Leia a carta que João Ferrador escreveu para o ministro da Fazenda

O personagem foi criado em 1972 pelo cartunista Hélio Vargas e redesenhado pelo ilustrador Laerte. Surgiu como porta-voz da categoria por meio de seus bilhetes contundentes . Relembre um pouco dessa história

Ilustríssimo senhor Guido Mantega, ministro da Fazenda do Meu Brasil Grande e Potente

Quando quebrou aquele banco nos Estados Unidos, a televisão falava que viria a maior crise desde 1929. Fiquei apavorado. Veio na minha cabeça umas outras crises de tristes lembranças: a do petróleo nos anos 70, a da dívida externa dos anos 80, as crises mexicana, russa e asiática dos anos 90. Não recordo muito bem o que elas significavam. Mas o resultado era o mesmo: o facão corria solto pelas fábricas e o desemprego aumentava. Na minha cidade, a gente viu crescer a miséria e o sofrimento do povo aumentar. Lembro também que depois de toda crise chegava por aqui uma tal missão do FMI, uns engravatados com pastinhas na mão que logo ditavam o que a gente devia fazer. Foram tempos duros, ministro. Emprego é o maior patrimônio de um trabalhador e de uma trabalhadora. Perdê-lo significa desestruturar toda uma vida e até mesmo a família. Quem fica sem emprego, principalmente em tempo de crise, passa a viver sem qualquer perspectiva. O desempregado perde a estima e pode perder a dignidade, pois todos se afastam dele e a sua sobrevivência se torna um sacrifício. A marginalidade bate à porta de quem atravessa essa situação. Mas como esse mundo dá volta, não é, ministro? A sensibilidade do governo do qual o senhor faz parte e que tem um de nós, o Lula, no comando, mudou o final da história porque o presidente conheceu bem essa realidade que acabei de descrever. Eu acho que foi por esse motivo que os senhores tiveram a sabedoria de ver que a proteção aos empregos é a maior das vacinas contra a crise. Entre todas as medidas que vocês tomaram, apenas a redução do IPI dos veículos e dos produtos da linha branca manteve 60 mil de nossos companheiros em seus postos de trabalho. Teve colega aqui que chegou até a dar uma garibada na casa por causa da diminuição do preço do material de construção! Bem que o senhor disse que “saímos da crise de cabeça erguida e não destroçados”. Mas também, com tudo o que vocês fizeram durante o seu governo para fortalecer o mercado interno e para aumentar a proteção social! No fundo a gente sabia que o Brasil estava um pouco mais protegido que os outros para atravessar esse turbilhão econômico. Quem imaginava que o Brasil ofereceria dinheiro emprestado ao FMI… Foi também pensando no emprego, que realizamos, no início desse ano, um seminário para discutir saídas à crise com os empresários e o poder púbico regional, com todo apoio de vocês. Sei que muita coisa ainda precisa ser resolvida. Mas sinto que sairemos da crise mais fortes e mais unidos. Por isto decidi escrever essa carta. Ao contrário de outras que escrevi para mostrar a indignação da companheirada com o estado das coisas, nesta encerro com a liberdade de dizer em nome do meu povo: muito obrigado, ministro.

João Ferrador