Perfil|Mestre dos traços

Ele traduziu o sentido das obras de mitos da MPB, ilustrou causas e sonhos e tornou-se ícone da cultura brasileira. Aos 61 anos, e "sem férias desde os 8", Elifas Andreato quer viver um pouco mais

Perfil|Mestre dos traços

Ele traduziu o sentido das obras de mitos da MPB, ilustrou causas e sonhos e
tornou-se ícone da cultura brasileira. Aos 61 anos, e “sem férias desde os 8”,
Elifas Andreato quer viver um pouco mais

Por Guilherme Bryan

Até a adolescência ele era analfabeto. Foi operário,
militante político e professor de artes na Universidade de São Paulo.
Nascido há 61 anos no interior do Paraná, de família humilde, Elifas
Andreato teve uma trajetória marcada por muita batalha até se tornar um
dos mais importantes artistas gráficos do país. As mais de 450 capas de
disco que idealizou a partir da década de 1970 – de Pixinguinha,
Paulinho da Viola, Martinho da Vila, Chico Buarque, Toquinho e
Vinicius, Zeca Pagodinho e tantos outros – contam alguns dos capítulos
mais criativos da história da música brasileira.

“Ainda no Paraná, lembro-me de fazer com canivete e madeira pequenas
esculturas de santos. Tinha alguma habilidade manual. Mas queria mesmo
era tocar violão e cantar”, recorda-se Elifas. O dom para desenho
descobriu aos 14 anos, já em São Paulo, quando entrou para a Fiat Lux.
Lá conheceu o ofício de torneiro mecânico e, junto com outros
companheiros, aprenderia a ler. Nas charges que passou a fazer para o
jornal dos operários da fábrica já se rascunhava também o futuro
contestador.

Logo começaria a
pintar, em quadros, cenas de sua infância pobre. Descoberto pela
crítica de arte Marli Medaglia, irmã da cantora Marília, o
“menino-prodígio” virou matéria de jornal e apareceu na televisão. Pelo
cenário que fez para o cinqüentenário da fábrica, que seria visitada
pelos ingleses, Elifas ganhou dinheiro para estudar arte.

Passou
a peregrinar por pequenos estúdios e agências. Entrou para a Editora
Abril em 1967, como estagiário do então diretor de arte Atílio
Basquera.

Em dois anos,
passou a chefiar a produção de arte de um grupo de fascículos na Abril
Cultural. Depois, convidado para realizar o projeto gráfico da revista
Placar, se desentendeu com a equipe. “O editor sempre teve o desenhista
como um sujeito burro que tem habilidade para desenhar. Então o
desenhista é tratado como uma espécie de instrumento para fazer coisas
que o editor pensa mas não sabe realizar”, desabafa.

Foi
então chamado por Victor Civita, dono da editora, para realizar um dos
mais importantes trabalhos de sua carreira – a coleção de fascículos
História da Música Popular Brasileira, que teve números dedicados a
Cartola, Nelson Cavaquinho, Lupicínio Rodrigues e Pixinguinha. “Foi o
que definiu toda a minha carreira, pois realizei um trabalho gráfico
com independência e de qualidade. Repercutiu muito. Tive a honra de
conviver com Pixinguinha, que foi o personagem do fascículo número 2.
Perguntei se havia na música brasileira alguém que pudesse substituir a
santíssima trindade – Donga, João da Baiana e ele. Pixinguinha disse
‘não, meu filho, nós somos um poema’. Na hora não entendi, mas depois
de fechar o fascículo ficou claro para mim. ‘Esse homem é um poema’ foi
a chamada de capa”, destaca o artista.

Elifas passou a conviver com muitos músicos. Da
amizade com Paulinho da Viola, o qual entrevistou para um dos
fascículos, viria a primeira capa de disco, para Dança da Solidão, de
1972. O trabalho mais elogiado com Paulinho da Viola, no entanto, foi
para o LP Nervos de Aço, do ano seguinte. “Ela revolucionou a capa de
disco no Brasil, porque anunciava publicamente a separação do Paulinho
da mulher. A capa polêmica marcou o aparecimento de um sujeito capaz de
conviver com o artista e interpretar sua obra. Tornei-me respeitado,
consciente de ser um acessório nunca maior que a obra ali ilustrada”,
analisa.

Elifas
Andreato também se destacou na imprensa alternativa. Fez o projeto
gráfico do jornal Opinião, em 1972, quando integrava a organ