profissional, por isso apoia as iniciativas de organizações internacionais que desenvolvem projetos de qualificação profissional permanente, ao longo da vida produtiva do trabalhador.

O Serviço de Ocupação da Catalunha (SOC), órgão do governo local, oferece cursos para pessoas desempregadas ou que buscam uma reciclagem profissional.

Villaba-Garcia acredita que o desemprego pode ter uma consequência positiva no longo prazo, na medida em que se busca mais formação, pois isso gera mão de obra mais qualificada. Portanto, ressalta, “é importante que essa formação seja direcionada a áreas que o país mais demanda”.

O especialista do Cedefop alerta que com a crise muitos países têm reduzido o orçamento dedicado a Educação, como é o caso da Espanha. “Isso pode ter consequências catastróficas, já que os sistemas educativos terão de suportar um número maior de alunos com menos dinheiro. Se as pessoas têm menos poder aquisitivo, será muito difícil proporcioná-las uma educação de qualidade sem contribuição adicional do Estado”, conclui Villaba-Garcia.

Da BBC