Operários soterrados no Chile improvisam para sobreviver
Até serem descobertos pelas equipes de resgate na superfície, sua sobrevivência era garantida a base de colheradas de atum e meia garrafa de leite a cada 48 horas, tudo racionado na incerteza de que seriam descobertos.
Agora, enquanto a escavadora avança na construção do túnel que os salvará, os mineiros não param de receber, nem mesmo à noite, mantimentos enviados através das “palomas” – apelido dado aos cilindros usados para transportar alimentos pelos estreitos túneis usados para comunicação com o mundo exterior.
Mas as autoridades chilenas e as equipes de resgate têm uma tarefa difícil pela frente, e manter o ânimo dos mineiros se tornou uma das principais preocupações da Operação San Lorenzo, como foi apelidado o resgate. Serão pelo menos cem dias sem luz natural. Por isso, a vida sob a terra é planejada em detalhes, com uma rigorosa rotina planejada na superfície e executada lá embaixo, ocupando o tempo e a mente dos mineiros.
Ordem e rotina
A jornada divide-se em dia e noite demarcadas por luzes artificiais. Essa distinção, segundo os psicólogos, é fundamental para regular o ritmo corporal. “Todos já estabeleceram um padrão de sono. Alguns estavam com dificuldades para dormir, mas isso se normalizou”, disse à BBC Mundo Alberto Iturra, líder da equipe de psicólogos da operação.
Fisicamente estabilizados, chegou a hora de os mineiros começarem a trabalhar. Em quê? São várias as tarefas do mundo subterrâneo. Divididos em grupos, os homens cumprem turnos de oito horas de tarefas seguidas de descanso, como era a sua rotina antes do acidente, no dia 5 de agosto.
Os mineiros também estão realizando medições técnicas dentro da mina, que são repassadas às equipes de resgate. Nos últimos dias, eles inspecionaram o estado das covas e rampas dentro da mina e acabaram mudando a sua “base de operações”, por causa do acúmulo de água provocado pela perfuração da máquina.
Vídeo revelador
O primeiro vídeo gravado dentro da mina e enviado aos familiares, em 26 de agosto, foi revelador em muitos sentidos. Nele, era possível ver uma “sala de jogos” para os momentos de ócio, um setor com duchas que aproveitava água natural para banhos, um dormitório, uma dispensa para armazenamento de mercadorias recebidas e até uma “clínica” médica, onde eram realizados exames de saúde.
Espaço não falta. Os mineiros dispõem de mais de 1,5 quilômetros de corredores. Ainda assim, boa parte desse espaço não está sendo usada, pois há temores de novos deslizamentos. O espaço considerado mais seguro tem 40 metros quadrados de superfície e quatro de altura.
´Palomas´
Um gráfico desenhado pelos próprios mineiros e publicado pelo jornal La Tercera mostra os três grupos da mina, apelidados de “refúgio”, “rampa” e “105” (em referência ao setor da mina onde cada um se encontra). Cada grupo tem um líder: Omar Reygadas, Carlos Barrios e Raúl Bustos, respectivamente. O estabelecimento de hierarquias é recomendado pelos especialistas, para que se evitem conflitos.
Também há um mineiro “enfermeiro”, encarregado de administrar vacinas e fazer exames médicos solicitados pelas autoridades. Os médicos sugeriram que os mineiros façam exercícios de relaxamento e mantenham uma rotina de ginástica para fortalecimento dos músculos. Manter baixo peso também é considerado essencial, já que eles terão de passar por um túnel de 60 centímetros de diâmetro.
O restante do tempo é de ócio. Mesmo assim, os mineiros têm bastante para se manter ocupados: eles recebem revistas, Bíblias, jogos de dados e dominó. Eles mesmos escolheram as músicas que foram colocadas em aparelhos de mp3 enviados por “palomas”.
Os estilos musicais favoritos são ranchera, cumbia e reggaeton, todos muito populares no Chile. Um miniprojetor de alta definição permite que filmes sejam projetados dentro da mina. As autoridades debatem quais conteúdos são os mais apropriados para serem mostrados, para que eles continuem animados.
Entre o conteúdo mostrado estão partidas de futebol do campeonato chileno. Eles também receberam um PlayStation portátil. Material de estudo também foi enviado para o interior da mina. Entre os livros, estão alguns manuais de oratória, para prepará-los para a voracidade da mídia que os espera após o resgate.
Dieta
A dieta do grupo é rigorosamente controlada. Cada um ingere diariamente 2 mil calorias de alimentos e cinco litros de água, indispensáveis para se combater a desidratação em um ambiente com temperaturas que podem superar 30ºC.
Nelly Galeb, dona da empresa que está fornecendo os alimentos aos mineiros, disse à BBC que, por recomendação dos nutricionistas, as porções diárias têm no máximo 200 gramas de carboidratos.
Até o momento, eles não puderam receber álcool, nem cigarros. No entanto, os fumantes, que são mais da metade do grupo, receberam adesivos de nicotina. O ministro da Saúde, Jaime Mañalich, não descartou o envio de 33 copos de vinho no próximo dia 18, quando se comemora o bicentenário do Chile.
Do Vermelho, com agências