Entrevista: Dalmo Dallari

Para o jurista, a polícia incomoda gente graúda e o direito de defesa é sagrado, mas o sistema Judiciário dá margem para a lentidão e o sentimento de impunidade.

Por Paulo Donizetti de Souza e Xandra Stefanel

O grande momento

Para o jurista Dalmo Dallari, a PF age dentro da lei e incomoda gente que
antes se sentia imune. O problema, diz, é que a legislação é atrasada. “O
sistema processual dá tantas possibilidades que cabe recurso do recurso, e
depois o recurso do recurso do recurso. Isso facilita a chicana e mantém o
sentimento de impunidade”

Quando estudantes ocuparam a reitoria da USP, a
principal motivação – a trava na autonomia das universidades imposta
por decreto pelo governo Serra – dividia opiniões. Professores e
funcionários das universidades paulistas entraram no movimento,
engordando a lista de reivindicações, mas a polêmica persistia. Em
artigo na Folha de S.Paulo, o filósofo José Arthur Giannotti tachou o
movimento de “projeto político antidemocrático que ensina alunos,
funcionários e professores a desobedecer toda ordem constituída”. Foi
quando Dalmo Dallari, uma das maiores autoridades do país em Direito
Constitucional, entrou na história e emitiu parecer definitivo para pôr
os pingos nos is e mostrar que o governador Serra foi quem de fato
subverteu “a ordem”. E considerou a ocupação, “por mais discutível que
fosse”, a maneira de tornar público o escândalo.
Assim é o
jurista que jamais se filiou a algum partido político, mas sempre
emprestou sabedoria e coragem para que a sociedade interfira na
política e nos rumos do país. No último dia 19 de junho, Dallari
recebeu a reportagem da Revista do Brasil em sua casa, em São Paulo.
Presidente da seção paulista da Comissão Justiça e Paz nos anos 70,
Dallari diz que a ditadura levou a sociedade a descobrir que nada vem
de cima. Ele enfatiza o papel das mulheres nas conquistas sociais que
atravessaram o século e tiveram seu ponto alto na Constituição de 1988.
Aos 75 anos, se diz otimista e acredita que o país vive agora o momento
de sua história mais próximo de um Estado Democrático de Direito.

Como o senhor viu as ações do governador José Serra de interferir na autonomia das universidades estaduais paulistas?
Foi profundamente lamentável. Conheço o governador Serra há bastante
tempo e tenho respeito por ele. Acompanhei de perto seu desempenho no
ministério (da Saúde) e acho que ele foi extremamente corajoso quando
introduziu uma linha de medicamentos que, a rigor, quebrou a hegemonia
das grandes multinacionais. O governador tem um passado respeitável, de
luta pela liberdade. Essa linha governativa está longe de ser
democrática e me decepcionou. Existe uma hierarquia entre as normas
jurídicas do país. No topo estão as normas constitucionais. Nenhum ato
jurídico tem valor se contrariar a Constituição. Em segundo lugar vêm
as leis, que têm de ser aprovadas pelos Poderes Legislativo e
Executivo. E no terceiro nível vem o decreto. Qualquer estudante de
Direito sabe: um decreto não pode mudar a Constituição nem uma lei. No
entanto, foi isso que assessores prepararam e o governador assinou. Uma
enxurrada de decretos logo no primeiro dia de governo.

Mesmo depois da reação por parte da comunidade acadêmica, do meio político e jurídico esses decretos não foram revogados.
Foram parcialmente. Um deles estabelecia que o conselho de reitores no
estado seria presidido pelo secretário (de Ensino Superior, José
Aristodemo Pinotti), que não é reitor. Era um absurdo total. Ele
modificou a legislação anterior, que estabelecia que o conselho de
reitores seria presidido por um dos reitores – são três reitores de
universidades públicas de São Paulo, USP, Unesp e Unicamp. Ele
estabeleceu por decreto que a presidência cabia ao secretário de Ensino
Superior. Mas isso foi há poucos dias revogado.

A Secretaria de Ensino Superior foi criada em substituição à Secretaria de Turismo. Como foi isso?
Nem é preciso ter curso jurí