´Manuais da ditadura estão vigentes´, diz Maria do Rosário

 

Rosário avalia como preocupantes de tentativas de alterar o Estatuto da Criança e do Adolescente


Segundo ministra de Direitos Humanos, taxa de homicídio e superpopulação carcerária constituem as maiores violações no país

As manifestações que mexeram com o país em junho expuseram não apenas o caráter repressor da Polícia Militar, mas também o potencial da instituição de ampliar a violência, em vez de enfrentá-la. O alerta é de Maria do Rosário (PT), ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. “É extremamente preocupante que as polícias continuem abordando a juventude de forma violenta, sempre como suspeitos, revelando que os manuais de inquérito e abordagem do período da ditadura continuam vigentes”, afirmou, em entrevista a CartaCapital, ao sublinhar que a “segurança pública é um direito humano”.

Deputada federal pelo Rio Grande do Sul antes de assumir a secretaria, no início do governo Dilma, Maria do Rosário diz que, apesar de o governo petista ter enfrentado a pobreza extrema e promovido a mobilidade social, o Brasil ainda não colheu bons resultados na diminuição no número de mortes por causas violentas. “Isso significa que a mortalidade por causas violentas não está unicamente vinculada à dimensão social e econômica, mas à capacidade de produzir uma cultura de valorização da vida e da juventude, e o país está fazendo um caminho na contramão.”

Apesar de afirmar que o governo nunca deixou de lado o trabalho com os movimentos sociais e a inserção dos direitos humanos na agenda de combate à pobreza, a ministra reconhece que a aproximação da presidenta Dilma Rousseff com os tais movimentos se intensificou nas últimas semanas, em resposta à pressão e às reivindicações das ruas. “O contato direto com setores da sociedade organizados e também com os não organizados é responsabilidade de um governo”, disse.

Confira os principais trechos da entrevista, e a íntegra na página de Carta Capital.

Depois dos protestos, o governo está se reaproximando de movimentos sociais. A presidenta se encontrou mais com eles neste último mês do que nos últimos dois anos. Isso significa mais direitos humanos na pauta do governo?

Na agenda do governo, os temas referentes aos direitos humanos sempre estiveram presentes, porque a presidenta Dilma considera que os temas referentes à superação da pobreza extrema e inclusão social estão no escopo mais amplo dos direitos humanos de caráter econômico, social e cultural. Então, efetivamente, esses temas nunca saíram da pauta para a presidenta. O exemplo disso é a própria Comissão da Verdade, a Lei de Acesso à Informação, o fato de ela ter enviado ao Congresso Nacional o Sistema Nacional de Enfrentamento à Tortura, que foi aprovado nesta semana. Há uma série de agendas em curso no País.

Mas é verdadeiro que o governo articulou suas políticas no último período em um contato com a sociedade na estrutura de conferência, nos conselhos. E essas manifestações demonstram que essas estruturas são importantes, mas não podem ser exclusivas na relação dos governos com a sociedade. As estruturas de participação direta que foram constituídas em 1988, os conselhos e, posteriormente, os processos de conferência, se demonstram importantes, mas não devem ser exclusivos. E esse contato direto da presidenta foi efetivamente intensificado a partir das manifestações, como um atendimento às reivindicações e reclames das ruas.

A senhora diz “exclusivo” no sentido de serem suficientes?

A democracia é algo que permanentemente precisa se renovar em métodos e do ponto de vista das tecnologias de participação. E o país respondeu à questão democrática com a Constituição de 1988 combinando a democracia representativa, o fortalecimento das instituições e a democracia direta, reconhecendo a existência desses conselhos de direitos. Mas eles também vivenciam um período que precisam de renovação, se atualizar. E eles são representativos na sociedade, mas, sem dúvida, o contato direto com outros setores da sociedade, organizados e não organizados, é responsabilidade de um governo.

Como a senhora vê o debate sobre a violência policial?

Do ponto de vista dos direitos humanos, o tema das polícias é essencial para o Brasil, porque diz respeito à capacidade que nós temos de superar as marcas da violência que o país vive de forma brutal. O mapa da violência, na sua versão mais recente, indica que somos o sétimo colocado do mundo em casos de homicídio. Para cada 100 mil habitantes, 27,4 são vítimas de homicídio. E o número salta para 54,8 quando se trata de adolescentes e jovens entre 14 e 25 anos. Fizemos um enfrentamento importantíssimo da pobreza no último período, mas ao mesmo tempo em que reduzimos os índices de pessoas vivendo na situação de pobreza extrema e produzirmos uma mobilidade social importante no país, não colhemos frutos positivos na diminuição no número de mortes por causas violentas no Brasil. Isso significa que a mortalidade por causas violentas não está associada exclusivamente à superação da pobreza. Não está unicamente vinculada à dimensão social e econômica, está vinculada à capacidade de produzir uma cultura de valorização da vida, de valorização da juventude, e o País está fazendo um caminho na contramão.

São extremamente preocupantes as manifestações que indicam, por exemplo, a descaracterização do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a tentativa de responsabilização, com base no Código Penal, e prisão dos adolescentes a partir dos 16 anos ou até mais jovens que isso. Assim como é preocupante que as polícias continuem abordando a juventude de uma forma violenta, sempre como suspeitos, revelando que os manuais de inquérito e abordagem do período da ditadura continuam vigentes. Segurança pública é um direito humano. Não diz respeito exclusivamente às polícias, mas têm o potencial de ampliar a situação de violência ou de enfrentá-la. E o modelo de polícia que nós temos no Brasil, no qual o auto de resistência continua sendo utilizado como uma licença para matar, acaba fazendo com que boa parte da estrutura das polícias também alimente situações de violência, particularmente na periferia das grandes cidades.

A desmilitarização da polícia sempre foi uma agenda de direitos humanos, mas é preciso trabalhar com o sistema atual. Para uma perspectiva de direitos integrais e de respeito à vida seria necessário trabalhar não apenas com uma análise das polícias militares, mas também das próprias polícias civis, das atribuições que estão nos estados, na união. Enfim, de forma mais global com o sistema de policia. Um projeto que certamente o Ministério da Justiça precisa desenvolver em diálogo com os estados, acompanhado de medidas essenciais em direitos humanos, como a criação de ouvidorias independentes, de corregedorias com autonomia no âmbito das polícias, e uma renovação integral dos mecanismos de formação das polícias no Brasil.

Além de verificar o sistema como um todo, queria destacar também a importância da área técnica das perícias com autonomia para a realização de seu trabalho de inteligência e destacar duas resoluções: a resolução nª 8 de 2012, que foi apresentada pelo Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), que indica a abolição do registro de auto de resistência e propõe outras formas quando a morte é realizada por policiais, e a resolução nº 6 de 2013, que trata da normatização da utilização de armamentos de menor potencial de letalidade.

Da Rede Brasil Atual