Ditadura Militar é debatida no Grande ABC

O Sindicato realizou na sexta-feira o debate Ditadura Nunca Mais com a presença do deputado federal José Genoino (PT-SP), de Raphael Martinelli, ex-preso político, do padre Rubens Chasseraux e do procurador da República Marlon Alberto Weichert

Cerca de 150 pessoas participaram na noite de sexta-feira do debate Ditadura Nunca Mais, realizado no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo. O público era predominantemente masculino, em idade madura. Muitos que estavam ali sentiram, em maior ou menor grau, os reflexos da repressão, ou dos anos de chumbo, como ficou conhecido o período em que a violência militar foi aplicada para conter os anseios populares de democracia e liberdade de expressão.

Do golpe militar de 1964, que derrubou o então presidente João Goulart, à eleição do civil Tancredo Neves, em 1985, muitos destinos foram mudados, e há uma série de histórias de medo, tortura e resistência daqueles que ousaram afrontar o regime em busca de um País mais justo.

Na mesa de discussão estavam o deputado federal José Genoino (PT-SP), preso na guerrilha do Araguaia – movimento organizado pelo PCdoB, na região fronteiriça ao Sul do Pará, Maranhão e Norte de Goiás, o chamado Bico do Papagaio -; Raphael Martinelli, ex-sindicalista ferroviário e ex-preso político; padre Rubens Chasseraux, militante da resistência criada na Vila Palmares, em Santo André, e torturado no Dops (Departamento de Ordem Política e Social), além do procurador da República Marlon Alberto Weichert, responsável, ao lado da procuradora Eugênia Fávero, pela ação contra os militares Carlos Alberto Brilhante Ursa e Audir Santos Maciel, acusados de prisões ilegais, torturas, homicídios e desaparecimentos forçados de mais de 60 pessoas naquele período.

Palmares – Na abertura, padre Rubens, que é pároco há 45 anos da Igreja Nossa Senhora das Dores, em Santo André, falou da importância da Vila Palmares para que o País chegasse à democracia. “Foi ali que houve a primeira reunião que originaria mais tarde o Partido dos Trabalhadores. Foi também na paróquia da Vila Palmares que se organizaram as primeiras greves dos metalúrgicos da Volkswagen, Scania, Mercedes-Benz, dentre outras.”

Por conta dessa efervescência, a vila tornou-se lugar muito visado pela polícia de repressão. “Para despistar, quando percebíamos em nossas assembleias algo estranho nos arredores, não tínhamos dúvida e puxávamos o Louvando a Maria, o povo fiel. A mensagem era reconhecida por todos imediatamente.”

Padre Rubens diz que para acomodar mais pessoas da resistência dentro da paróquia pedia às beatas que retirassem os bancos sob alegação de que o salão precisava ser lavado. “Também ia até a casa das senhoras mais envolvidas com a igreja e pedia que dessem pouso por dois ou três dias para um ‘amigo´´ que chegara de longe. Fiz isso diversas vezes”, diz o pároco, que chegou a ocultar um perseguido político na cama de sua própria mãe, debaixo das cobertas. “Quando a polícia entrou no quarto dela, gritei enérgico: mamãe está muito doente e precisa descansar, e não serão vocês que a perturbarão. Eles acataram.”

Segundo o religioso, uma demonstração da força da Vila Palmares foi conseguir organizar, em pleno regime militar, três encontros nacionais de favelados. Esse empenho contra a ditadura custou a padre Rubens cinco prisões, quatro no Dops e uma na polícia federal.

Ele explica que naquela época a Vila Palmares chegou a receber sigilosamente o Prêmio Nobel da Paz de 1980, o argentino Adolfo Pérez Esquivel, membros da Nicarágua e, por diversas vezes, o pedagogo nordestino Paulo Freire.

Padre Rubens relata que, mesmo sob tortura e diante do terror psicológico imposto pelos policiais, nunca perdeu sua fé em Jesus nem entregou ninguém. “A meu ver, Cristo foi o maior socialista que já existiu.”

Também não deixa de lastimar a postura de grande parte da igreja diante do Golpe Militar. “É errado dizer que toda igreja esteve do lado dos oprimidos. Somente algumas comunidades cumpriram seu papel. Se querem saber, quando fui preso, muitos religiosos comemoraram nos corredores da Igreja da Praça do Carmo.”

Do Diário do Grande ABC