Jornal da Globo age como partido de oposição e fere dignidade das pessoas pobres
Apresentador lê editorial em protesto à recusa da presidenta Dilma em participar do programa
Há estudos demonstrando que a TV Globo exerce um papel político muito semelhante ao de um partido de oposição ao governo petista. Um recente é o manchetômetro, estudo feito na Universidade do Estado do Rio de Janeiro que analisa notícias positivas e negativas sobre cada candidato, demonstrando um desequilíbrio brutal favorável aos presidenciáveis da oposição.
Com este histórico, o telejornal noturno Jornal da Globo deveria demonstrar sobriedade quando um presidenciável não aceita o convite para mais uma entrevista exclusiva. Em vez de apenas registrar que o convite feito à presidenta Dilma Rousseff foi declinado, como é de praxe, os apresentadores comportaram-se exatamente como partido de oposição, fazendo um editorial de protesto contra a candidata, inclusive lendo no ar as perguntas que seriam feitas.
A TV Globo tem quatro telejornais diários com veiculação em rede nacional (manhã, hora do almoço, Jornal Nacional e tarde da noite). Nenhum candidato é obrigado a dar entrevista exclusiva a todos os programas da mesma emissora. A presidenta já concedeu entrevista como candidata ao Jornal Nacional. A TV Globo tem hegemonia comercial em seu ramo, mas não pode querer monopolizar a agenda de candidatos para sua programação, seu prestígio e seus interesses comerciais. Existem outras emissoras de televisão e outras mídias que também convidam candidatos para entrevistas e em uma campanha nem existe tempo hábil para atender a todos. Então, cada um decide como administrar a agenda do candidato. Uns preferem se submeter totalmente aos caprichos editoriais da maior emissora, outros preferem a diversidade, procurando atender a convites de outras emissoras e outros compromissos de campanha que também são importantes.
Em vez de reclamar no editorial de protesto, se a TV Globo tivesse mais interesse em fazer um bom jornalismo e extrair dos candidatos informações mais úteis aos telespectadores, poderia fazer uma entrevista mais longa com cada candidato, que desse tempo de responder com mais profundidade, e levar ao ar dividida nos quatro telejornais ou em dias diferentes. Ao escolher o formato de interrogatório visto no Jornal Nacional, é natural que haja candidatos que considerem pouco produtivo para o telespectador ser bem informado.
Quando os apresentadores perderam a objetividade e se comportaram como partido político de oposição, deram uma razão a mais para a candidata declinar do convite. Afinal, não é normal candidatos irem à sede de partidos opositores para darem entrevistas. Nos Estados Unidos, o presidente Barack Obama já recusou por muito tempo entrevistas exclusivas para a TV Fox News, exercendo um direito dele e sinalizando discordar do desequilíbrio no noticiário favorecendo seus opositores. Dilma Rousseff nem de longe chegou a este ponto, pois contemplou a TV Globo atendendo a um telejornal.
Pergunta asquerosa
O telejornal leu as seis perguntas que faria na entrevista. Cinco eram questionamentos pertinentes sobre problemas nacionais, mas a última é de uma desumanidade assustadora, pois fere a dignidade humana.
“A senhora considera correto dar dentes postiços para uma cidadã pobre um pouco antes de ser feita com ela uma gravação do seu programa eleitoral de televisão?”, leu o apresentador Willian Waack.
Já é péssimo contra a dignidade humana tratar prótese dentária pelo termo pejorativo “dentes postiços”. Mas se o problema fosse só o mau gosto do termo, seria apenas uma gafe. Muito mais triste é a negação da cidadania às pessoas mais pobres e falta de fraternidade embutida na pergunta.
Qualquer pessoa que sabe orientar outra no exercício de um direito de cidadania deve fazê-lo. Se alguém conversar com idoso que já tem direito a aposentadoria, mas ainda não tem consciência disso, é até desumano você saber e não orientá-lo. Da mesma forma, se uma equipe foi fazer uma gravação e viu uma cidadã que não tinha prótese dentária, e a orientou para resolver seu problema na unidade de saúde pública da cidade dela que tem atendimento de dentistas justamente para estes casos, incorreto e desumano seria não ajudá-la no encaminhamento.
Assim, parece que o neoliberalismo individualista subiu tanto para a cabeça dos profissionais da TV Globo, que agora acham errado até os mais simples gestos de estender a mão, nem que seja apenas para apontar um caminho, coisa que todo ser humano pratica no cotidiano por sua própria natureza. Só não faz assim quem está ensandecido pelo ódio.
Da Rede Brasil Atual