Protestos contra reforma da previdência na França unem sindicatos com posições divergentes

Uma paralisação de 24 horas e manifestações nas principais cidades da França tentaram pressionar o governo do país contra o projeto de lei da reforma da previdência nesta quinta-feira (23/9). Cerca de 1 milhão de pessoas (segundo a polícia) ou 3 milhões (para os sindicatos) saíram as ruas contra a medida. Os transportes públicos foram afetados – metrô, trens, ônibus – assim como escolas, hospitais e os correios. Parte dos voos foi suspensa nos principais aeroportos do país, como Orly e Roissy-Charles de Gaulle.

O texto, que institui o aumento da idade mínima da aposentadoria de 60 para 62 anos a partir de 2018, foi provado pela Assembleia Nacional na semana passada. Agora, depende da votação no Senado prevista para o início do mês de outubro.

“Enquanto a reforma não passar no Senado, nós temos todas as possibilidades de agir”, acredita Bernadette Groison, secretária-geral da FSU (Federação Sindical Unitária), que agrupa os funcionários públicos.

Para o governo, a reforma representaria 20 bilhões de euros (46 bilhões de reais) a mais na receita nos próximos oito anos. O valor, no entanto, é menos que a metade do déficit da previdência social.

“É uma reforma que não será suficiente. Nós teremos que debater tudo de novo daqui a alguns anos”, denuncia Carole Couvert, secretária-geral da CFE-CGC (Confederação Francesa de Gestão-Confederação Geral de Executivos), que reúne os profissionais com nível superior.

Financiamento
Além da idade mínima para parar de trabalhar, outra questão central é a forma como as aposentadorias serão financiadas. A central sindical dos servidores públicos acredita que o projeto atual deve ser descartado e uma nova reforma deve começar “do zero”.

“Para assegurar o sistema, todo mundo deve participar do financiamento. As empresas devem contribuir e as pessoas com altos recursos também”, defende Groison, que propõe ainda uma reforma do sistema tributário, para que os impostos possam bancar a previdência. “A ideia é fazer outra reforma da previdência”, acrescenta.

Já CFE-CGC tem posição moderada e não deseja a retirada do projeto. Ela se contentaria em ver algumas modificações incorporadas ao projeto.

“Nós não temos o hábito de sair às ruas, mas quando o governo não escuta a gente e com um texto que é mais perigoso depois da aprovação da Assembleia, nosso papel é de alertar e de pressionar para que, no Senado, esse texto se torne coerente em relação ao financiamento”, afirma Couvert.

Dinheiro público 
De acordo com o economista Hénri Sterdyniak, do Observatório Francês de Conjunturas Econômicas, ”há um preço a ser pago pelos trabalhadores”. Para continuar tendo os 60 anos como idade-base, calcula ele, seria preciso aumentar o volume de contribuições em cerca de 5%. “É preciso que os trabalhadores aceitem uma diminuição dos salários para ter uma aposentadoria satisfatória”, diz.

O valor das aposentadorias na França é um dos mais elevados do mundo. Mas, em contrapartida, as empresas pagam taxas de cotização altas.

“Com a reforma, degradamos um pouco o modelo francês, porque diminui o montante das aposentadorias e incita as pessoas a trabalhar mais. O governo se recusa a aumentar a contribuição, pois acha que ela já é elevada”, explica Sterdyniak.

Para o economista, o sistema francês é extremamente generoso. “É lamentável que não se chegue na França a um consenso social como nos países escandinavos, permitindo sustentar os assalariados e melhorar as condições de trabalho. Esperamos uma política de emprego vigorosa agora e não outra reforma da previdência depois”, esclarece Sterdyniak.

Cabo de guerra
Em pesquisas realizadas recentemente, dois em cada três franceses acham a reforma injusta. “O governo se sente obrigado a fazer a reforma e os trabalhadores estão inquietos”, garante Sterdyniak.

Mesmo sem mudar a base do projeto, o presidente Nicolas Sarkozy já admitiu emendas. Os profissionais que trabalham em atividades insalubres, como as expostas a substâncias tóxicas ou de grande desgaste físico, terão a aposentadoria mantida aos 60 anos, se forem considerados incapacitados a 10% em vez dos 20% anteriores. Os que começaram a trabalhar antes dos 18 anos também não sofrerão o acréscimo, desde que cumpram o tempo de contribuição.

Mas os sindicalistas esperam concessões que beneficiem principalmente as mulheres, que já sofrem com salários e aposentadorias inferiores aos dos homens. Uma reunião na manhã desta sexta-feira (24/9) deve decidir a realização de novas greves e manifestações nas próximas semanas.

Velho continente
O aumento da expectativa de vida no continente e o envelhecimento populacional são somados à chegada dos jovens ao mercado de trabalho cada vez mais tarde. “Hoje em dia, uma pessoa de 30 anos tem sete trimestres a menos validados do que alguém da geração de 1950. É preciso levar em conta essa realidade e os anos de estudo no cálculo da aposentadoria”, aponta Couvert.

“Na Europa, em vários países estamos colocando em prática políticas austeras, diminuindo as despesas públicas e sociais. O risco é de que a Europa se aprofunde na crise e que não tenhamos uma política econômica suficientemente ativa”, teme o economista. Para ele, a pressão do mercado financeiro pode levar à diminuição dos gastos públicos, sem que haja um plano econômico de expansão em paralelo.

“Não à austeridade. Prioridade ao emprego e ao crescimento” é o lema da ação organizada pela CSE (Confederação dos Sindicatos Europeus), prevista para o dia 29 em Bruxelas e nas principais capitais europeias. Segundo a central, países do continente estariam descontando o custo da crise provocada pela especulação financeira nos serviços públicos, aposentadorias e assistências sociais.

A Grécia é o maior exemplo da adoção de cortes orçamentários para superar as dificuldades econômicas. O país vem sendo abalado por greves desde o início do ano. Na mais recente delas, caminhoneiros bloquearam estradas e chegaram a provocar desabastecimento nas cidades, pela segunda vez no ano.

Do Opera Mundi