Entrevista|Caco Barcellos: "Minha cria é um homem-bomba"

Jovens dos morros cariocas planejam operação camicase para resgatar suas mães, seqüestradas pelo asfalto. E Caco Barcellos leva ao palco a sociedade dramática e desigual que contaminou sua vida de repórter

Por Tom Cardoso

Por esta a polícia do Rio de Janeiro não esperava: os traficantes preparam um grande ataque camicase contra a burguesia da zona sul. Calma, Cabral. É apenas fantasia da cabeça do escritor e repórter Caco Barcellos, transformada em peça de teatro. Osama, o Homem-Bomba do Rio, assinada pelo jornalista, estréia em novembro e será encenada por jovens de escolas particulares e públicas. É parte do Projeto Conexões, parceria entre Cultura Inglesa São Paulo, British Council Brasil, Colégio São Luís, National Theatre (da Inglaterra) e Teatro-Escola Célia Helena.

Barcellos vê semelhanças entre o jovem traficante do Rio e os meninos do Oriente Médio. Viveu pessoalmente a realidade dos morros cariocas, num grande esforço de reportagem que resultou no livro Abusado, o Dono do Morro Dona Marta, a trajetória do traficante Marcinho VP. E também conhece a rotina dos jovens palestinos, resultado de reportagens na Faixa de Gaza, feitas nos tempos de correspondente da TV Globo em Paris. Nada escapa ao olho clínico de Caco Barcellos. Em 1992, ele lançou Rota 66 – A História da Polícia Que Mata, livro-denúncia que ajudou a decifrar o grupo de extermínio comandado pela tropa de elite da Polícia Militar de São Paulo. Até hoje Barcellos continua sendo processado por soldados e recebendo homenagens da comunidade carente da cidade. A última foi um rap batizado Rota 66, composto por Afro X.

Editor do programa “Profissão Repórter”, sopro de resistência jornalística em meio à programação do Fantástico, Barcellos continua acompanhando de perto as políticas de repressão à violência e não poupa críticas às invasões aos morros cariocas terminadas em execuções. “Se o uso da violência policial fosse bom, eficiente, São Paulo seria hoje um paraíso”, compara.

Barcellos recebeu reportagem da Revista do Brasil no seu laboratório de jornalismo, a redação do “Profissão Repórter”. Havia acabado de sair de uma exaustiva cobertura de 12 horas da tragédia com o Airbus da TAM, em Congonhas. E, como bom repórter, não baixou as antenas.

É possível escrever uma peça de teatro, trabalhar como repórter e ainda pensar em escrever um novo livro?
Já estou acostumado a esse ritmo. Ontem (17 de julho) cheguei às 19 horas em Congonhas, após o acidente com o Airbus da TAM, com a equipe do “Profissão Repórter”. Fiquei lá por quase 12 horas. Chegamos aqui na redação e corremos para a ilha de edição.

Em 1975 você também escreveu uma peça baseada em temas sociais, como pobreza e violência…
Eu ainda trabalhava como repórter em Porto Alegre, para o jornal Folha da Manhã, cobrindo assuntos relacionados à violência. Escrevia crônicas sobre a minha vida cotidiana de repórter. Um diretor de teatro achou que eu levava jeito e me chamou para ajudá-lo a desenvolver uma peça. Já havia pré-roteiro. Era sobre uma mulher com problemas mentais perseguida pela polícia. Agora, não. É também uma encomenda, mas com liberdade total na escolha do tema. Tentei escrever como ficcionista, mas toda hora me sentia preso a uma espécie de camisa-de-força representada pelas histórias verdadeiras do universo em que me envolvo no trabalho de repórter. Sempre que eu tentava criar uma história ficava preso a uma necessidade de coerência, de verossimilhança.

Você vai usar personagens do seu livro Abusado?
Sim, indiretamente. Eu tenho um farto material de pesquisa desse livro. Fiz centenas de entrevistas, todas gravadas, e isso me ajudou a entender a rotina dos adolescentes e jovens que habitam os morros do Rio. É claro que o processo de gírias é muito dinâmico. Se hoje eu subir o morro do Rio já não vou entender muita coisa. Mas o universo continua o mesmo. E o personagem principal da peça, o Osama, é muito parecido com os meninos retratados no Abusado. Ele é uma mistura de traficantes do Rio com delinqüentes de São Paulo.

Por que Osama?
Você le