Saúde|Quando o esporte é rude

Rotina de atletas não é exemplo para quem deseja aproveitar os benefícios da atividade física. Esporte com moderação pode ser bom, mas passou disso é filosofia de vida cercada de riscos por todos os lados

A primeira lesão da ginasta Daiane dos Santos foi aos 17 anos, no tendão de Aquiles

Por Giedre Moura

Quando entra em um avião, o ex-jogador de basquete Oscar Schmidt precisa sentar onde possa esticar a perna esquerda. A culpa não é dos seus 2,05 metros de altura, e sim do joelho. Castigado por mais de 30 anos de saltos, corridas e quedas nas quadras, não dobra direito. São três lesões sérias, constantes indicações para cirurgias. A dor é o preço por ter sido o mais importante jogador de basquete do Brasil. Ele não se arrepende de nada, mas não usa meias palavras ao dizer que esporte de alto rendimento nada tem a ver com vida saudável. Ganhou medalhas, dores e limitações. Assim é o esporte competitivo.

Médicos, profissionais de educação física e esportistas são unânimes em afirmar que atletas de alta performance não são exemplo a ser seguido por quem deseja melhorar a qualidade de vida e pôr fim ao sedentarismo. Lesões, patologias do coração, disfunção hormonal são mais comuns em gente que treina de quatro a cinco horas por dia com grande esforço do que em uma pessoa que caminha uma hora quatro vezes por semana.

A alta profissionalização, a busca pela quebra de recordes, a necessidade de performance cada vez mais elevada exigem em demasia dos atletas de ponta e decretaram o fim do slogan “esporte é saúde”, que por muito tempo foi exibido na TV. “Levamos o corpo ao limite da exigência física e, é claro, isso não é saúde, é uma opção de vida. Minha opção sempre foi o basquete e assumi toda a sua exaustão. Se o time ficava quatro horas treinando, eu treinava outras quatro. Era maluco mesmo”, conta Oscar.

O cestinha da seleção brasileira perdeu as contas de quantas vezes entrou nas quadras com dores e chegou a ponto de jogar com a mão direita quebrada, justamente a “mão santa”. A primeira contusão séria foi aos 17 anos, quando fraturou um dos tornozelos e passou três meses sem botar o pé no chão. “Senti muita dor, cansaço, e essa é a rotina de qualquer atleta. Mesmo depois de parar de jogar ainda descubro coisas. Fiquei sabendo que tenho bursite no tendão da pata de ganso. Eu nem gosto de fazer ressonância magnética, sempre aparece algo novo”, brinca.

O esporte brasileiro está repleto desses desastres. Ana Moser, Gustavo Kuerten, o goleiro Marcos, do Palmeiras, que já se afastou 13 vezes para ser submetido a cirurgias e fisioterapias. O meia Pedrinho, do Santos, também é um deles. Aos 30 anos, comemorou em setembro 50 jogos sem se machucar. Mas nos últimos dez anos de atividade esteve pelo menos dois em tratamento. No futebol, além dos impactos do esforço convive-se com a imprudência – ou deslealdade – dos muy amigos de profissão.

Aos 20 anos, no início de uma carreira altamente promissora e dois dias antes de se apresentar para a seleção brasileira, ainda no Vasco da Gama, Pedrinho recebeu uma entrada forte de um jogador do Cruzeiro e rompeu o ligamento do joelho direito. “Fiquei seis meses parado e me machuquei de novo. Depois foi a vez do joelho esquerdo. Era muito jovem e não imaginava que isso pudesse acontecer. O lado psicológico é o mais complicado. Mas o futebol é assim, um esporte de muito contato, e sei que posso me machucar a qualquer hora novamente”, afirma o meia. Quando passou pelo Palmeiras, entre 2002 e 2005, Pedrinho chegou a pedir ao clube a suspensão dos salários enquanto estivesse fora de jogo.

Conviver com a dor
Não são apenas os atletas profissionais que correm o risco de transformar o esporte em algo prejudicial à saúde. Se no caso dos esportistas de alto rendimento essa é uma opção clara em busca da vitória, para pessoas comuns que se encantam com a atividade física e começam a levar o corpo à exaustão, sem o devido acompanhamento, o risco pode ser ainda maio