Saúde, ciência e política

Os poucos casos de demissões em massa que ocorreram recentemente, apesar do sofrimento e de todo significado negativo que tem para os demitidos e para aqueles que continuam trabalhando, trazem também a oportunidade de analisar alguns aspectos do comportamento de empresas e trabalhadores. Isso ganha importância na medida em que podemos aprender a nos defender melhor de certas armadilhas no futuro.
Avaliaremos apenas dois casos semelhantes que se tornaram diferentes devido ao caminho escolhido. E vale ressaltar que não cabe aqui apontar este ou aquele como certo ou errado, mas sim propor uma reflexão que nos mostre o que é bom ou ruim em cada escolha.
Nos dois casos, entre os demitidos havia uma porcentagem significativa de trabalhadores com incapacidade produtiva decorrente de doenças profissionais e de acidentes no trabalho.
Como, obviamente, isso gerou um impasse nas negociações subsequentes às demissões, pois, no limite, esses trabalhadores não poderiam ter sido demitidos, surgiu a idéia de colocar frente a frente o médico da empresa e o do Sindicato para avaliar cientificamente cada caso.
No primeiro caso o caminho foi decidir politicamente sobre o assunto já que, certamente, não haveria consenso entre os médicos e, depois de algum tempo, os casos acabariam retornando à mesa de negociação.

Resultado
Pouco tempo depois, com mobilização e luta de todos os trabalhadores, os doentes tiveram suas demissões canceladas e retornaram ao serviço.
No segundo caso o caminho foi a avaliação técnica entre os médicos da empresa e do Sindicato. Após dois meses não houve consenso, muitos trabalhadores estão homologando e outros aguardando uma decisão que independe deles.
Ficam para reflexão as seguintes questões.
Por que aceitamos que a ciência tenha mais respostas e seja mais adequada para resolver questões provocadas pela decisão política intencional e premeditada de demitir pessoas doentes e incapacitadas?
Será que é confiável uma suposta neutralidade da ciência numa situação que envolve tantos interesses?
Finalmente, se confiamos tanto na capacidade da ciência e dos técnicos, porque não deixamos a cargo da ciência e dos técnicos as decisões sobre as melhorias das condições de trabalho, que evitariam as doenças e acidentes e, em último caso, a decisão de quem pode ou não ser demitido?

Departamento de Saúde do Trabalhador e Meio Ambiente