Capa|Felicidade por um triz

O Brasil vem obtendo avanços contra o trabalho infantil. Mas o número de jovens que têm a infância ameaçada por alguma forma de ocupação ainda é alto para um país que quer ser feliz quando crescer

Sem brincadeira
Em Recife, Cleópatra cata e limpa sururu desde os 9 anos

Por Xandra Stefanel

Quando nasceu, João era colocado num travesseiro dentro do carrinho de madeira, junto com as frutas que sua mãe iria vender. Sem ter com quem deixar os dois filhos, a ambulante Ana Maria Sobrinho os levava para o trabalho. Hoje João, 12 anos, e seu irmão Carlos, 14, seguem o ofício da mãe: vender frutas pelo centro de São Paulo. Os dois estudam à tarde e trabalham de manhã. Carlos, que já foi reprovado na escola uma vez, prefere trabalhar a “aprontar coisa errada por aí”. Como se houvesse apenas duas alternativas: trabalho ou criminalidade.

Nos centros urbanos, a face mais exposta do trabalho infantil está nas ruas e semáforos. Na região do chamado Centro Administrativo de Teresina, as amigas Elaine, de 13 anos, e Sandra, 12, viviam entre as pedintes. “É costume nas famílias as crianças irem pra rua pedir”, conta Elaine. “A gente primeiro aprende a pedir, depois começa a ‘pegar'”, revela Sandra, amenizando a expressão furtar. Hoje ambas mantêm distância do ofício precoce. Elaine está na 5ª série e sonha ser bailaria. Sandra, na 6ª, adora Português e é freqüentadora da biblioteca. “Quero ser professora.”

O estímulo aos estudos e o direito de sonhar elas conquistaram nas atividades na Casa de Zabelê – uma referência na capital piauiense no trabalho com meninas em situação de risco. A iniciativa surgiu do conselho comunitário da cidade, tendo à frente a Ação Social Arquidiocesana (ASA), com apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento e da prefeitura.

Com o tempo, agregou parceiros como Unicef/Criança Esperança e o projeto Petrobras Fome Zero. A Casa de Zabelê atende 124 jovens e desenvolve atividades de acompanhamento e reforço escolar, oficinas de dança, serigrafia e moda. As famílias dos jovens recebem bolsa de 50 reais. Cada dia de falta nas atividades gera um desconto de 2,50 na mesada; se a falta for na escola, o desconto é de 5 reais.

De acordo com a coordenadora Carla Simon Borges, as parcerias proporcionam uma receita de 55 mil reais, o bastante para bancar uma equipe de pedagogos, psicólogos, assistentes sociais, pessoal de apoio e manter as atividades. “As meninas não são tratadas como coitadinhas, mas preparadas para lidar com sua realidade e enfrentá-la. Para que nosso atendimento seja apenas uma passagem, nada de dependência”, afirma. Trata-se de um exemplo concreto de como tem de ser o combate à violação dos direitos das crianças: uma soma de atitudes entre poder público, organizações da sociedade civil, organismos internacionais, empresas e comunidade.

Integração de ações
Uma das tarefas do poder público é a fiscalização. O Ministério do Trabalho informa ter visitado, de janeiro a agosto deste ano, 227 mil locais, nos quais regularizou o vínculo de 34 mil aprendizes e determinou registro em carteira de outros 1.800 adolescentes entre 16 e 18 anos.

A fiscalização alcançou no período outros 4.200 menores de 16 anos em situação irregular, casos em que se procura encaminhar as famílias dos jovens para ações de prevenção – como programas educacionais e de transferência de renda.

Apesar dos avanços na fiscalização, muitas entidades atuantes na causa consideram que o empenho dos poderes públicos diante dos problemas da infância deixa a desejar. Programas como o Peti e o Bolsa Família são reconhecidos como importantes armas no combate à pobreza, mas insuficientes diante de tantas dimensões que precisam ser atacadas.

Instituições lideradas pela Fundação Abrinq compuseram a Rede de Monitoramento Amiga da Criança. São dezenas que se debruçam sobre as contas públicas para verificar se metas e programas vêm sendo cumpridos. O Plano Pluria