Os 30 anos da Greve de 41 dias

O movimento que mudou a história do Brasil ao desafiar a ditadura e recolocar os trabalhadores na agenda política

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Trabalhadores na Vila Euclides

Os metalúrgicos do ABC iniciaram a Campanha Salarial de 1980 dispostos a prosseguir na luta iniciada em 1978 para recuperar as perdas monetárias e de organização impostas pela ditadura que ocupava o poder no País desde 1964. Três anos antes, a categoria denunciara a manipulação da inflação nos anos de 1973 e de 1974 e cobravam essa diferença que chegou a 34,1%.

O governo pensava o contrário. A farsa do “milagre econômico” que sustentara o regime tinha acabado. A inflação alcançara 120% e consumia rapidamente os salários. Só os juros da dívida externa custavam cerca de 13 bilhões de reais ao ano.

Os militares decidiram que esse dinheiro devia sair da compressão dos salários dos trabalhadores. Por isso não estavam dispostos a conceder novos reajustes (nessa época a política salarial era definida pelo governo).

Mas os metalúrgicos não deram atenção às restrições impostas pela ditadura. Encaminharam uma pauta que, além do aumento real de 15%, tinha entre os principais itens reajuste trimestral, semana de 40 horas, o reconhecimento de um representante com liberdade de ir e vir dentro das fábricas e garantia de emprego por 12 meses para evitar que os aumentos fossem neutralizados pela rotatividade no emprego.

O movimento sindical tinha claro que essas reivindicações só seriam alcançadas com uma greve muito bem organizada, que prosseguisse independentemente da repressão policial, intervenção no Sindicato, prisão de dirigentes etc.

Assim, a mobilização para a Campanha intensificou-se. A Tribuna Metalúrgica começou a tirar 40 mil exemplares e a penetrar clandestinamente nas fábricas com instruções para os trabalhadores.

As horas-extras deixaram de ser feitas e a população dos bairros começou a ser envolvida. Entidades e instituições – como a Igreja Católica – também.

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Missa na Igreja da Matriz

A zero hora do dia 1º de abril a greve foi deflagrada pela quase totalidade dos cerca de 200 mil metalúrgicos da região. Boa parte de quem cruzou os braços se dirigiu em passeatas ou carreatas para o Estádio de Vila Euclides – atual 1º de Maio -, em São Bernardo.

A compacta e ordeira adesão ao movimento impressiona a população e os demais metalúrgicos e a paralisação se estende a várias outras cidades no Estado. Encurralados, os pelegos da Federação dos Metalúrgicos fecharam um acordo de 5% de reposição e nada mais. As bases não aceitaram e prosseguiram com os braços cruzados.

Levada a julgamento, o Tribunal do Trabalho recusou-se a declarar a greve ilegal e concedeu reajuste entre 6% e 7%, mas nada de garantia no emprego ou representação sindical. Os trabalhadores do interior aceitaram a proposta. Os do ABC, não, e o movimento prosseguiu.

Quando a greve completara 14 dias sem acordo com as empresas – proibidas pelo governo de negociarem -, o mesmo Tribunal do Trabalho  declara o movimento ilegal.

Três dias depois, o Ministério do Trabalho decreta intervenção no Sindicato. A greve, no entanto, continua intacta. Todas as fábricas estão paradas.
No dia 19 de abril, em assembleia monstro na Vila Euclides, mais de 60 mil trabalhadores decidem manter a greve que já se convertera em foco de atenções de todo o País.

Na madrugada desse mesmo dia, o Exército decide intervir militarmente no ABC e acabar com a greve à força. Lula e outros 15 dirigentes sindicais são presos.

No dia seguinte, o Exército proíbe a realização de reuniões ou assembleias em praças públicas no ABC. Jipes, caminhões e veículos militares são deslocados para a região com a intenção de provocar um movimento que envolvia quase um milhão de pessoas e, até aquele momento, era absolutamente pacífico e organizado. Policiais militares ocupam as cidades.

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Carros da polícia ocupam a Rua Marechal Dedodoro

Desafiando as proibições, mais de 40 mil trabalhadores reúnem-se na Praça da Matriz, em São Bernardo, e proclamam a continuação da greve, acrescida da libertação dos dirigentes presos.

A resistência dos metalúrgicos sustenta-se na mobilização direta dos moradores no ABC e de comunidades de base da Igreja Católica que, de todo o País, enviam para a região 80 mil toneladas de alimentos e contribuições que superam a dezena do milhão de dólares.

Dos dias 23 a 26, os companheiros realizam assembleias no interior da Igreja Matriz, em São Bernardo, em clima de imensa tensão política em vista da proibição de reuniões e da ocupação militar da cidade.

No dia 26, a polícia aumenta a repressão e invade a igreja, prendendo líderes sindicais que ainda não estavam na cadeia. Na mesma data, o Exército proíbe toda e qualquer concentração ou manifestação em São Bernardo. Mais uma vez a ordem não será cumprida.

No dia 1º de maio, quando a greve completa 31 dias, uma gigantesca manifestação reúne mais de 120 mil pessoas para comemorar o Dia do Trabalhador na Praça da Matriz, em São Bernardo.

Após a celebração de uma missa e tendo à frente líderes políticos e sindicais, mulheres e crianças, a multidão dirige-se em passeata até o Estádio da Vila Euclides, em desafio às proibições.

Hélio C. Mello

Manifestação no Paço Municipal

Ou a repressão recuava ou haveria um banho de sangue de consequências imprevisíveis. Mas o Exército e a polícia se retiraram, abandonando a cidade.

A paralisação ainda duraria 10 dias, se encerrando 41 dias após seu início e se tornando na mais prolongada greve de trabalhadores ocorrida nos 50 anos anteriores da história do País. Alguns dias depois, os dirigentes sindicais ainda presos foram colocados em liberdade.

Os trabalhadores não tiveram todas as suas propostas atendidas, mas o  movimento teve um alcance muito maior que as reivindicações iniciais. Ele abalou profundamente as estruturas de dominação da ditadura e os métodos usados para oprimir o povo brasileiro por 16 anos.

Os metalúrgicos podem ter perdido a guerra, mas derrotaram o golpe. Foi nesse confronto que os companheiros mostraram a todo o País que era possível resistir aos militares mesmo que eles estivessem com as tropas na rua. Mais que resistir, era possível avançar.

A política salarial e a lei antigreve, já abaladas desde 1978, caminharam ainda mais rapidamente para a lata de lixo; intensificaram-se as mobilizações para a fundação do PT e da CUT; e toda a mobilização da sociedade civil para o fim da ditadura tivera um incremento incrível.

Reprodução / Agência F4

Lula, então presidente do Sindicato, sendo levado preso