Recuo da esquerda em Portugal segue tendência europeia

A esquerda portuguesa perdeu representatividade no Parlamento nas eleições legislativas deste domingo (05/06). De 128 cadeiras em 2009, os partidos Socialista, Verdes e Bloco de Esquerda conseguiram 97. É o pior resultado desde 1991. A direita, por sua vez, saltou de 102 para 129, no melhor desempenho desde a reeleição do atual presidente Cavaco Silva, há 20 anos. Faltam ainda quatro assentos que ainda não foram definidos.

O resultado segue a tendência na Europa desde que a crise começou em 2008. Em agosto de 2010, os trabalhistas deixaram o poder na Inglaterra. Na Irlanda, em fevereiro, o Fine Gael, de centro-direita, teve 36% dos votos contra 17,4% do Fianna Fail. Apenas a Grécia e Espanha mantém um governo de esquerda. Ainda assim, em maio deste ano o conservador Partido Progressista espanhol teve uma vitória esmagadora nas regionais e municipais, uma derrota para o premiê socialista José Luiz Rodríguez Zapatero.

“Não é o partido que costumo votar, mas é o que me parece mais coerente”, diz Felipe Teixeira, gestor de apoio ao cliente, de 26 anos, sobre a escolha de trocar os socialistas pelo conservador CDS nestas eleições.

Outro sinal de guinada à direita é o desempenho do Partido Nacional Renovador, contrário à Revolução dos Cravos, que em 1974 restabeleceu a democracia em Portugal, e crítico ferrenho da imigração – associada no discurso à criminalidade. Embora não tenha conseguido eleger nenhum deputado, teve 17,6 mil votos, ou 0,32% do total de válidos, ante 4,7 mil ou 0,09% em 2002.

Nestas eleições, a linha que separou os socialistas e o resto da esquerda portuguesa – divisão que remonta a 1974 – foi o apoio à intervenção externa. No governo, o PS foi o único partido desse espectro político a comprometer-se com o cumprimento do memorando de entendimento assinado com o FMI (Fundo Monetário Internacional) e a Comissão Europeia em troca dos 78 bilhões de euros (180 bilhões de reais), apesar das declarações de Sócrates contra o empréstimo. O Bloco de Esquerda e Comunistas foram contra. CDS e PSD, os vencedores, foram a favor.

“O BE tinha uma tarefa que era demonstrar que o FMI é o pior caminho a seguir. Não conseguimos transmitir essa ideia”, disse ao Opera Mundi José Gusmão, agora ex-deputado por Santarém. Para ele, o resultado não quer dizer que os portugueses sejam favoráveis à intervenção, mas a entendem “como inevitável e, mesmo dolorosa, vai resolver os problemas. É evidente que não vai ser nenhuma das duas coisas”.
 
Liderado por Francisco Louçã, o BE foi o principal derrotado. Fundado em 1998, vinha em constante ascensão. Nestas eleições perdeu metade das cadeiras, e voltou ao número que tinha em 2005. Em março, quando o governo Sócrates já balançava e os sociais-democratas tinham larga vantagem nas pesquisas de intenção de voto, o partido propôs ao Parlamento a derrubada do premiê, para logo depois desistir da proposta.

Para o economista João Sousa Andrade, da Universidade de Coimbra, trata-se não de uma perda, mas de uma volta à normalidade. “O Bloco de Esquerda apresentou-se como uma alternativa para as questões polêmicas (como a legalização do aborto ou casamento entre pessoas do mesmo sexo, aprovados respectivamente em 2007 e 2010). Uma vez esgotado esse aspecto, voltaram a seu nível”. Questionado se o BE mudará a sua liderança, Gusmão diz que ainda nada está definido.

Os comunistas e os verdes – que concorrem em coligação – mantiveram-se na média dos últimos anos, com 16 cadeiras. O resultado, ainda assim, fica muito abaixo das 31 obtidas em 1987.

PS desgastado
Um dos eleitores do PS, o industrial Manuel Ferreira, de 70 anos, aguardava alguns parentes votarem no Liceu Camões, em Lisboa. E já esperava a derrota dos socialistas. “Votei no PS porque é o melhor. Mas acredito que vai perder. Não há motivos para votar nos outros”, afirmou, criticando a oposição à direita. “Ficaram falando de bancarrota e o país foi à falência.”

Desde 2009, Sócrates apresentou quatro pacotes de austeridade. As medidas cortaram salários públicos, aumentaram duas vezes o IVA (semelhante em abrangência ao ICMS no Brasil) e as contribuições do imposto de renda, congelaram aposentadorias e investimentos.

A soma de mais impostos com o freio nos gastos imposto pela necessidade de baixar o déficit, em um país onde a participação do Estado na economia é expressiva, ajudou a agravar os indicadores macroeconômicos. A economia na zona euro (que reúne, hoje 17 países) voltou a crescer em 2010. Portugal terá retração do PIB em neste e no ano que vem, segundo o Eurostat – órgão de estatísticas da União Europeia – ou, no máximo, crescer 0,3% em 2012, segundo o Banco Central Europeu.

O desemprego, em setembro de 2008, era de 7,8% – o mesmo da média da zona euro. Em 2010, ano em que o governo aprovou três pacotes de austeridade, disparou, enquanto na moeda única começou a estabilizar e mesmo entrou em queda. Em abril, estava em 12,6% – recorde histórico. 

Sócrates, que levou os socialistas à sua primeira maioria absoluta em 2005, demitiu-se do cargo de secretário geral ainda antes do fim da apuração. “Votei no PSD porque quero que Sócrates vá embora. Já votei no PS, mas não no Sócrates”, disse o médico Nuno Lousada, de 55 anos. Questionado se foi, então, um voto útil, respondeu: “É quase isso. Na democracia não se vota na perfeição”.

“Foi certamente o pior desempenho do Partido Socialista nos últimos 20 anos”, opinou o cientista político Carlos Jalali, da Universidade de Aveiro. Para ele, o alto índice de abstenção – 41,1%, recorde histórico – penalizou, sobretudo, o PS. “Eleitores do PSD que em 2005 e 2009 ficaram em casa talvez tenham votado este ano. O partido soube tirar proveito da insatisfação e impopularidade com o PS”, completou.

O ex-premiê também se demonstrou disponível para o diálogo com o PSD. Entretanto, capazes de constituir maioria com o CDS, os social-democratas descartam qualquer possibilidade de trazer os socialistas para o governo. “Faremos uma oposição construtiva”, disse o deputado socialista José Lello, reeleito pelo Porto.

Liberal
O governo será comandado pelo economista Pedro Passos Coelho. De currículo político mais tímido que o de Sócrates, foi deputado e vereador, mas nunca ocupou um cargo no governo central. Dentro do PSD, do qual é presidente, é considerado de uma ala mais liberal do que a de Manuela Ferreira Leite, que perdeu as eleições para os socialistas em 2009, e é mais próxima do presidente Aníbal Cavaco Silva.

“Estamos num período difícil, mas o país começará a ter prosperidade dentro de dois ou três anos”, disse Pedro Passos Coelho, ao votar. As negociações com o CDS para formar o novo governo, que deverá ser aceito pelo presidente Cavaco Silva começam ainda hoje.

Antes e durante a campanha, os social-democratas defenderam um projeto mais agressivo de diminuição do Estado. Um exemplo é a proposta de fazer ampliar o programa de privatizações para além daquilo que foi definido no acordo com o FMI e a CE. O PSD também indicou que pretende diminuir mais as contribuições patronais do que o PS defendeu que faria – como forma de diminuir o custo do trabalho.  Nesse âmbito, prevê ainda a possibilidade de liberar o empregador de justificar a demissão – dentro de uma percentagem máxima.

Para Sousa Andrade, da Universidade de Coimbra, o resultado é positivo do ponto de vista da crise da dívida e da credibilidade portuguesas. “Há uma mudança que se traduz numa crítica aos gastos excessivos do Estado”.

Passos Coelho também demonstrou uma postura mais conservadora em relação a temas relacionados a valores. Ainda em pré-campanha, em maio, admitiu a possibilidade de que o país fizesse um novo referendo sobre a legalização do aborto com a possibilidade de rever a lei. Em 2007, após consulta popular, o Parlamento aprovou a interrupção voluntária da gravidez, por iniciativa do PS e da oposição de esquerda. Desde então, Portugal também autorizou o casamento entre pessoas do mesmo sexo e a mudança de sexo sem necessidade de autorização judicial.

Para António Costa Pinto, ex-presidente da Associação Portuguesa de Ciência Política, os social-democratas devem evitar, porém, gerar discussões que possam causar atritos com a esquerda. “Não é de acreditar que na atual conjuntura, centrada na dimensão econômica, serão retomados assuntos como o aborto”, disse. “São temas considerados, agora, como de segunda ordem”, concluiu.

Do Opera Mundi