Não há abuso de MPs, diz estudo; Senado agora tem outro discurso

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgou nesta quarta-feira (03/08) um estudo que diz não ter havido explosão de medidas provisórias nos últimos dez anos, depois que o Congresso mudou a Constituição e alterou as regras de edição de MPs pelo governo. Quando comparado à quantidade de projetos de lei, o uso de MPs teria ficado sob controle.

A conclusão ajuda a dar argumentos à gestão Dilma Rousseff, que acredita não poder abrir mão das MPs, para enfrentar tentativas parlamanteres de mexer nas regras de novo. O problema para Dilma é que o discurso dos defensores de nova mudança já não é mais o mesmo. Em vez de apontarem resistência do Congresso contra suposto abuso de MPs, como fizeram frequentemente na era Lula, sustentam que precisam garantir aos senadores que tenham tempo para votar medidas provisórias.

Este discurso oculta a combinação de dois interesses. De um lado, aliados do governo no Senado, liderados pelo presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP), sonham em aumentar o poder de negociar o voto. De outro, adversários da presidenta, como o desde já candidato a sucedê-la Aécio Neves (PSDB-MG), tentam criar dificuldades para o governo dela, como é prática de qualquer oposição.

A mudança nas regras das MPs está em estágio avançado no Senado. Em entrevista nesta terça-feira (02/08), segundo dia de retomada dos trabalhos legislativos pós-recesso de julho, Sarney listou a proposta de emenda à Constituição (PEC) que altera as regras das MPs como “prioridade”. Para ele, há condições de o plenário votá-la na próxima semana.

O texto é de autoria do próprio Sarney. Crítico do “abuso” de MPs durante o governo Lula, de quem também era aliado, Sarney apresentou a proposta em março usando outro tipo de argumento. Fazer com que Câmara e Senado tenham “garantidas, de forma equânime”, suas prerrogativas legislativas.

Prazo para o Senado
Pelas regras atuais, o Congresso tem 120 dias para votar uma MP. A exemplo do que acontece com todo projeto de lei enviado pelo governo, uma MP começa a ser votada na Câmara. Os deputados podem, em tese, gastar 119 dias para aprová-la e deixar só um dia para o Senado.

A PEC de Sarney estabelece prazo para a Câmara votar. Se os deputados não o cumprirem, o Senado pode “tomar” a MP, votá-la e depois remetê-la à Câmara, que é quem ficaria espremida no tempo.

De acordo com um funcionário do Senado, a PEC pode ser entendida, no fundo, como um desejo da Casa de se tornar “custo de transação”. Em outras palavras, a vontade de aumentar mais o poder de negociar com o governo e de mudar o conteúdo de uma MP.

A PEC de Sarney está sendo relatada pelo senador Aécio Neves (PSDB-MG), a quem cabe produzir a versão final do texto. Ao preparar um parecer antes de a proposta ir ao plenário, o tucano manteve o espírito da PEC, de haver um tempo para o Senado votar. Mas fez uma mudança significativa, que Dilma não aceita. Uma MP, cuja característica constitucional é de vigência imediata para dar conta de situações urgentes, teria de ser aprovada primeiro pelo Congresso, antes de valer.

Desde então, senadores mais afinados com o governo emperram o andamento do texto na esperança de chegar a um acordo com Aécio Neves. Nesta quarta-feira (03/08), houve mais uma tentativa frustrada de entendimento, e o assunto foi empurrado para os próximos dias.

Agenda de governo
Enquanto o Senado discutia o assunto, o Ipea, órgão ligado ao governo federal, divulgava o estudo sobre o que aconteceu com o volume de MPs desde 2001, quando as regras foram alteradas. Até então, o governo podia editar e reeditar uma medida provisória quantas vezes quisesse. De lá para cá, o procedimento mudou. Não há possibilidade de reedição. Para a MP virar lei, o Congresso precisa aprová-la em até 120 dias.

A mudança feita àquela época já tinha a intenção de reduzir o uso de MPs, que os parlamentares acham que é uma forma de o presidente da República governar sem precisar do Congresso. Para o pesquisador Acir Almeida, autor do estudo, aquela reforma “foi eficaz em frear o uso de MPs para políticas públicas”.

Ele sustenta a conclusão no seguinte raciocício. Quando se compara o número de MPs que tratam de políticas públicas com o número de projetos de lei apresentados pelo governo, a proporção entre um e outro passou de 44%, na média do período 1995-2001, para 52%, no período de 2002-2007.

Almeida considera que este aumento não pode ser chamado de “explosivo”. E diz que não seria certo afirmar que houve abuso tomando-se por base apenas a quantidade de MPs, isoladamente. “O número de MPs pode aumentar pura e simplesmente pela agenda do governo. A proporção permite eliminar o fator ´agenda do governo´ da conta”, afirmou.

Da Carta Maior