Esquerda e sindicatos tentam bloquear reforma das aposentadorias na França

O projeto de lei, que pretende acrescentar dois anos ao período de contribuição social, deverá ser votado nesta quinta-feira

À véspera da votação da reforma das aposentadorias na França, a esquerda do País se uniu aos sindicatos e pede ao governo que suspenda temporariamente o debate em torno do projeto de lei que visa a aumentar a idade mínima para a aposentadoria de 60 para 62 anos. O texto, que já passou pelo crivo dos deputados na Assembleia Nacional, começou a ser apreciado nesta quarta-feira pelos senadores e deverá ser votado nesta quinta-feira.

O debate do projeto de lei começou na tarde desta quarta-feira e provocou momentos de euforia entre os senadores. Unidos, os presidentes dos quatro grupos representantes da esquerda (socialistas, comunistas, verdes e radicais) solicitaram que o presidente da República, Nicolas Sarkozy, ouça o recado das ruas e cancele a votação desta quinta-feira.

“Ainda é tempo, senhor presidente, de o senhor ouvir os franceses e debater com eles os principais pontos desta reforma”, afirmou o presidente do grupo socialista, senador Jean-Pierre Bel. “Apelamos solenemente ao presidente da República: suspenda o debate [do texto no Senado], retome o diálogo, perceba o momento, seja sábio. Não permita que este país caminhe em direção a um bloqueio.”

Instantes depois, o ministro do Trabalho, Eric Woerth, manteve a posição do governo em não ceder às pressões. “Não há nenhuma razão para interrompermos os debates no Senado e não o faremos”, afirmou Woerth. “Essa reforma não é nem fácil, nem demagógica: ela é necessária.”

 O ministro alegou que “o texto não caiu do céu” e que o momento de discuti-lo já ocorreu. Ele especificou que 18 pontos-chave, “envolvendo bilhões de euros”, foram modificados ao longo dos debates preliminares.          

Protestos

Do lado de fora do Senado, um grupo de manifestantes liderado por sindicatos pedia o cancelamento da pauta do dia. “Se o governo quer ser surdo, nós também seremos”, gritavam. Nesta quinta-feira, uma reunião do grupo intersindical vai determinar a continuidade do movimento e se haverá uma sétima data de protestos massivos nas ruas.

Esta terça-feira foi o sexto dia de protestos contra a reforma das aposentadorias, com manifestações que reuniram entre 1,1 milhão, de acordo com o Ministério do Interior, e 3,5 milhões de pessoas, na contagem dos sindicatos. Além disso, há três dias o bloqueio das refinarias e reservatórios de petróleo por grevistas começou a ser sentido nas principais cidades do País e a provocar problemas de abastecimento.

A tendência, no entanto, é pela permanência das mobilizações, sobretudo depois que o presidente Sarkozy ordenou a reabertura compulsória de três reservatórios de petróleo, cujo bloqueio começava a provocar sérios problemas de abastecimento de combustível em Paris e seus entornos. “Ele decretou guerra ao mundo do trabalho, aos direitos sociais adquiridos e, hoje, guerra ao direito da greve. Estamos dispostos a seguir o movimento por quanto tempo for necessário, até ele [Sarkozy] escutar o povo”, disse Charles Foulard, coordenador da CGT-Total, um dos sindicatos dos trabalhadores da refinaria Total. Embora descontentes, os grevistas não impuseram dificuldades à abertura das três distribuidoras, realizada pela polícia entre o final da madrugada e a manhã desta quinta-feira.

Um terço dos postos de gasolina do país continua afetado pela falta de combustíveis. As quatro regiões que mais sofrem são a Normandia, a Champagne-Ardenne, Ile-de-France (onse se encontra Paris) e a Picardie, todas na metade norte da França.

Sarkozy, por sua parte, permanece inflexível e disse que a reforma das aposentadorias “vai ser levada até o fim”. O presidente reafirmou sua determinação pouco depois de anunciar que, se necessário, iria desbloquear todos os depósitos de combustíveis para “colocar fim à desordem”.

Apesar de as manifestações terem se concentrado em torno das refinarias bloqueadas – portanto longe das cidades –, novos confrontos entre grupos de jovens e a polícia foram registrados em Nanterre e em Lyon, além de outros tumultos isolados em cidades menores. Em Nanterre, na região metropolitana de Paris, cerca de 200 adolescentes bloquearam pelo terceiro dia consecutivo o acesso ao colégio Joliot-Curie, puseram fogo em um carro e quebraram vitrines de lojas. Com a chegada da polícia, os jovens atiravam pedras e fogos de artifício, mas recuavam a cada avanço dos policiais. O tumulto se encerrou sem vítimas por volta do meio-dia (8h em Brasília). Três jovens foram detidos.

Já a cidade de Lyon, no centro da França, que tem se destacado como a cidade com os protestos mais violentos, não recebeu nada bem a presença do ministro do Interior, Brice Hortefeux. Durante uma visita ao centro do município, Hortefeux sofreu incessantes insultos verbais, enquanto grupos de jovens provocavam tumultos nas ruas adjacentes, controlados pela polícia. Em declaração, o ministro ressaltou que “a França não pertence nem aos vândalos, nem aos saqueadores.”

Desde o início dos protestos, grupos de jovens violentos têm se infiltrado nos cortejos dos estudantes, provocando confusão e quebra-quebra. No final de semana, um estudante foi atingido por um tiro de bala de borracha dado pela polícia para controlar um destes tumultos, em Montreuil (periferia da capital).

Nos transportes em Paris, a circulação de ônibus, metrôs e trens era quase normal. Nos trens intermunicipais, no entanto, a perturbação segue intensa, devido à paralisação parcial dos funcionários e maquinistas. Além disso, cinco das 83 universidades francesas permanecem sem aulas, enquanto que o acesso aos principais aeroportos do País, Charles de Gaulle e Orly, apresenta dificuldades por bloqueios temporários das estradas. Os voos estão operando normalmente.

Do IG