Midia|Da tragédia ao pânico

Uma análise do jornalismo brasileiro em situações de desastre

Por Bernardo Kucinski

Desastres são momentos do jornalismo nos quais se
acirra a corrida contra o tempo. Mas o repórter não pode assumir o que
diz o primeiro especialista que encontra. Precisa ser rigoroso na
escolha dos entrevistados, deve hierarquizar e contextualizar com
cuidado

Duzentos
mortos num único desastre é algo fora do comum. Por isso, desastres de
aviões como o do Airbus da TAM traumatizam toda a sociedade, que exige
uma explicação. Qual a causa? Quem são os culpados? É na imprensa que o
povo confia nesse momento crítico, não nas autoridades ou empresas. O
tratamento da tragédia pela mídia pode ter efeito decisivo no
julgamento das pessoas e mesmo desencadear todo um novo comportamento
coletivo. Daí a enorme responsabilidade do chamado “jornalismo de
desastres”. Há até entidades internacionais, como o Dartcenter e a
AlertNet, que se dedicam ao aperfeiçoamento do jornalismo nessas
situações.

Desastres são também
grandes momentos do jornalismo nos quais se acirra a corrida contra o
tempo. Mas o repórter não pode assumir o que diz o primeiro
especialista que encontra. Precisa ser rigoroso na escolha dos
entrevistados, deve hierarquizar e contextualizar com muito cuidado as
circunstâncias da tragédia e, acima de tudo, evitar o sensacionalismo –
em respeito às famílias dos mortos e, principalmente, para evitar
pânico.

Não foi o que aconteceu
na cobertura do desastre do Airbus da TAM. Uma semana de noticiário
sensacionalista conseguiu justamente o pior: criar o pânico. Pilotos,
empresas e até as autoridades aeroviárias que provavam com laudos
técnicos a boa qualidade da pista perderam confiança em si e na própria
ciência. E, “por precaução”, o mais movimentado aeroporto do país foi
fechado a um grande número de vôos. A desordem no tráfego aéreo, que já
vinha de meses, virou um caos total.

Por
que a mídia centrou a culpa do acidente na pista, ainda sem nenhum
laudo conclusivo? Para poder incriminar diretamente as autoridades que
liberaram a pista. A pista virou o fio condutor de uma narrativa
jornalística que jogava toda a culpa das mortes no governo federal.
Deu-se a continuação do linchamento midiático do governo Lula que vinha
desde a crise do “mensalão”. A peça típica desse linchamento foi a
chamada de primeira página da Folha de S.Paulo com a frase de seu
colunista Francisco Daudt, dois dias depois da tragédia: “Governo
assassina mais de 200 pessoas”. Dentro do jornal, a foto do presidente
encabeçava uma montagem fotográfica do “quem é quem na aviação” e, logo
abaixo, o título “O que aconteceu não foi acidente, foi crime”. A
ilação não podia ser mais clara: os personagens da montagem eram
“assassinos”.

Eliane Cantanhêde
e Janio de Freitas, ambos críticos ferozes de Lula, foram dos poucos
jornalistas que nesses primeiros dias mantiveram a cabeça fria. Na sua
coluna, Eliane apontava “falhas humanas e de equipamentos” como as
causas prováveis do desastre. E se o desastre tivesse pouco ou nada a
ver com a pista? Ainda na noite da tragédia, repórteres do Estadão
receberam de diversos pilotos a informação de que o avião voava há dias
sem o freio auxiliar e de emergência, chamado reverso. Mas o jornal
omitiu essa informação durante dois dias, só a admitindo na sexta,
depois de ser furado pelo Jornal Nacional.

Enquanto
jornais abriam páginas inteiras a cartas de leitores e familiares de
mortos, pedindo a cabeça de Lula, o governador José Serra (PSDB) e o
prefeito Gilberto Kassab (ex-PFL, atual DEM) divulgaram sua carta
aberta ao presidente “exigindo providências”. Esqueceram-se
convenientemente de mencionar a falta de providências deles mesmos para
tocar os projetos do trem até Viracopos e do metrô até Guarulhos, sem
os quais é impossível desafogar Congonhas. “A oposição saiu na frente
na politização do acidente”, diagnosticou no Estadão o professor Arthur
Gia