Elevar salário é distribuir renda

É o destaque do Jornal da CUT de maio/junho

Aos poucos e sem muito alarde para não chamar atenção, parte dos empresários que busca alternativas para não dividir os lucros acumulados com o crescimento de 7,5% da economia brasileira em 2010, o maior registrado nos últimos 24 anos, espalha recados pela velha mídia. Por meio de colunistas e “especialistas”, muitos dão o tom que deve predominar na mesa de negociação.

Sem poder usar o discurso da estagnação, essa fatia da sociedade brasileira utiliza agora o argumento de que a elevação do poder de compra aumenta a capacidade de consumo, a demanda por produtos e, consequentemente, faz com que os preços subam.

Esse tipo de conversa cresce especialmente no segundo semestre quando três das mais representativas categorias brasileiras iniciam campanha salarial. Tanto os trabalhadores petroleiros quanto os bancários e os metalúrgicos têm data-base em setembro e colocam no papel as reivindicações definidas durante assembléias regionais.

Porém, os empregadores que acreditam na possibilidade dessa manobra frear o processo de crescimento das conquistas nas negociações coletivas devem se decepcionar. 

Setores
Para o coordenador da Federação Única dos Petroleiros (FUP), João Moraes, entidade à frente de cerca de 150 mil trabalhadores, o combate à inflação não deve se dar pela repressão da demanda e sim por meio do investimento no  aumento da oferta. “Essa visão de encolher salário com a desculpa de controlar o crescimento inflacionário é algo que não funciona nem mesmo para o patrão, porque com menos dinheiro no bolso, o trabalhador também comprará menos. Acredito que os empresários e o Estado devem investir em infraestrutura para gerar desenvolvimento e crescimento e não promover a retração”, define.

A opinião é endossada por Valmir Marques, o Biro Biro (foto), presidente da Federação Estadual dos Metalúrgicos (FEM), que representa 260 mil trabalhadores em São Paulo. “Nós já passamos dessa fase de aceitar a lógica de estagnar salário. Muito pelo contrário, se recompormos o poder de compra teremos capacidade de fazer a economia girar”, cita.

Aumentar salário é distribuir renda
O presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf), Carlos Cordeiro, acrescenta um outro ingrediente à discussão: a distribuição de renda. “Na nossa categoria, por exemplo, o lucro dos bancos cresce muito mais que a inflação. Enquanto os seis maiores bancos brasileiros tiveram lucro de 30% em relação à 2009, o aumento para os bancários ficou entre 7,5 e 16%. A elevação dos salários tem a função de combater a vexatória concentração de renda que ainda impera em nosso país e fazer com que os lucros sejam revertidos em justiça social”, explica.

Os dados comprovam a afirmação do dirigente. Os programas sociais iniciados no governo Lula iniciaram um processo de reversão de desigualdade, mas, ainda assim, apesar de ser a 7ª economia do mundo, o Brasil aparece apenas em 10º em distribuição de renda mundial, segundo dados do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA).

Artur Henrique, presidente da CUT, lembra que em 10 anos, a produção aumentou, mas o poder de compra caiu. “Somente a partir de 2004, após a política de valorização do salário mínimo conquistada pelas centrais sindicais, os salários mostraram uma trajetória de elevação. Dessa forma, ao avaliarmos o acumulado entre 1989 e 2008, a produtividade na indústria cresceu 84%, enquanto a renda média salarial caiu 37 pontos”, avaliou.

Para Cordeiro, além de reverter o processo de acumulação, o aumento dos salários permite que o brasileiro possa investir em qualificação e que o país permanece em um ciclo virtuoso. “Para que tenha investimento, é preciso que exista uma poupança e para ter poupança é preciso que o salário seja capaz de suprir além dos gastos básicos de consumo como água, luz e alimentação.”

A mentira na prática
“Há outros fatores que pressionam a inflação, mas não aparecem na análise dos ‘especialistas’, como os lucros e a estrutura tributária regressiva, que pune quem ganha menos, pois faz com que os impostos afetem majoritariamente o consumo e sejam repassados aos preços”, explica Artur.

O dirigente alerta também sobre o fato da falta de concorrência facilitar o aumento da margem dos lucros e as tarifas públicas indexadas por contrato que ajudarem a ampliar o custo da produção.

Especificamente sobre o consumo, Artur desmonta a tese de que a voracidade das famílias em ascensão social é fundamental para aumentar a inflação. “Segundo o sistema de Contas Nacionais do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o consumo das famílias, em relação ao PIB (Produto Interno Bruto) caiu, entre 2009 e 2010, de 61,7% para 60,6%.”

Para finalizar, o presidente cutista ressalta as dificuldades que os trabalhadores enfrentariam, caso não houvesse uma política de valorização permanente do mínimo. “Diante da pressão que o setor financeiro e o mercado em geral, com a ajuda da velha mídia, têm imposto para que os salários não tenham aumento real, fico imaginando o tipo de ataque que o salário mínimo estaria sofrendo caso não tivéssemos conseguido aprovar a lei que mantém a política de valorização até 2015”, indica.

Cláusulas sociais em alta nas campanhas
Neste ano não será diferente e algumas categorias com data-base no segundo semestre já se anteciparam e arrancaram acordos importantes. Os trabalhadores bancários, por exemplo, assinaram há pouco um acordo contra o assédio moral e continuarão cobrando medidas contra metas abusivas.

Já os petroleiros priorizarão o combate aos acidentes de trabalho e cobrarão medidas para melhorar a segurança. “Temos tido muitos acidentes e a tendência é que isso cresça diante da descoberta do pré-sal. O crescimento do setor tem levado a uma terceirização muito grande, como é o caso da Petrobrás, que tem hoje um quadro de 300 mil terceirizados. O problema é que o terceirizado tem um tempo de treinamento menor, salários inferiores e até equipamentos de proteção individual piores, porque são as empresas que fornecem. Vamos atuar nas duas frentes, tanto nas reivindicações de trabalho igual, quanto na contratação direta”, comenta Moraes, da FUP.

Para os metalúrgicos do Estado de São Paulo, a prioridade será garantir a licença maternidade de 180 dias e propor a redução da jornada para 40 horas semanais, vigente apenas nas montadoras. A contratação de mais trabalhadores também estará na pauta.

Via FEM/CUT