Na lama com Kassab

A conta chegou para o prefeito de São Paulo, após ações desastradas, aumento de impostos e alagamentos sem fim

 

As chuvas da semana passada mataram nove pessoas na Grande São Paulo. Quatro eram da capital. Um casal e uma criança foram soterrados no Grajaú, bairro pobre da Zona Sul. A outra morte ocorreu no desabamento de uma casa na Pompeia, bairro de classe média da Zona Oeste. Além das tragédias, as chuvas que castigam a cidade desde dezembro causam estragos materiais e políticos. Os materiais deságuam como atrasos e prejuízos na vida dos paulistanos: vilas alagadas, sujeira acumulada, enfraquecimento do comércio e trânsito caótico. Os danos políticos pingam na conta do prefeito Gilberto Kassab (DEM), principal afilhado do governador José Serra, provável candidato do PSDB à Presidência.

 

Reeleito em 2008 com a imagem de gestor eficiente, Kassab enfrenta o pior momento político de sua gestão, que começou em 2006 ao herdar a prefeitura de Serra. E a culpa, nesse caso, não é só dos altos índices pluviométricos. Uma sucessão de erros e decisões impopulares contribuiu para isso (leia o quadro ). Em dezembro, quando os problemas da chuva estavam começando, uma pesquisa Datafolha mostrou queda acelerada na aprovação do prefeito. Em um ano e dois meses, a parcela da população que avalia o governo Kassab como ótimo ou bom caiu de 61% para 39%. A avaliação negativa pulou de 13% para 27%.

O auge do inferno astral de Kassab começou há duas semanas, quando foi vaiado por moradores de uma área da Zona Leste alagada desde o início de dezembro. Muitos passaram as festas de fim de ano em suas casas encharcadas. Além de xingar Kassab, moradores queimaram móveis e pneus para protestar. A prefeitura cadastra famílias para fazer transferências e pagar auxílio-moradia, mas o trabalho é lento e inflacionou os aluguéis da região, o que torna a ajuda insuficiente. Na semana passada, quando voltou a dizer que a culpa dos problemas são “as chuvas em excesso”, voltou a ser vaiado na rua.

As decisões impopulares que minaram a imagem de Kassab podem ser agrupadas em duas categorias. Uma é a dos erros políticos, como declarações infelizes e recuos que denotam fraqueza. O primeiro exemplo ocorreu em junho, quando a prefeitura restringiu a circulação de ônibus fretados “para dar fluidez ao trânsito”. A medida causou perplexidade, já que os especialistas em trânsito defendem ações para privilegiar os ônibus, e não o contrário. Com os protestos, a medida foi abrandada.

Em agosto, outro erro parecido. A prefeitura anunciou corte de 20% na verba de varrição. Enquanto Kassab dizia que as ruas estavam “extremamente limpas”, os garis entravam em greve. Um temporal que resultou em alagamentos e acúmulo de lixo em várias áreas desmentiu Kassab. Dias depois, ele desistiu do corte. Ficou com o desgaste da decisão, mas sem a economia.

Kassab tomou decisões que causaram perplexidade. Por causa da má repercussão, ele recuou depois

Como se não tivesse aprendido, Kassab voltou a demonstrar o mesmo tipo de fraqueza em setembro, quando anunciou a redução de cinco para quatro no total de merendas diárias de 60 mil crianças das creches do período integral. Representantes da prefeitura citavam uma pesquisa segundo a qual crianças tinham problemas de obesidade. Diante da péssima repercussão, Kassab recuou pela terceira vez.

“O prefeito parece tomar decisões sem estudar com antecedência os impactos de suas medidas”, diz um aliado, preocupado com eventuais impactos na campanha de Serra. “São recuos típicos de quem administra sem coordenação.” Até agora, porém, poucos acreditam que o desgaste de Kassab possa ter influência relevante na eleição presidencial. “Atrapalha um pouco, mas sem potencial para estragar a campanha de Serra”, diz o cientista político Aldo Fornazieri. “A insatisfação será sempre restrita ao município, que é importante, mas pequeno diante do eleitorado nacional.” A cidade tem 6,2% dos eleitores do país.

A popularidade de Kassab foi minada também por causa de decisões tomadas para melhorar o caixa com o aumento da arrecadação, ainda que isso contrarie o discurso do DEM. No fim de 2009, Kassab autorizou o aumento da tarifa de ônibus de R$ 2,30 para R$ 2,70, determinou o fim do reembolso de R$ 52,73 da inspeção veicular e aumentou o IPTU em 30% para imóveis residenciais e 45% para comerciais. Corrigiu também a base de cálculo do tributo, o que tornou o aumento nominal ainda maior. Há casos em que o IPTU subiu mais de 100%.

As medidas deverão resultar numa arrecadação de aproximadamente R$ 1 bilhão por ano. “Kassab está acumulando recursos para gastar a partir do terceiro ano do mandato, quando a eleição municipal estiver próxima”, diz o vereador José Américo (PT). ÉPOCA pediu entrevista com Kassab ou algum representante da prefeitura, mas não recebeu resposta.

A experiência recente mostra que nem sempre a estratégia de cobrar mais imposto para gastar em ano eleitoral pode funcionar. Em 2001, a então prefeita Marta Suplicy (PT) também determinou aumento contundente no IPTU. Na eleição seguinte, perdeu com o apelido de “Martaxa”. Mais tarde, reconheceu que o aumento foi “um grave equívoco” de sua administração.

A postura do Kassab de 2010 parece semelhante à de Marta de 2001. O prefeito ainda não reconheceu o erro, mas já ganhou um apelido pejorativo. Na internet, na Câmara Municipal e em algumas manifestações, passou a ser chamado de “Taxab”.

Da revista Época