Editorial|Os ricos e os endividados

Manifestação de moradores próximos a Congonhas: cobertura da mídia foi outra tragédia


O balanço socioeconômico do primeiro semestre é novamente histórico. O
setor automobilístico vende o que produz e com fila de espera. O setor
imobiliário vive momentos de euforia, do alto padrão ao popular. O
comércio palpita como um coração desatinado. De 2003 para cá, o estoque
de empregos com carteira assinada subiu de 18 milhões para mais de 22
milhões. A massa salarial cresceu de 91 bilhões de reais para 109
bilhões. O volume de crédito saltou de 26% do PIB para os atuais 32%,
com os bancos projetando 37% ao final deste ano. Nessa nova economia
surgem 19 novos milionários por dia. Além desses novíssimos ricos, há
ainda um contingente de executivos e diretores, trabalhadores com
rendas superiores a 1 milhão de reais por ano.

Agora,
não dá para aceitar passivamente a forma como o bolo cresce: os novos
ricos, e os velhos de sempre, se esbaldam enquanto a maioria da
população vai – embora um pouco mais satisfeita – se endividando, à
forra das compras com a prestação que cabe no orçamento e sem se
preocupar com juros ou o valor total a pagar. O momento exige muito
debate sobre o futuro do país e as contrapartidas sociais que o
crescimento econômico pode produzir. A começar pelos salários e
acessórios que compõem a remuneração da força de trabalho brasileira,
principal fermento desse bolo que não pára de crescer e, ainda, uma das
mais mal pagas do mundo. Passando pela reconstrução da educação
pública, de modo a torná-la capaz de proporcionar oportunidades à
juventude e de produzir pensamento crítico.

Num
Brasil socialmente maduro, moderno e justo que a maioria luta para
construir, não terão espaço os que operam pelo retrocesso. Nem para os
que fazem de desastres como o de Congonhas um espetáculo de
sensacionalismo para vender notícia e fazer luta política das mais
baixas, não importando a verdade nem a dor das pessoas. No Brasil
sonhado pelos irmãos Betinho, Henfil e Chico Mário e desenhado por
Elifas Andreato – celebrados nesta edição – essa elite retrógrada e
preconceituosa terá, ela própria, de pensar uma forma mais digna de
coexistir na democracia com povo.