Há 27 anos, política salarial da ditadura era derrotada

Em 8 de novembro de 1983, 60 mil trabalhadores saíram às ruas para protestar contra reajuste de no máximo 80% da inflação


Foto: Marcos Manocchi

As greves realizadas pelos metalúrgicos do ABC a partir de 8 de novembro de 1983 foram mais uma etapa de um processo de lutas desencadeadas pelos trabalhadores contra a política econômica de arrocho salarial que o governo do general João Figueiredo quis impor durante todo o ano para o País cumprir o acordo assinado com o Fundo Monetário Internacional (FMI).

Naquele dia 8, cerca de 60 mil trabalhadores entraram em greve e saíram às ruas de São Bernardo para se concentrar no Paço. As paralisações passavam por cima do decreto 2065, baixado pelo governo federal para impor reajuste salarial de, no máximo, 80% da inflação.

Como a inflação atingira 62%, o reajuste seria de apenas 50%. Mas, com a greve, os metalúrgicos do ABC garantiram a reposição integral da inflação, em movimento que se estendeu por todo o País com novas vitórias.

Na prática, aquelas greves sepultaram a política de arrocho salarial da ditadura e desmoralizaram a política econômica do regime militar.

Os decretos 2012, 2024, 2045…
O ano de 1983 foi muito difícil para os trabalhadores. A política econômica recessiva causada pelo acordo com o FMI causou milhares de demissões logo em janeiro. Só a indústria paulista demitiu 47 mil.

Essa situação provocou grande descontentamento social. Na Capital, cerca de cinco mil desempregados promoveram saques e depredações por três dias seguidos na Zona Sul. Os atos culminaram com manifestação que derrubaram as grades do Palácio dos Bandeirantes, acuando o governador Franco Montoro que havia tomado posse um mês antes.

No Rio de Janeiro, supermercados, lojas e caminhões foram saqueados e ônibus apedrejados. No Nordeste, canavieiros cruzaram os braços. Nas refinarias, os petroleiros se mobilizaram.

Greves políticas
Neste clima de grande tensão, Figueiredo obedece ao FMI, para quem salário provoca inflação, e decide conter o poder de compra dos trabalhadores baixando o decreto 2012, em de 1º de fevereiro. O decreto sumia com 10% de inflação no reajuste dos salários mais baixos e limitava em 80% da inflação o reajuste dos salários com valores maiores.

Esse cenário prejudicou a Campanha Salarial de abril. O acordo aprovado com a Fiesp previa aumento real entre 2% e 6%, que não podia ser aplicado por causa do decreto 2012.

Mesmo assim, Figueiredo assinou outro decreto salarial em maio, o de número 2024, que estipulava a reposição total da inflação para quem recebia até sete salários mínimos e 80% da inflação a partir desse valor.

A revolta dos trabalhadores com os sucessivos pacotes salariais cresceu e começaram a estourar greves políticas contra o modelo econômico. Os petroleiros de Paulínia (SP) pararam a produção no dia 6 de julho. No ABC, cerca de 100 mil trabalhadores cruzaram os braços contra a política econômica, o arrocho e o desemprego.

A repressão veio em seguida. O governo estadual jogou a PM contra os trabalhadores e o governo federal interveio em vários sindicatos. Entre eles, o dos Metalúrgicos do ABC.

Decreto cria 38 faixas salariais
No dia 21 de julho, cerca de dois milhões de trabalhadores atendem ao chamado de greve geral feita pela comissão pró- CUT e pararam a produção em cerca de cem cidades, principalmente nas regiões metropolitanas, contra o arrocho.

A repressão foi violenta. Cerca de 1.500 trabalhados foram presos e 100 sindicalistas afastados. Em São Bernardo, a diretoria cassada continuava comandando a categoria, em sala alugada pelo Fundo de Greve em frente à Sede.

Em agosto, a criação da CUT é aprovada e a Central lota as galerias do Congresso para pressionar deputados e senadores a rejeitarem o decreto 2024, mesmo estando em vigor outro decreto, o 2045, que limitava o reajuste salarial em 80% da inflação. Foi a primeira vez desde o golpe militar de 1964 que o Congresso rejeitou um decreto presidencial.

Acuado, o governo baixou o incrível decreto 2064, que criava 38 faixas salariais e garantia a inflação cheia só para quem recebia até três salários mínimos.
Recém-criada, a CUT prepara nova greve geral para o dia 25 de outubro, com manifestações nas grandes cidades.

Ditadura derrotada
No ABC, os metalúrgicos continuam mobilizados. As greves foram retomadas logo que as empresas aplicaram o decreto 2065 e reajustaram os salários em 50% para uma inflação de 62%. Primeiro, as máquinas foram desligadas nas montadoras, depois nas autopeças e nos demais setores.

O retorno ao trabalho foi condicionado ao reajuste integral pelo índice da inflação. As greves foram vitoriosas e um mês após seu início mais de 80% da categoria conquistou a reposição integral.

A luta derrubara os decretos de arrocho salarial, impondo nova derrota à política econômica do governo federal.

Da Redação