Ocaso da revolução anunciada na Inglaterra
Muitos aqui ainda lembram de uma fria tarde de sábado no final de março quando quase meio milhão de pessoas das mais diferentes origens inundaram as ruas da capital britânica na maior manifestação dos movimentos sociais voltada para a política interna em gerações. Porém, três meses depois de uma multidão causar calafrios espinha acima nos membros da coalizão governista em Westminster, levando a crer que a temperatura política subiria exponencialmente com a chegada do Verão da Austeridade inglês, muito pouco daquilo que se esperava aconteceu.
Oportunidades não faltaram. Enquanto espanhóis e gregos transformaram suas capitais em cartões postais da resistência ao corrente assalto aos orçamentos públicos europeus, na Inglaterra, apenas na última quinta-feira uma grande greve do setor público atraiu uma marcha notável às ruas de dezenas de cidades britânicas – 100 mil pessoas no país inteiro, 30 mil delas em Londres.
Muito pouco para um movimento que, em partes, chegou a ambicionar transformar a histórica praça Trafalgar – centro do coração político de Londres – em uma versão europeia da praça Tahrir, palco onde os egípcios exorcizaram alguns de seus fantasmas políticos nos primeiros meses de 2011.
A greve da semana passada – que fechou completamente 6 mil escolas no país e parcialmente outras 5 mil – foi causada pela disputa dos sindicatos com o governo sobre uma reforma nas regras da aposentadoria, com aumento de tempo e valor de contribuição.
Mas nem entre a oposição houve consenso. Quatro sindicatos, representando 750 mil servidores públicos e professores, resolveram seguir adiante com a greve enquanto que o líder do Partido Trabalhista, Ed Milliband, concedia uma uma entrevista robótica, onde declarava que “a greve é errada no momento em que a negociação ainda está em andamento.” Seu nome foi vaiado durante as marchas grevistas.
Apesar de o apoio aos grevistas, registrado em pesquisas de opinião, não ser baixo – 40% do público britânico favoráveis à greve e 49% contrários –, se as manchetes dos jornais de sexta-feira, servissem de alguma referência de sucesso o quadro não era dos mais entusiasmantes. Mesmo os progressistas The Guardian e The Independent dedicaram suas manchetes principais a outros assuntos.
Alguns acreditam que a explicação para a momentânea calmaria no cenário político esteja no fato de a população não ter sentido a lancinante dor prevista pelos analistas a respeito dos cortes de orçamento. Isso, aliado à necessidade de redescobrir a politização depois de gerações de desengajamento causado por décadas de pujança econômica.
“Com frequência, não é antes do segundo ou terceiro ano que os índices de aprovação dos governos britânicos começam a cair. E a Grã-Bretanha, como muitas outras democracias ricas, está apenas emergindo de um longo período de despolitização”, arriscou Andy Beckett, em uma reportagem para o The Guardian na semana passada, avaliando por que os protestos esfriaram nos últimos meses. “As ações anti-governo até agora tem pelo menos reestabelecido a ideia de que protestar pode fazer sentido e ser até mesmo divertido. E assim como os cortes tem se mostrado estar longe de ser o evento apocalíptico que muitos temiam, mas antes uma erosão constante e silenciosa, os protestos podem não ferir o governo imediatamente, mas ir consumindo sua legitimidade por anos até que sua estrutura corroída desmorone”, escreveu Beckett.
Essa opinião pode ser embasada no resultado de pesquisas recentes. Nos últimos quatro meses caiu em quase 20 pontos percentuais a quantidade de pessoas que acredita que a economia britânica irá piorar. Em maio, pela primeira vez em quase doze meses, essa visão acabou ultrapassada pelos que enxergam um futuro estável à frente – um mês depois dos cortes terem sido colocados em prática com a chegada do novo ano fiscal britânico, em abril.
O que, porém, não pode ser confundido com apoio entusiasmado ao governo conservador (30% de aprovação contra 58% de desaprovação) ou ao modo que vem conduzindo a economia (57% ruim ou péssimo contra 35% bom ou ótimo).
Na semana passada, a principal central sindical britânica chamou dois dos principais grupos de ação direta para uma reunião estratégica sobre atuação conjunta nos meses que se seguem. Embora já tenham andado lado a lado em manifestações passadas, essa é a primeira vez que grupos políticos tradicionais como os sindicatos se articulam com movimentos autônomos diretamente relacionados à luta contra os cortes de orçamento desde que eles primeiro surgiram no cenário político britânico no final do ano passado.
“Precisamos de uma unidade verdadeira de todos os grupos que se opõem aos cortes”, disse ao The Guardian, na semana passada, um representante do Coalition of Resistance, um dos grupos convidados para reunir-se com a TUC para traçar estratégias para ampliar a luta contra os cortes de orçamento. “É encorajador ver que a TUC busca se encontrar com grupos diferentes e nós estamos ansiosos para trabalhar com eles para construir um grupo contra os cortes nos meses que virão”, reagiu a UK Uncut, o maior e mais notório grupo de ação direta em atividade nas ilhas britânicas na atualidade e que conseguiu espalhar seus métodos, slogans e símbolos para ativistas gregos, espanhóis e portugueses.
Da Carta Maior