Juristas são unânimes: interdito é inconstitucional

Dispositivo jurídico é desvirtuado e tem sido utilizado indiscriminadamente pelos bancos para barrar manifestações garantidas pela Constituição Federal

O direito de greve está protegido pela Constituição e é um direito maior na defesa da valorização do trabalho. Essa foi uma das principais conclusões do Seminário Interdito Proibitório x Direito de Greve realizado pelo Sindicato, em parceria com a Fetec/CUT-SP e Contraf/CUT, na segunda-feira (24).

No período da tarde, Omar Afif da Procuradoria Geral do Trabalho, Vantuil Abdala, ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), e Flavio Landi, da Associação Nacional dos Magistrados (Anamatra XV), dividiram com a secretária de Relações do Trabalho da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Denise Motta Dau, e o deputado federal João Paulo Cunha (PT-SP), as críticas ao desvio do instrumento do interdito proibitório contra o direito legítimo de organização dos trabalhadores.

Omar Afif lembrou que a lei de greve determina os direitos dos grevistas (como o direito à livre divulgação do movimento e a proteção contra dispensa) e também os deveres (convocação da greve por meio de assembléia, avisar a outra parte sobre o movimento, manter o atendimento de serviços essenciais). “Obedecido isso não pode haver ajuizamento de interdito proibitório”, disse, ressaltando que nos conflitos coletivos deve ser privilegiada a negociação e nada que inibe a organização coletiva de trabalho. “O Poder Judiciário deve ser acionado em último caso.”

Afif lembrou que há outra razão que torna impossível o uso do interdito: a diferença entre o direito de propriedade e o direito de posse. A propriedade é exclusiva e ilimitada. A posse, que é tutelada pelo interdito, refere-se a usar, usufruir, dispor ou reaver. “E o grevista não detém nenhum desses poderes.” Ele salientou que o interdito só pode ser usado se houver ameaça à posse. “No caso do direito de greve não há receio de perda da posse. É o principal mecanismo do trabalhador de enfrentamento da força empresarial. Exercício justo e legítimo. Não há intenção de ocupação perpétua do estabelecimento. A maioria dos atos ocorre em local público, razão pela qual não cabe interdito”, completou o procurador do Trabalho. “Interdito é prática antisindical porque atenta contra a prática fundamental dos sindicatos.”

OIT – Flavio Landi, da Anamatra, enumerou os direitos que o interdito atropela: impede reunião em área pública, impede o direito à expressão do pensamento quando proíbe o uso de carro de som para convencimento dos trabalhadores sobre a importância do movimento, faz uso indevido da força policial. Flavio Landi destacou que o uso do dispositivo vai contra a organização sindical, que é uma das quatro bandeiras da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Assim, fica o Brasil sujeito a denúncia e tem que responder aos questionamentos internacionais pelo desrespeito à livre organização sindical dos trabalhadores. “Mesmo o piquete eu sempre vi como manifestação. Enquanto for pacífico está protegido pela Constituição, que estabelece que a ordem econômica está adstrita à valorização do trabalho”, afirmou.

Congresso – Para o deputado federal João Paulo Cunha (PT-SP) o interdito é um “jeito primitivo” de tentar impedir o direito de greve. “A forma mais moderna é o diálogo, respeitar e reconhecer direitos. Com o tempo o interdito será superado, mas enquanto isso precisamos atuar.”

Cunha disse que quando a Constituição foi alterada e se ampliou o papel da Justiça do Trabalho “não imaginávamos que teríamos essa discussão”. “Não é imaginável que a posse seja discutida na Justiça do Trabalho. Se o direito de greve consta na Constituição deve ser reconhecido como tal e não ser subjugado por outra lei menor.”

O deputado destacou a importância da greve como instrumento legítimo, legal, de luta dos trabalhadores. “Se o banqueiro reconheceu no sindicato a capacidade para assinar o acordo coletivo, essa entidade também tem de ter reconhecida sua função de organizar os trabalhadores. Se o direito de greve está assegurado e o sindicato cumpriu todas as regras para a realização da paralisação, como o interdito pode ser usado para impedir o direito de greve?”, questionou, destacando que esse debate também deve ser feito do ponto de vista político. “Queremos fazer uma audiência em Brasília (Câmara e Senado) para verificar se é possível tomar alguma medida sobre o interdito proibitório de forma que não atrapalhe o direito de greve.”

CUT – A manutenção e ampliação de direitos está no foco das ações da CUT, anunciou a secretaria de Relações do Trabalho, Denise Motta Dau. “E avançar nisso é impossível sem o respeito a direitos como o de greve”, disse a dirigente, lembrando que esta semana a CUT completa 26 anos de fundação com uma jornada para sensibilizar a sociedade pela redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais e pela ratificação das convenções 151 e 158, desenvolvimento com distribuição de renda e criação de mais e melhores empregos.

Denise falou da luta da central pela criação de uma proposta de emenda constitucional (PEC) pelo fortalecimento da representação sindical, proteção à liberdade sindical, respeito ao direito de greve assegurando aos grevistas a utilização de meios pacíficos para a realização e divulgação do movimento, vedando ao empregador pressionar o trabalhador. “Temos uma legislação (lei 7.783) que não é ideal e ainda assim está sendo desrespeitada. Há uma cultura autoritária e de tutela sobre a organização sindical dos trabalhadores. Parte-se do princípio de que sempre seremos violentos e tomaremos posse do banco, da fábrica. Visão atrasada contra a qual a CUT mantém luta constante.”

Exemplo – “Estou me sentindo o cara que ficou com a corcunda.” De uma forma muito bem-humorada, que arrancou risos da platéia, o ministro Vantuil Abdala, do TST, contou a história do corcunda que “andando pra lá e pra cá perto de um cemitério, ouviu uma voz”. Perguntado o que queria o sujeito reclamou das costas e sua corcunda sumiu. Contou a história a um amigo coxo que foi para lá e ouviu a mesma voz perguntando: o que você tem nas costas? Nada, disse o coxo. Então toma essa corcunda…”

“Fiquei pensando o porquê desse convite para participar do seminário. Se porque vivi os tempos de retomada do sindicalismo no ABC ou se porque estive com o Marcolino, em 2004, quando da grande greve dos bancários e estranhei o instituto do interdito na greve”, questionou Vantuil, destacando que, para ele, os bancários são “a categoria mais desenvolvida do país”. “O que vocês fazem é exemplo para todo o país.”

O ministro do TST também questionou a necessidade de se fazer esse debate sobre o interdito. “Grevista quer apenas convencer o outro, não quer se apropriar do bem. Por que precisamos fazer esse debate? Se uma assembléia decidiu a greve, por que precisa convencer os colegas? Eles não deveriam obedecer à vontade manifestada?” Vantuil citou o despacho de um colega de São Félix do Araguaia. “Apesar de a assembléia da maioria decidir, alguns vão trabalhar e ainda querem argumentar pela ilegalidade. Aquele que não deseje suspensão dos trabalhos deve participar da assembléia e votar contra o movimento.”

Vantuil contou que cerca de 17% dos trabalhadores americanos são sindicalizados. Apesar do pequeno número, o empresariado respeita muito o direito dos trabalhadores. “A normatização é tão forte que o empregador toma todo cuidado”, relatou. “O processo de convencimento é a contrapartida que tem o trabalhador no Brasil para a pressão que há do outro lado. Nunca se viu no Brasil penalização por prática antisindical e temos que aprofundar essa questão.”

Vantuil voltou a citar a decisão de São Felix do Araguaia. “Ao exercer seu suposto direito o fura-greve não faz apenas trabalhar, mas atrapalhar o movimento. Fura a greve como se a um cano de água. Põe em cheque o movimento, luta contra os que lutam por um novo e maior direito”, relatou o ministro, destacando que é preciso que essas idéias sejam divulgadas. “O TST não tem vivência nem experiência no interdito porque o tema não era de competência da Justiça do Trabalho. Sugiro que façamos um congresso no TST com parlamentares, sindicatos, OIT para nós aprendermos. Cada juiz decide de um jeito sobre a mesma greve. Há um posicionamento de que juiz não deve decidir interdito sem ir ao local.”

Vantuil esclareceu, ao final, que o TST não pode produzir súmula vinculante sobre o tema. “Mas diante de casos concretos (por exemplo, obrigar o sindicato a depositar multa para poder recorrer ou dizer que o som dos grevistas atrapalha as atividades), o TST vai cassar e não concederá o interdito.”

O presidente do Sindicato, Luiz Cláudio Marcolino, encerrou os trabalhos destacando que o interdito proibitório busca a inviabilização financeira dos sindicatos e a criminalização do movimento. “Primamos pela livre negociação (desde 1992 a campanha dos bancários não vai a julgamento – em 2004 houve conciliação). A intenção do diálogo está do nosso lado, mas não há o mesmo do outro lado. Já conversamos com o Ministério do Trabalho e da Justiça e esse seminário traz elementos a mais. Queremos que o direito efetivo de greve seja cumprido. Empresários podem agir, mas dentro dos preceitos constitucionais e o interdito não leva em conta esses preceitos”, afirmou Marcolino, ressaltando a importância do seminário Interdito Proibitório x Direito de Greve para tornar esse debate de domínio coletivo.

Dos Bancários de SP